Polícia



Fronteira Oeste

Bebê morto pelo pai em Alegrete chegou desnutrido ao hospital

Luis Fabiano Quinteiro, 19 anos, confessou ter espancado o filho pois ele "chorava muito". Ao socorrer menino, equipe médica verificou que criança estava abaixo do peso e desidratada

19/08/2020 - 09h11min


Jeniffer Gularte
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Jewison Cabral
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Jewison Cabral / RBS TV
Mãe de Marcio, Giane, 23 anos, havia preparado quarto para receber o filho

O bebê Marcio dos Anjos Jaques, de um ano e 11 meses, chegou ao Hospital Santa Casa de Caridade de Alegrete, na Fronteira Oeste, às 18h do último domingo (16) com sinais de desnutrição e desidratação. Horas depois, à 1h45min, de segunda-feira (17), morreu devido a uma série de lesões no corpo. O pai da criança, Luis Fabiano Quinteiro Jaques, trabalhador rural de 19 anos, confessou à polícia que espancou o filho pois o bebê não parava de chorar.

Responsável pelo acolhimento da criança na instituição, a assistente social Tânia Rosso Zinelli afirma que o bebê chegou desacordado, com o corpo sujo e muitos ferimentos, entre os quais hematomas nos membros superiores e inferiores, nas costas, nos dois lados da face e na cabeça. Os dentes estavam quebrados. Em mais de duas décadas de atuação no hospital, a profissional relata nunca ter presenciado cena parecida:

— Não tinha visto algo assim, impactou toda equipe. Foi chocante o que vivenciamos naquela noite. Era um absurdo de ver. Buscamos forças um no outro para conduzir aquele atendimento da melhor maneira.

Após avaliação no ambulatório, Marcio foi levado para uma sala vermelha. Segundo a equipe médica, o pai parecia frio em relação ao caso e tinha relato confuso e contraditório sobre o que havia ocorrido com o filho. Marcio pesava exatamente 10kg. De acordo com a equipe que o atendeu, para a faixa etária, deveria estar com pelo menos 12kg.

— É abaixo da curva para essa idade. Ele era emagrecido, sofrido. Foi lamentável ter vivido isso. Tentávamos fazer algum carinho e ele tinha um olhar sofrido. Nos chocou muito.

Marcio nasceu em setembro de 2018. Os pais se separam em julho do ano passado. Em março deste ano, Giane Fortes dos Anjos, 23 anos, mãe do bebê, entregou o filho ao pai pois estava morando na rua e não tinha emprego fixo. Usuária de drogas e grávida, a mãe procurou um abrigo da prefeitura. Foi acolhida em um ginásio com o novo companheiro e fez o pré-natal tardio. Afirma que se distanciou do vício, teve a segunda filha, uma bebê de um mês e 18 dias, e conseguiu uma moradia para a família. Uma casa de três peças foi obtida com a ajuda da Associação dos Moradores do Bairro Macedo. Com o novo lar, passou a buscar por Marcio.

De acordo com o Conselho Tutelar de Alegrete, em 17 de julho, Giane procurou ajuda pois não encontrava Márcio e o pai da criança. A mãe conta que descobriu que o filho estava em uma chácara no interior do município. O pai do menino é trabalhador rural, e eventualmente levava o menino para o interior ou deixava a criança na casa dos irmãos, tios do menino.

— A conselheira foi atrás, achou meu filho e disse que ele estava super bem. Bem alimentado e muito agarrado ao pai. E que ela não podia tirar ele de perto do pai porque a criança e o pai iam sofrer. O conselho disse que meu filho estava bem — conta a mãe.

"Ninguém desconfiou do pai", diz conselheiro tutelar

À frente do Conselho Tutelar da cidade, Emir Lemes de Almeida afirma que o órgão não recebeu nenhuma denúncia por parte de vizinhos e familiares a respeito da má conduta do pai. Segundo ele, tanto o pai como a mãe foram orientados a procurar a Defensoria Pública para solicitar a guarda formal da criança. De acordo com o Ministério Público, o pedido não foi formalizado.

— O pai não tinha registro de maus-tratos ou violência. Duas semanas antes do fato, observamos que ele tinha vínculo com o filho. O guri estava muito bem ambientado com ele. Não podemos tirar uma criança que está bem, por cinco meses na companhia do pai. Quem determina isso é a Justiça. No domingo, quando fui chamado ao hospital, inclusive dei carona para o pai até a Delegacia de Polícia. Ninguém desconfiou do pai, nunca passou pela minha cabeça que ele faria isso.

Em uma primeira versão, o pai negou a agressão mas, depois, confessou o crime. Em recuperação do vício e mãe do segundo filho, Giane conta que preparou um quarto para receber o primogênito com o desenho na parede com o nome da criança.

— Agora entro no quarto, olho as coisas dele, e não acredito no que aconteceu. Estava tudo preparado para esperar meu filho. Mudei toda minha vida por isso. Arrumei esse quarto para ter meu guri de volta comigo e tiraram a vida dele. Ninguém mais sabe a dor que estou sentindo. Corri e lutei muito por ele.

Ex-diretora da saúde mental de Alegrete, a psicóloga Nádia Mileto afirma que emocionalmente Giane tinha condições de acolher o filho mais velho e que havia criado um vínculo com os profissionais do abrigo. Com ajuda de doações, montou o enxoval para as duas crianças. O companheiro de Giane começou a trabalhar em serviços gerais. Domingo, ao saber que o filho estava no hospital, foi até a instituição.

— A enfermeira me disse que ele estava desnutrido e com muitas lesões violentas no corpo. Foi horrível ver ele daquele jeito. Mas não suspeitava que o pai pudesse fazer aquilo.

Promotora da Infância e Juventude de Alegrete, Luiza Trindade Losekann afirma que após a conclusão do inquérito policial poderá avaliar se houve omissão na atuação do Conselho Tutelar. Segundo ela, o Ministério Público também não havia recebido denúncias de maus-tratos por parte do pai.


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