Polícia



Porto Alegre

Dois anos depois do assassinato de bebê e seus pais, um réu segue foragido

Com um ano, Alice Beatriz Rodrigues estava em veículo que foi alvejado por sequência de disparos

28/09/2020 - 08h10min


Leticia Mendes
Arquivo Pessoal / Divulgação
Sabrine Panes Rodrigues com a filha Alice Beatriz Rodrigues e o companheiro Douglas Araújo da Silva em festa

— Quando quero ver meu filho e minha netinha, vou ao cemitério.  

Assim que desabafa, o avô pede que não seja divulgado pela reportagem o local onde os familiares estão sepultados. Há dois anos, o vendedor se equilibra entre a dor do luto, a espera por justiça e o medo de represálias. Com um ano de idade, a neta Alice Beatriz Rodrigues foi executada ao lado dos pais Douglas Araújo da Silva 29 anos, e Sabrine Panes Rodrigues, 24, na noite de 23 de setembro de 2018.  

A família saía da festa de aniversário da criança na zona norte de Porto Alegre, quando foi alvejada pela sequência de disparos. Os três foram executados num crime que, segundo a polícia, envolvia a disputa entre facções criminosas. Seis são réus pelo triplo homicídio —um deles segue foragido.  

A última vez que o avô paterno viu a neta foi na festinha de aniversário, no bairro Jardim Leopoldina. Da frente do salão de festas, os pais da bebê partiram com ela a bordo de um Ka. Logo depois, foram perseguidos e o veículo cravejado com mais de 50 disparos de fuzil e pistola. O avô, que seguia no trajeto contrário, chegou a ouvir os estampidos.  

— Achei que eram foguetes. Mas estavam matando meu filho, minhas netinhas (Sabrine estava grávida de quatro meses de outra menina). Eles saíram de lá tão felizes. Agora sou eu que levo flores para o meu filho no Dia dos Pais. Sou eu que tenho que visitar ele no cemitério. É uma coisa terrível. Acabou com a minha família. Estamos destruídos — descreve o vendedor que não quis se identificar.

Uma das testemunhas no processo em andamento na Justiça, muda-se com frequência de residência, por receio de que a família possa ser alvo de criminosos. Enquanto isso, aguarda pelo desfecho no caso e pela prisão de um dos réus. Dos seis suspeitos identificados, cinco permanecem presos de forma preventiva e um deles, Leandro Martins Machado, o Mandy, 30 anos, está foragido. A polícia afirma que ele teria sido o responsável por monitorar as vítimas e dar o alerta para que os atiradores interceptassem a família. O grupo chegou, segundo a apuração, cogitar invadir a festa da criança, mas desistiu da ideia.  

Considerado o mandante do crime, segundo a investigação da Polícia Civil e a denúncia do Ministério Público, Émerson Alex dos Santos Vieira, o Romarinho, 30 anos, já estava preso na época da execução. Em março deste ano, foi um dos transferidos para penitenciária federal em megaoperação que enviou 18 apenados para fora do Estado. Além dele, estão presos Anderson Boeira Barreto, 28 anos, Michel Renan Bragé de Oliveira, o Bragé da Bonja, 22, Maycon Azevedo da Silva, 24, e Nícolas Teixeira da Rosa, o Ovelha, 24. Um sexto atirador não chegou a ser identificado.  

Duas audiências foram realizadas neste ano para ouvir testemunhas de acusação em 29 de janeiro e 4 de março — havia uma terceira agendada para o fim de abril para ouvir testemunhas e interrogar os réus, mas não pode ser realizada por conta da pandemia do coronavírus. Segundo o Judiciário, atualmente o processo está com um dos advogados de defesa e, assim que retornar, será possível determinar o prosseguimento. No momento, não há data prevista para nova audiência. Ao final desta fase, a Justiça definirá se os réus serão enviados a júri pelo crime.  

O avô de Alice acredita que o resultado do processo poderá trazer algum conforto para a família.  

— Nada supre a falta deles, da nossa bebezinha. Mas vou lutar para que feita justiça. É o mínimo que esperamos depois de tudo isso — diz o avô paterno.  

GZH entrou em contato com a família de Sabrine, que preferiu não se manifestar.  

O crime

A emboscada  
A família foi atacada tão logo deixou o salão da festa. Silva dirigia um Ka prata. Sabrine e a filha estavam na carona. O veículo passou a ser perseguido por outro Ka e por uma Ecosport. Silva perdeu o controle do carro e bateu em árvores na Rua Cacilda Yaconis Becker.  

O ataque  
Na sequência, criminosos armados e fardados como policiais civis desembarcaram. Foram mais de 50 disparos com pistolas 9 milímetros e fuzil 5.56. Dentro do salão onde tinha acontecido o aniversário, convidados ouviram os tiros e correram para saber o que havia ocorrido. Alice e os pais foram encontrados mortos dentro do veículo.  

O motivo
A investigação conduzida pelo delegado Cassiano Cabral, da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), concluiu que o alvo dos atiradores era o pai da criança. O motivo do triplo assassinato seria uma desavença entre quadrilhas que disputam pontos de tráfico de drogas. A intenção dos autores seria sequestrar Silva para torturá-lo e obrigá-lo a revelar informações sobre um grupo rival. Ele já havia sido condenado a 10 anos de prisão por tráfico de drogas. Após romper tornozeleira eletrônica, passou a ser considerado foragido.  

A acusação  
A denúncia apresentada pelo Ministério Público em 18 de fevereiro de 2019 foi aceita pela Justiça e os seis se tornaram réus por triplo homicídio qualificado e associação criminosa. Conforme a Polícia Civil, em depoimento, os quatro primeiros presos se mantiveram em silêncio sobre as mortes. Eles ainda não foram ouvidos no processo. Barreto, o último a ser preso, só será ouvido sobre o caso na esfera judicial.  

Os réus  
Para o Ministério Público, Romarinho planejou o crime, Bragé da Bonja, Maycon e Anderson atiraram, Ovelha conduzia um dos veículos e Leandro monitorou as vítimas. Eles respondem por três homicídios, qualificados por motivo torpe, por resultar em perigo comum e pela emboscada. No caso da criança, há agravante pelo fato do crime ser contra menor de 14 anos. Eles ainda são acusados de associação criminosa. Os pedidos de liberdade formulados pelas defesas foram negados pela Justiça. As prisões também foram mantidas pelo Tribunal de Justiça.

Processo dividido
Em março, o processo foi dividido, por conta do envio de Émerson Alex dos Santos Vieira, o Romarinho, para penitenciária federal — ele responde separadamente dos demais. Neste processo, em 14 de setembro, foi determinada a intimação das partes para manifestação sobre a realização de audiência pelo sistema virtual, em razão da pandemia.

Contrapontos  

Anderson Boeira Barreto
O advogado Brian da Silva de Miranda informou que, para não atrapalhar a defesa do réu, só se manifestará nos autos do processo, onde buscará absolvição.  

Émerson Alex dos Santos Vieira
A defesa informou que não pretende se manifestar no momento.  

Leandro Martins Machado
GZH
não conseguiu contato com o advogado do réu.  

Michel Renan Bragé de Oliveira
Os advogados Adriano Marcos Santos Pereira e Marcelo Falci informam que assumiram recentemente a defesa do réu. Disseram ter "convicção de que será demonstrada a sua inocência".

Maycon Azevedo da Silva e Nícolas Teixeira da Rosa
A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul informou que está atuando na defesa dos dois, "visando garantir os princípios da ampla defesa e do contraditório". A instituição informou que, por enquanto, não irá divulgar qual será linha da defesa técnica e deverá se manifestar nos autos do processo.   


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