Polícia



REGIÃO METROPOLITANA

Caso Gabardo: há 15 anos, pai busca resposta para assassinato de filho em Canoas

Mário Sérgio Gabardo, 20 anos, foi morto a tiros quando chegava na casa de um amigo

30/09/2020 - 09h24min


Leticia Mendes
Tárlis Schneider / Agencia RBS
Sérgio, que organizou protestos nos últimos anos (na foto em 2005), cobra desfecho para crime que vitimou o filho Mário

Em comum com o pai, Mário Sérgio Gabardo não tinha apenas o nome. Desde garoto, seguiu os passos do empresário Sérgio Mário Gabardo, proprietário de uma transportadora na zona norte de Porto Alegre. Aos 20 anos, já coordenava a frota de 200 caminhões e se preparava para assumir os negócios. Mas os planos foram dilacerados na noite de 29 de setembro de 2005. Após terminar uma prova na faculdade de Direito, o universitário seguiu até a casa de um amigo, em Canoas, na Região Metropolitana. Ao desembarcar do veículo, foi abordado e morto a tiros. Desde então, a família tenta descobrir quem puxou o gatilho — o caso acabou arquivado sem chegar nesta resposta.  

Nos últimos 15 anos, Sérgio lida com o vazio da perda e a espera inquieta por Justiça. Logo após o crime, participou de protestos — alguns deles com os caminhões da empresa. Carregou faixas e vestiu camisetas com a foto do filho. Desde o início, defendia que não se tratava de um latrocínio (roubo com morte), como suspeitava investigação, e sim um assassinato. Passou a enviar cotidianamente mensagens a amigos, autoridades e à imprensa cobrando solução para o crime. Mas a investigação não conseguiu avançar. Em 2008, sem autoria conhecida, o inquérito acabou arquivado.

Mesmo assim, o pai não desistiu de entender quem havia sido o responsável pela morte de Mário. Em 2013, diante de tanta insistência, foi recebido pelo governo do Estado — entre eles, o atual vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, e o então secretário da segurança Airton Michels. Recebeu a promessa de que haveria esforço para voltar a investigar o caso. No início de 2014, no entanto, a Justiça negou o pedido de reabertura, por falta de algum fato novo que justificasse o desarquivamento. O pai até hoje aguarda por um desfecho diferente.

—  Um filho é tudo que um pai tem, uma mãe tem. Quando ele se vai, não vai só o corpo, vai uma vida inteira. Vai um futuro.  Se passam 15 anos, e não tem dia que as pessoas não perguntem "e o teu filho, nada?" Não sei mais o que responder. Queria que as autoridades me dissessem o que devo responder. A palavra "lamentável" não basta para cicatrizar a dor de um pai. Investiguem, descubram quem fez. Isso sim — desabafa Sérgio, aos 63 anos.  

Na transportadora onde viu o filho crescer e aprender cedo sobre cada um dos setores, o empresário mantém recordações, como fotografias do primogênito — o casal teve um segundo filho dois anos depois do crime. Recorda que Mário era dedicado ao trabalho e aos estudos. E, por isso, conforme crescia, passou a lhe aconselhar sobre os negócios. 

Em fevereiro de 2005, foi promovido a diretor da frota e deixou a barba, ainda rala, crescer. Confidenciava aos amigos que queria ficar parecido com o pai. O jovem tinha uma namorada e planejava passar as férias com ela na Disney.  

—  Todo mundo gostava dele. Não tinha inimigos. Chegava na empresa, conversava comigo. Tinha orgulho do meu filho. Quanta coisa que ele me ensinou. Éramos muito amigos. Hoje parece que estou sendo incompetente de não poder fazer nada para saber quem fez isso com ele. Podem passar 10, 15 anos, mas quem fez isso tem de pagar. Não quero vingança, só quero justiça — diz o pai.  

Andréa Graiz / Agência Estado
Pai mantém na empresa as fotos de jovem

Ao descrever os momentos com o filho, o empresário se emociona. Diz que diariamente se recorda do que ele gostava e das conversas que mantinham. Afirma que os momentos de lazer nunca mais foram os mesmos. 

Traumatizada, a família passou a viver mais enclausurada, blindou veículos e portas. Os cuidados com o filho caçula são redobrados. Até hoje, Sérgio não acredita na versão de assalto. Tem convicção de que o filho foi assassinado e acredita que houve falhas na apuração.  

—  Meu filho nunca andou com dinheiro. Nunca andou com roupas caras. Por que não levaram a carteira que estava no bolso da camisa? Como vão assaltar e não se leva nada? Não acredito nessa hipótese. As coisas erradas não permanecem sempre erradas. Tem que insistir de todas as formas para se encontrar o que é o certo. Se existe um crime, a polícia não pode parar nunca, com nenhuma hipótese. Enquanto estiver vivo, vou continuar cobrando —  garante.  

Todos os anos, em 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo, santo do qual Mário era devoto, a família organiza uma missa para marcar a data —  no fim da tarde desta terça-feira a cerimônia será realizada dentro da empresa.  

—  Se eu pudesse falar algo para ele, seria obrigado meu filho, por ter existido —  emociona-se o pai.  

Reabertura depende de fato novo, diz polícia  

Subchefe da Polícia Civil, o delegado Fábio Motta Lopes reafirmou que, como o caso foi arquivado, juridicamente somente a existência de um fato novo poderia permitir a reabertura da investigação. Neste caso, a polícia poderia voltar a apurar o crime. Mas o policial reconhece que o tempo torna isso ainda mais difícil.  

—  É compreensível a indignação por parte da família da vítima, especialmente do pai. O caso realmente não teve solução. Por outro lado, a reabertura é uma questão técnica. O Judiciário não autorizou porque não tinha informação nova. Quanto mais o tempo passa, infelizmente, é mais difícil que se chegue à descoberta da autoria — afirma.  

O delegado apontou que os índices de elucidação de homicídio no RS por parte da Polícia Civil são de cerca de 70% e de latrocínios cerca de 85%. Isso indica, na análise do policial, que uma parcela acaba sem resposta:

—  Infelizmente há uma margem pequena que não é possível elucidar. Por mais que sejam casos graves, que a polícia priorize. Infelizmente este caso do Gabardo está neste percentual. Por mais que a polícia tenha feito tudo que estava a seu alcance, e tenho informações de que tenha sido nesse sentido, não se conseguiu apurar a autoria.  

O CASO

  • Na noite de de 29 de setembro de 2005, o estudante de Direito da PUC-RS Mário Sérgio Gabardo saiu da faculdade e foi até a casa um amigo na Rua Tomé de Souza, em Canoas, para participar de um churrasco.
  • Ao estacionar o Peugeot 307, foi abordado por um homem armado que saiu de um Ka prata. O bandido disparou antes mesmo de anunciar o assalto. Baleado, Mário arrancou o carro em alta velocidade, mas bateu em uma árvore.
  • O caso foi tratado pela polícia como latrocínio (roubo com morte), mas a investigação não conseguiu apontar suspeitos, e o caso acabou arquivado.  
  • Na época, o Ministério Público, responsável pelo arquivamento do inquérito, afirmou que todas as informações recebidas foram investigadas.  
  • Em outubro de 2013, reunião entre familiares e representantes do governo do Estado terminou com a promessa de que o caso seria desarquivado e a investigação analisada.
  • Em 11 de fevereiro de 2014, a Justiça determinou que o caso fosse mantido arquivado, já que não havia elementos novos para justificar a reabertura. Segue assim até hoje. 

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