Polícia



Fronteira Oeste

Familiares e rede de proteção: quem mais poderá ser responsabilizado por eventuais falhas nos cuidados a bebê morto pelo pai

 Márcio dos Anjos Jaques, de um ano e 11 meses, foi agredido na quinta-feira (13) e socorrido apenas no domingo (16)

20/08/2020 - 08h44min

Atualizada em: 20/08/2020 - 08h44min


Jeniffer Gularte
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Jewison Cabral / RBS TV
Mãe de Márcio, Giane, 23 anos, havia preparado quarto para receber o filho

A investigação que apura o caso de um bebê de um ano e 11 meses morto pelo pai em Alegrete, na Fronteira Oeste, também vai verificar a eventual responsabilização de pessoas que possam ter deixado de proteger o menino. O pai, Luis Fabiano Quinteiro Jaques, 19 anos, confessou à polícia que espancou o filho Márcio dos Anjos Jaques porque o bebê não parava de chorar. A agressão aconteceu na última quinta-feira (13), na casa dos tios. Em seguida, Jaques foi trabalhar no interior do município, passou o final de semana fora e a criança ficou aos cuidados do seu irmão e da cunhada.

— A agressão foi na quinta e a criança foi levada para o hospital no domingo (16), ela ficou todo esse período com traumatismo craniado e hemorragia encefálica (processo lento que ocasiona a compressão do cérebro). No relato dos tios, a criança teve um comportamento normal, brincou na sexta e no sábado, mas no domingo começou a passar mal, com hematomas e inchaços, que foram aumentando nesse período — afirma o delegado Valeriano Garcia Neto.

Os tios serão ouvidos mais uma vez e as circunstâncias que envolvem uma eventual omissão deles será avaliada. Segundo o delegado, os tios ligaram para o pai, avisando que a criança não estava bem. No depoimento, contam que o pai teria os proibido de levar a criança para o hospital. A polícia quer entender qual o teor dessa conversa. Jaques chegou com o filho nos braços no Hospital Santa Casa de Caridade de Alegrete apenas às 18h de domingo.

— Vamos apurar se houve omissão relevante legalmente ou mera omissão de socorro. É cedo para afirmar. Mas vamos reinquiri-los com este enfoque para tentar entender a responsabilidade de cada um. No meu entendimento, houve omissão. Agora vamos entender de qual natureza e relevância — diz Garcia.

Na interpretação do delegado, os tios tinham o dever legal de evitar o resultado do crime. O casal será investigado. Garcia explica que no momento em que o pai se ausentou, os tios, de acordo com o Código Penal, se colocaram na posição de garantidores da segurança do bebê durante o final de semana.

— É como uma mãe que está em uma praça e deixa o filho ao cuidado de outra mãe. Essa terceira assume a responsabilidade por qualquer coisa que aconteça à criança. Dificilmente eles não serão responsabilizados.

A polícia também irá apurar eventual omissão da mãe – Giane Fortes dos Anjos, 23 anos, não via o filho há cinco meses – e da rede de proteção à criança – Conselho Tutelar e assistência social do município. Todos os profissionais que tiveram contato com a família serão ouvidos.

— A mãe sabia que o pai era violento. Também vamos apurar se a rede de proteção, em algum momento, falhou — avalia o delegado.

Promotora da Infância e Juventude de Alegrete, Luiza Trindade Losekann afirma que após a conclusão do inquérito policial poderá avaliar se houve omissão na atuação do Conselho Tutelar. Segundo ela, o Ministério Público também não havia recebido denúncias de maus-tratos por parte do pai:

— Se houve alguma omissão ou alguma má conduta de alguém, não é possível afirmar agora.

A preocupação imediata da promotora é com uma menina de um ano que é filha dos tios de Márcio, portanto prima da vítima. A bebê está sob os cuidados da avó materna e a promotora vai ingressar com pedido de que a guarda criança fique com a avó enquanto o crime é apurado.

— No momento não sabemos qual será a conclusão. Se vai se apurar se os tios tiveram responsabilidade. Por enquanto, os tios são testemunhas. Mas por precaução, a promotoria vai resguardar a integridade dessa criança e seguir acompanhando pela rede de proteção — diz Luiza.

Detido, Jaques será indiciado por homicídio triplamente qualificado. As qualificadoras são motivo fútil, meio cruel e recurso que tornou impossível a defesa da vítima, além do agravante de crime cometido contra descendente. Considerando as marcas que o bebê tinha no corpo, a polícia avalia a possibilidade de responsabilização por tortura.

"Não temos como visitar criança se não houver denúncia", diz conselheiro

Filho de Giane e Jaques, Márcio nasceu em setembro de 2018. O casal se separou em julho de 2019. Em março deste ano, o envolvimento com drogas da mãe fez com que ela entregasse o filho ao pai. Jaques é trabalhador rural, e eventualmente levava o menino para o interior ou deixava a criança na casa do irmão e da cunhada, tios do menino. Na descrição do delegado, a casa dos tios, localizada nas margens da BR-290, é humilde, com esgoto à céu aberto e com muitos filhotes de animais criados soltos no pátio, como aves, porco e cachorro.

Grávida do segundo filho, Giane foi acolhida em março em um abrigo da prefeitura de Alegrete. Atualmente, diz estar em recuperação do vício, teve a segunda filha, com um mês e 19 dias, e tem moradia fixa para a família, onde já havia reservado um quarto para Márcio. Com o novo lar, Giane passou a ir atrás do primogênito.

Em 17 de julho, buscou o Conselho Tutelar informando que não conseguia encontrá-lo. À frente do órgão na cidade, o conselheiro Emir Lemes de Almeida afirma que não chegou a ver em qual ambiente a criança estava inserida pois tinha boas referências do pai. Almeida diz que pediu informações sobre Jaques à avó materna de Márcio, ao seu patrão e ao irmão de Jaques:

— Em nenhum momento falaram mal do pai. Pelo contrário. Nunca tivemos uma informação que desabonasse o pai.

O conselheiro conta que entrou em contato com a DP. Jaques não tinha antecedentes criminais. De acordo com Almeida, o pai procurou o conselho e relatou os cuidados que tinha com o filho, argumentando que havia estabelecido um vínculo com a criança.

— O tio paterno falou dessa mesma relação boa com o pai. Não posso apontar e nem julgar nada, o que fazemos é ouvir os fatos. Em nenhum momento desconfiamos de algo. Não fomos até a casa ver a criança porque não tinha indício de problema, queixa ou denúncia. Não temos como fazer visita se não houver denúncia. Trabalhamos provocados por denúncia. Claro que se houvesse qualquer denúncia, íamos trabalhar para retirar a criança do pai.

A respeito do histórico da mãe, Almeida diz que não chegou a receber parecer técnico de que Giane estava em recuperação. Não cabe ao conselho decidir a guarda da criança, tarefa tratada em âmbito judicial. Segundo Almeida, a mãe foi orientada a entrar com pedido de guarda do filho na Defensoria Pública e recebeu uma lista com uma série de documentos que teria de providenciar para formalizar a ação. De acordo com o Ministério Público, o pedido não foi formalizado.

— Não somos juízes para julgar a mãe, nos preocupamos com o menino — diz o conselheiro.

A secretária de Assistência Social de Alegrete Iara Fagundes afirma que a demanda por atendimento ao bebê Márcio não chegou até os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Crea) do município.


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