Polícia



Perseguição

"Só fugi, não atirei", diz foragido que dirigia carro em que estavam Dorildes e o angolano Gilberto

PMs contaram ter atirado porque alguém no carro teria feito disparos contra a viatura, em Gravataí. A costureira e o técnico em radiologia foram baleados e ela morreu na terça-feira

08/06/2020 - 10h19min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Polícia Civil / Divulgação
Uma casa e um contêiner foram atingidos por disparos no local da abordagem

O motorista que provocou a perseguição que resultou na morte da costureira Dorildes Laurindo, 56 anos, e nos ferimentos do técnico em radiologia Gilberto Andrade de Casta Almeida, 26, nega ter atirado contra policiais militares.
Luiz Carlos Pail Junior, 31, admitiu em depoimento à polícia que, ao ver uma viatura da Brigada Militar, em Cachoeirinha, na noite de 17 de maio, furou sinal vermelho para evitar ser preso, pois estava foragido da Justiça.

— Só fugi, não atirei —foi o que Luiz Carlos garantiu a seu advogado, Alencar Coletto Sortica.

O encontro com uma guarnição da BM ocorreu quando Luiz Carlos transportava o casal no retorno de uma viagem. Usando nome falso, ele fora contratado por meio do aplicativo BlaBlaCar para levar o casal até Tramandaí. Na volta, a viagem foi feita fora do aplicativo. Em Cachoeirinha, começou a perseguição que acabou em Gravataí com Dorildes e Gilberto baleados, e Luiz Carlos, preso. O angolano também chegou a ficar 12 dias detido. 

A primeira versão dos PMs foi de que Gilberto e Luiz Carlos haviam atirado e, por isso, os policiais reagiram. Depois, mudaram o relato. A versão sobre o suposto confronto está sendo investigada.

Luiz Carlos tinha prisão preventiva decretada por tentativa de feminicídio contra a ex-companheira, ocorrida em maio, em Cachoeirinha.

O foragido nega com tanta veemência que portasse arma e que tenha atirado que o advogado solicitou à polícia que fizesse o exame residuográfico nas mãos de  Luiz Carlos. A perícia detecta resíduos de pólvora na mão de quem tenha feito disparo. Mas o resultado pode ser comprometido pelo tempo de coleta de material após o suposto disparo. 

— Fiz o pedido de próprio punho para que fizessem o exame nele. E também pedi perícia nas viaturas envolvidas e nos PMs, para ver se algum estava ferido — afirma Sortica.

Sobre as circunstâncias da fuga, Sortica diz que seu cliente admite ter fugido ao ver PMs. Ele queria evitar ser preso por conta da prisão preventiva decretada pela Justiça de Cachoeirinha. Luiz Carlos dirigiu de Cachoeirinha até Gravataí, onde parou. Ele contou ao advogado ter descido do carro e corrido para um matagal.

— Ele disse que enquanto corria ouviu muito tiros — descreve o advogado.

Dorildes e Gilberto foram baleados pelos PMs junto ao carro. Cada um teria sido atingido por três tiros — o Ministério Público de Gravataí ainda aguarda documentação do atendimento hospitalar e o laudo de necropsia de Dorildes. A costureira, que morava em Cachoeirinha e havia conhecido o angolano pelas redes sociais, morreu  na terça-feira (2).

— Pedimos para a Justiça de Gravataí a produção antecipada de provas para que o angolano seja ouvido o quanto antes, já que ele tem planos de ir embora. É nossa única testemunha e já falou que Luiz Carlos não tinha arma nem atirou. Dorildes também tinha dito isso em depoimento. 

Luiz Carlos tem antecedentes criminais por tráfico de drogas e violência doméstica. A ex-companheira dele tinha medida protetiva. Em 5 de maio, ele fez um disparo contra a janela do apartamento dela.  Foi enquadrado na Lei Maria da Penha por tentativa de feminicídio e teve prisão preventiva decretada. Por isso, era considerado foragido da Justiça. Ele dirigia para o aplicativo BlaBlaCar usando nome falso e, segundo a Polícia Civil, tinha em seu celular fotos de armas e de uma CNH falsa armazenadas.

As circunstâncias da abordagem são investigadas em um inquérito policial militar (IPM), que é conduzido pela Corregedoria-Geral da BM, e também pelo Ministério Público de Gravataí e pelo Ministério Público Militar. Se houver indícios de que não ocorreu confronto, ou seja, de que ninguém do carro perseguido atirou, os três PMs envolvidos podem responder por crime doloso contra a vida e serem julgado pela Vara do Júri.

Inquérito feito pela Delegacia de Homicídios de Gravataí descartou a possibilidade de Gilberto ter feito disparos. Foi com base nisso que o angolano ganhou a liberdade.

Contraponto

Os três policiais militares envolvidos no caso estão afastados, e a conduta deles é apurada. O Comando-Geral da Brigada Militar determinou que a investigação sobre a abordagem que resultou na morte da costureira e nos ferimentos ao turista angolano seja realizada pela Corregedoria-Geral, em Porto Alegre.

Em nota enviada à imprensa, o comando da corporação disse que o objetivo é "garantir a maior isenção possível na apuração". Também informou que, "após a conclusão do IPM, a Brigada Militar irá comunicar as circunstâncias da ação policial e quais os seus desdobramentos".

Em nota, a BlaBlaCar disse que a viagem de retorno não foi realizada pelo aplicativo, mas confirmou que a de ida foi acertada pela plataforma. A empresa disse que "lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso com a criação de um ambiente de viagem seguro e confiável para os mais de 5 milhões de usuários da plataforma no país".


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