Polícia



Região Metropolitana

Mensagem cifrada, ataque de pânico e apoio de colegas: motorista de aplicativo detalha sequestro sofrido em Viamão

Condutor conseguiu avisar dono do veículo ao ver que um dos passageiros estava armado

29/09/2020 - 09h17min


Jeniffer Gularte
Enviar E-mail
Lauro Alves / Agencia RBS

Eram 23h50min de sexta-feira, 18 de setembro, quando o motorista de aplicativo de 22 anos aceitou uma corrida no distrito de Águas Claras, em Viamão, na Região Metropolitana. Como nunca havia pegado passageiros na região, avisou colegas em grupos de WhatsApp que iria para uma área desconhecida. Por precaução, pediu que ficassem monitorando seu deslocamento pelo sinal do GPS. A intuição do jovem, que atua há seis meses como condutor de app, não estava errada. Ao finalizar aquela viagem, tornou-se vítima de sequestro relâmpago e foi submetido a quase uma hora de ameaças sob a mira de duas armas.

O jovem, que conversou com GZH sob a condição de não se identificar, aluga um veículo e chega a trabalhar 18 horas por dia como motorista para quatro aplicativos. É sua alternativa de renda enquanto não consegue emprego fixo. No final da noite daquela sexta-feira, em frente ao posto da Brigada Militar em Águas Claras, dois homens embarcaram. O motorista ficou intrigado:

— Foi embarque de dois homens em um endereço só, o sotaque de um deles não era daqui, não estavam com trajes para ir em um aniversário ou janta. Aquele não era horário de ir trabalhar. Estranhei.

A corrida tinha como destino o centro de Viamão. Assim que entrou no carro, a dupla solicitou que o motorista parasse em um posto de combustíveis que tivesse caixa eletrônico 24 horas. Pedido atendido. Um deles desceu, foi até o caixa e retornou balançando a cabeça, dando a entender que não havia conseguido fazer o saque. Perguntou, então, se o motorista poderia ir a um segundo posto. No momento em que o passageiro desceu novamente, o motorista percebeu que ele estava com um revólver na cintura. A suspeita se confirmou:

— Quando vi a arma, me dei conta que era uma corrida de risco. Ali eu percebi que poderia ser assaltado. Avisei o dono do carro. Foi quando passei a mensagem cifrada. Por códigos, a gente se entende. O passageiro voltou para o carro e segui a viagem — recorda.

No momento em que foi avisado, o proprietário do veículo acionou a Brigada Militar e avisou os grupos de apoio Guerreiros do Asfalto e Lobos da 99. A agilidade do condutor frustrou o sequestro que, até aquele momento, nem havia se iniciado. Foi só quando chegou ao destino da corrida, no centro de Viamão, que a dupla pediu para desligar o carro, abrir o porta-malas e finalizar a corrida no aplicativo. Anunciaram o assalto e ordenaram que o motorista retornasse a Águas Claras. O jovem se negou a abrir o bagageiro, seguiu no volante, mas um dos criminosos pulou para o banco da frente e lhe apontou a arma.

— Em nenhum momento queriam levar o carro, queriam que eu dirigisse para eles. Dirigindo sob pressão, arma na cabeça, outra arma na costela. Os dois estavam armados. Imagino que era para fazer alguma viagem com drogas. Não tenho como afirmar se pegaram algo na rua. À noite, não fica visível. O rapaz que estava no banco de trás, sentou atrás de mim já para eu não enxergar ele, só via a arma dele apontava para as minhas costelas.

Assim que ingressou novamente na RS-040 em direção ao Litoral, o jovem visualizou veículos do grupo de apoio de motoristas de aplicativo. Um deles percebeu a situação de perigo ao identificar que o jovem estava fazendo o trajeto inverso ao que indicava a corrida no app e que estava acompanhado no veículo. Um dos carros dos colegas chegou a cortar sua frente, em uma tentativa de que veículo parasse. Os criminosos entenderam que estavam sendo seguidos:

— Colocaram a arma na minha cabeça a me disseram que se eu parasse, iam me matar. Aí cortei para o outro lado. Primeiro pensei na minha vida, depois resolveria o resto. Como eu tenho problema no coração, tive um ataque de pânico dirigindo. Eles diziam: acelera, esquece que o carro tem freios.

Segundo o motorista, o veículo chegou a passar a 160 quilômetros por hora em frente a um posto da BM. Durante quase todo percurso, a partir do anúncio dos assalto, colegas de aplicativo passaram a seguir o veículo.

— Assim que eu avisei da corrida, o pessoal que estava nas redondezas, começou a se aproximar de mim. Quando anunciaram o assalto e pediram para voltar a Águas Claras, o colega mais próximo já estava a 200 metros. Assim que eu cruzei por ele, começou a perseguição. Chegou a ter de 10 a 20 veículos atrás do meu. Em situação de risco, param de trabalhar e dão apoio. Não é apenas um grupo, é uma família. Estou vivo por causa deles. Motorista de app tem de ter a quem chamar quando for necessário. Eles foram fundamentais — afirma o jovem.

Um quilômetro antes do pedágio de Viamão na RS-040, um colega do grupo de apoio, passou pelo veículo e conseguiu fechar todas vagas do pedágio. Ao se darem conta que não teriam como avançar do posto de cobrança, os criminosos pediram para o motorista retornar e entrar em uma estrada de chão batido à direita.

— Manobrei o carro a 120km/h, como se fosse voltar para a área urbana de Viamão e na primeira estrada mandaram entrar. Aí eles pularam com o carro andando, a cerca de 80km/h, e entraram para o meio do mato. Quando eles saíram, parei o carro, pulei para fora e desmaiei.  

A viatura da Brigada Militar chegou em seguida e encontrou o jovem desacordado ao lado do veículo. Foi socorrido e levado até o Hospital de Viamão. Quando despertou, era 1h30min de sábado (19). Os criminosos fugiram com R$ 300 que havia ganhado na sexta-feira de trabalho. O jovem não se feriu.

Para a delegada Marina Dillenburg, a dupla pretendia fazer entrega de droga utilizando o carro por aplicativo. A policial não revelou detalhes investigação, mas afirmou que sua equipe tem uma linha de trabalho e está atrás dos suspeitos:

— Queriam que a vítima fizesse frete de droga, isso tem sido bem comum, inclusive, sempre tememos que situações como essas possam se desenrolar em latrocínio (roubo com morte) pois muitos atuam sob efeito de drogas.

Procura por emprego

Apesar o susto, o motorista voltou a trabalhar na última terça-feira (22), tem evitado os horários noturnos mas admite que está traumatizado:

— O pavor é muito grande. Não dá para botar a cara onde a gente não conhece. Na terça, peguei dois passageiros homens, não senti confiança, desliguei o carro e sai caminhando. Depois voltei, para explicar o que aconteceu. Eram pai e filho. Vi a mesma situação acontecer de novo. Minha reação ainda é de estado de choque. Até normalizar, vou trabalhar só durante o dia para enxergar o local onde o passageiro está.

Morador da Região Metropolitana, afirma que deixará de ser motorista assim que encontrar emprego com carteira assinada:

— Nesse momento da crise, este é um trabalho que resolve. Mas a minha procura de emprego está bem grande. Quero qualquer coisa que me tire da noite. 


MAIS SOBRE

Últimas Notícias