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Marau

Justiça manda arquivar investigação contra policial que matou engenheiro ao confundir celular com arma no RS

Pedido de arquivamento partiu do Ministério Público, que entendeu que brigadiano agiu em legítima defesa subjetiva

10/09/2020 - 08h56min


Vitor Rosa
Vitor Rosa
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Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Gustavo (E) ao lado de seu irmão gêmeo, Guilherme, ao entregar diploma de engenheiro eletricista durante a formatura

A Justiça mandou arquivar o procedimento de investigação contra os três policiais envolvidos na morte do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, de 28 anos, em Marau, no norte do Estado, em abril de 2020. O rapaz estava indo trabalhar quando foi morto em uma barreira da Brigada Militar, que procurava assaltantes de carro na RS-324.

Os agentes relataram, durante a apuração, que confundiram Gustavo com o criminoso responsável pelo roubo. O policial que atirou disse que confundiu o celular  do jovem com uma arma e, por isso, abriu fogo.

No indiciamento da Polícia Civil, o delegado Norberto Rodrigues afirmou que o caso é classificado como legítima defesa putativa, ou seja, imaginária, já que a roupa do engenheiro também era parecida com a do criminoso. O delegado também observou que houve "coincidências infelizes", como o trajeto semelhante que o bandido e a vítima fizeram.

O inquérito ficou parado na delegacia por 42 dias e foi levado ao Ministério Público após reportagem de GZH mostrar que não houve andamento no processo. A Polícia Civil explicou, à época, que havia uma fila de casos físicos que não tinham sido entregues no fórum em função da pandemia, apesar de o juiz diretor do fórum de Marau, Marcel Andreata de Miranda, afirmar que a delegacia chegou a agendar a data para a entrega, mas desmarcou.

Quando o inquérito chegou ao Ministério Público (MP), o promotor de Marau, Bruno Bonamente, entendeu que o policial que atirou incorreu em legítima defesa subjetiva. Os outros dois policiais, no entendimento do promotor, não "concorreram para o fato".

Nesta quarta-feira (9),  a juíza Margot Cristina Agostini concordou com o pedido do MP e mandou arquivar o processo. Na prática, os policiais são inocentados. Em sua decisão, ela justificou o entendimento:

"Assim, pela dinâmica dos fatos, é de concluir que o policial apenas efetuou os disparos contra a vítima Gustavo, pois acreditou tratar-se de um dos assaltantes e, principalmente, que ele podia estar armado, já que estava portando em uma das mãos um telefone celular e não obedeceu a ordem de rendição".

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Em protesto, família pede justiça para Gustavo

A juíza ainda disse que "na verdade, no momento em que foi solicitado para parar e deitar o ofendido fez movimento com o braço para o lado, tencionando apontar um objeto para o policial, fazendo-o de fato crer que aquilo poderia ser uma arma de fogo (quando na verdade era um celular)". 

"Logo, acreditando estar em perigo iminente, o policial efetuou o disparo de arma de fogo que culminou com a morte de Gustavo", conclui.

Família questiona arquivamento

Irmão gêmeo de Gustavo, Guilherme Amaral, também engenheiro eletricista,  não consegue entender o arquivamento do processo: 

 —  Meu irmão perdeu a vida e ainda está sendo culpado pela própria morte por segurar um celular. A verdade é que isso é resultado de um erro, um erro grotesco de treinamento das forças de segurança. 

Revoltado, o irmão da vítima afirma que o caso "é um absurdo" e abre um "precedente perigoso para que outras pessoas sejam mortas". 

O advogado da família, Daniel Tonetto, informou que ainda não foi intimado e que vai analisar a viabilidade de recorrer da decisão. 


Advogados de defesa dos policiais militares emitiram nota dizendo que recebem com "tranquilidade" o arquivamento do processo. "Frisa-se que três instituições do Estado (Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário) entenderam, após justa e profunda análise, pela presença da excludente de ilicitude (legítima defesa putativa) na ação policial". 

"Não há nada que possa alterar a trágica realidade e o sofrimento pela perda de um ente querido. Porém, a lisura e correção da apuração dos fatos traz a certeza de que Gustavo não foi vítima de execução e que não houve abuso por parte dos Policiais Militares.  Acontece que a dinâmica e infelizes coincidências levaram ao desfecho desse lamentável episódio", completa o texto.

Protestos e ida ao governador

Após a morte, parentes do engenheiro passaram a fazer protestos pedindo por Justiça e chegaram a reunir-se com o governador, Eduardo Leite, que prometeu encaminhar a criação de um grupo de trabalho para debater questões relacionadas à população negra.

A deputada Luciana Genro (PSOL), da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, lamentou o arquivamento do processo. A parlamentar acompanhou a família durante esse período de investigação e protocolou um projeto de lei com o nome de Gustavo, em que requer a instalação de câmeras com GPS em viaturas e nos uniformes dos profissionais da segurança pública.

— Lamentamos esta decisão, pois ela não possibilita à família saber de fato o que ocorreu.

Confira a íntegra da nota da  defesa dos policiais

É com respeito e tranquilidade que a defesa recebe a decisão de arquivamento das investigações que apuraram a morte do Engenheiro Gustavo dos Santos Amaral.

A decisão traz para a sociedade gaúcha o que realmente aconteceu naquele fático 19 de abril. É de se registrar que as autoridades envolvidas trabalharam de forma célere e técnica, elucidando o ocorrido sem levar em conta o clamor público inflamado por prematuras e inverídicas informações.

Frisa-se que três instituições do Estado (Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário) entenderam, após justa e profunda análise, pela presença da excludente de ilicitude (legítima defesa putativa) na ação policial. 

Não há nada que possa alterar a trágica realidade e o sofrimento pela perda de um ente querido. Porém, a lisura e correção da apuração dos fatos traz a certeza de que Gustavo não foi vítima de execução e que não houve abuso por parte dos Policiais Militares.  Acontece que a dinâmica e infelizes coincidências levaram ao desfecho desse lamentável episódio.

Registra-se, por fim, que a resposta do Judiciário traz um alento para toda a classe castrense, que foi atacada e teve o seu profissionalismo e atuação injustamente questionados. Não se desconhece a existência de erros e abusos praticados por agentes do Estado. No entanto, no caso em análise restou comprovado que os agentes envolvidos atuaram tecnicamente e de acordo com a lei. 

Ricardo de Oliveira de Almeida
OAB/RS 104.666 

José Paulo Schneider
OAB/RS 102.244

Escritório Zimmermann Almeida
OAB/RS 6.292

ABAMF/RS"


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