Polícia



Reviravolta

PM réu por matar sobrinho e forjar suicídio vai responder também por estupro em Porto Alegre

Justiça entendeu que há indícios suficientes de que ele violentou sexualmente o garoto, apesar da ausência de perícias

01/09/2020 - 09h02min


Vitor Rosa
Vitor Rosa
Enviar E-mail
Vitor Rosa / Agencia RBS
A mãe do menino, Cátia, passou três anos insistindo com autoridades sobre estranheza da morte até que caso teve reviravolta

A morte do menino Andrei Ronaldo Goulart Gonçalves, 12 anos, em 2016, teve nova decisão que muda os rumos do processo sobre o caso. Inicialmente tratado como suicídio, o caso sofreu reviravolta no início de 2020, quando um oficial da reserva da Brigada Militar, tio do garoto, passou a responder pelo homicídio doloso com acusação de ter forjado a cena do crime. Agora, a Justiça também tornou o homem réu pela denúncia de estupro do menino.

A nova decisão contra o tio, Jeverson Olmiro Lopes Goulart, 54, que responde em liberdade, é da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. Por três votos a zero, os desembargadores entenderam que havia indícios suficientes de autoria e prova para que ele responda pelo crime de estupro.

A relatora do caso, desembargadora Rosaura Marques Borba, declarou em seu voto que "em crimes sexuais, geralmente praticados às ocultas e sem presença de testemunhas, não se descarta eventual ameaça à vítima para que esta silencie". Além disso, pontuou que o estupro seria a motivação para o homicídio de Andrei.

Sobre a falta de perícia que comprovasse a violência sexual, a magistrada disse que isso "não impede a persecução penal, dada a possibilidade da ocorrência de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o qual, por vezes, não deixa vestígio". A desembargadora finalizou dizendo que a avaliação das provas deve ser feita durante o andamento do processo e que "esta decisão de maneira alguma implica no julgamento antecipado da causa".

Com o recurso reconhecido, a denúncia do Ministério Público (MP) foi aceita assim como apontou a promotora Lúcia Helena Callegari. Em primeiro grau, a juíza Lourdes Helena Pacheco havia concordado com a hipótese de assassinato, mas não do estupro.

Mãe de Andrei e responsável pela peregrinação de três anos em delegacias, gabinetes e promotoria que levou à reviravolta do caso, a auxiliar de enfermagem Cátia Rosimary Lopes Goulart, 49 anos, diz ter um mistura de sentimentos com o novo andamento do processo e a denúncia contra o próprio irmão.

 —  É um conforto por não estar mais sozinha nesta luta, por ter mais pessoas acreditando comigo, mas também uma tristeza e angústia por imaginar tudo que meu filho passou e teve que lutar nas últimas horas de vida  —  lamentou.

O advogado Marcos Vinicius Barrios, assistente de acusação, afirmou que o reconhecimento do recurso pela Justiça "dá guarida para o que já é de conhecimento de todos e presente nas provas:  que o homicídio foi cometido para ocultar o estupro".

A insistência da mãe

Reprodução / Arquivo Pessoal
Cátia e seu filho, Andrei, em Porto Alegre

GaúchaZH contou, em março de 2020, a luta da mãe em busca de resposta para um caso que, até então, era tratado como suicídio e que teve a investigação assim encerrada pela Polícia Civil. A reportagem havia recebido a mãe ainda em abril de 2019 e, desde então, acompanhou o desdobramento do fato na Justiça.

Foi Cátia quem localizou uma testemunha considerada peça-chave no processo. Uma pessoa próxima a Jeverson depôs contando que foi estuprada por ele quando tinha 12 anos – a mesma idade que Andrei tinha quando foi encontrado morto. Em depoimento, o homem notou semelhanças entre o que ocorreu com ele e a morte de Andrei.

A mãe também avisou a promotoria de um comportamento estranho do tenente. Ele quis ficar com as cuecas do menino, alegando que os dois tinham tamanhos semelhantes. O fato – que inicialmente passou despercebido – futuramente acendeu alerta para a família sobre eventual abuso sexual.


O crime, segundo o MP

Conforme a denúncia, na noite de 29 de novembro de 2016, Andrei ficou sozinho em casa com o tio, quando a mãe e a irmã saíram para uma festa de aniversário. O tenente, que tem casa no Rio de Janeiro, estava morando provisoriamente no apartamento com a família e dividindo quarto com Andrei. Já na reserva da BM, havia assumido cargo em comissão no Ministério Público do Rio Grande do Sul três semanas antes.

Reprodução / Divulgação
Tenente é réu por homicídio doloso e estupro

Por volta das 23h20min, Cátia retornou para a moradia e conversou com Andrei e com o tenente. Ela declarou que seu filho já parecia estar "estranho e acuado, sem fazer as brincadeiras costumeiras". Jeverson teria dito que estava com muito sono.

Por volta das 2h, o tenente acordou Cátia no quarto ao lado, dizendo que uma tragédia havia acontecido. A mãe foi até o cômodo e encontrou seu filho morto com as duas mãos segurando a arma do tio pelo cano.

Cátia ponderava circunstâncias que achava estranhas da cena do crime e no comportamento do irmão, e queria que as autoridades as levassem em consideração. Para ela e para o advogado Marcos Vinicius Barrios — que hoje é assistente de acusação —, as perícias não condiziam com suicídio, apesar de esse ter sido o entendimento da polícia.

Um laudo produzido pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) reforçou a indignação da família. No documento consta que as mãos do menino não tinham níveis compatíveis de pólvora para quem havia disparado. Outro ponto controverso era o de que a arma não apresentava nenhuma impressão digital — nem de Andrei nem do seu tio, que a manusearia diariamente no trabalho.

Outro laudo chamou atenção da promotora Lúcia Helena Callegari, que tornou-se responsável pelo caso desde o dia em que substituía um colega. Era o que apontava a direção do tiro. Para ela, o tiro foi disparado na nuca do menino. Procurado por GaúchaZH, o perito criminal Anderson Morales defendeu, no entanto, que o tiro foi na testa.

Além de todos os fatos citados pela família, ainda na cena do crime, Jeverson se colocou à disposição para realizar o exame para verificar resíduos de pólvora. Em depoimento, disse que foi ao banheiro e lavou as mãos.


Celular do menino teve arquivos apagados

O IGP também descobriu que 14 arquivos foram apagados do celular de Andrei alguns dias após a sua morte. Eram 11 em formato de áudio, dois em formato de texto e uma imagem. O próprio tio declarou, em depoimento, que ficou com o celular para levar ao MP, onde trabalhava. A 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, responsável pela investigação, só teve acesso ao celular em 7 de janeiro de 2017, mais de um mês após o garoto ter sido encontrado morto.

Cátia recordou que, após a morte, o tio informou ter encontrado pesquisas sobre suicídio no celular do menino, o que não se confirmou nas análises do IGP.

Após analisar todos os fatos e indícios, a promotora, ainda em março, declarou a GaúchaZH: 

— O Andrei não se suicidou. Isso era uma questão de fundamental importância para a mãe. Estou convencida disso.

Contraponto

O advogado Edson Perlin, que defende Jeverson Olmiro Lopes Goulart, afirmou que não vai se manifestar neste momento porque não foi oficialmente intimado. Também manifestou que entende que o processo deveria estar em segredo de Justiça "por questões de ordem e de Direito, e pelas circunstâncias e peculiaridades". 


MAIS SOBRE

Últimas Notícias