Polícia



Palmeira das Missões

Três anos após desaparecimento de contadora no noroeste do RS, saiba como está o caso

Dois réus, entre eles o marido de Sandra Mara Lovis Trentin, seguem presos, mas ainda sem decisão se haverá julgamento

18/02/2021 - 07h00min

Atualizada em: 18/02/2021 - 07h00min


Leticia Mendes
Arquivo Pessoal / Reprodução
Sandra morava em Boa Vista das Missões com o marido e as filhas, quando desapareceu

Quando Sandra Mara Lovis Trentin, então com 48 anos, saiu em sua caminhonete de Boa Vista das Missões, na Região Noroeste, para ir até a cidade vizinha Palmeira das Missões resolver questões do escritório de contabilidade, prometeu regressar em breve. Mas nunca mais voltou. Desde a manhã de 30 de janeiro de 2018, incertezas e reviravoltas marcaram a vida da família. 

A confirmação do assassinato se deu quase um ano após o desaparecimento, com os restos mortais encontrados em cova rasa a cerca de 40 quilômetros de onde ela sumiu. Três anos depois, dois réus estão presos, entre eles o ex-vereador marido da vítima, mas ainda não há definição se eles devem ou não ir a julgamento pelo crime.  

No último dia 30 de janeiro, familiares e amigos se reuniram para rezar um terço no cemitério de Boa Vista das Missões. No dia seguinte, uma missa foi realizada na igreja da cidade. Num município de pouco mais de 2 mil habitantes, o desaparecimento de Sandra e o desfecho do caso mexeu com a comunidade.  

— Não tem como esquecer, nem nós e nem a comunidade local. Sempre que estou por ali, as pessoas querem saber do processo. A repercussão ainda é grande. A mãe era uma pessoa muito querida por todos — descreve o filho mais velho de Sandra, Rômulo Trentin, 29 anos. 

Além do primogênito, fruto de um primeiro relacionamento, a contadora deixou três filhas, atualmente com 19, 14 e oito anos, que teve com Paulo Ivan Baptista Landfeldt, 50 anos, com quem era casada quando desapareceu. Vereador em Boa Vista das Missões na época, o marido acabou preso antes mesmo do corpo da esposa ser encontrado. Foi detido após a prisão de um jovem de 22 anos, em Lages, Santa Catarina. Ismael Bonetto confessou à polícia ter matado a contadora a mando do político. Disse ter sido pago para interceptar a vítima e executá-la. Landfeldt sempre negou ter sido o mandante do crime.  

Com a prisão do pai e o sumiço da mãe, as três filhas do casal acabaram indo morar com os avós maternos em Cruz Alta. Em 2019, após a perda do avô, mudaram-se com a avó para Vila Trentin, comunidade que leva o nome da família no interior de Jaboticaba e fica próxima de Boa Vista das Missões. Ali, onde a mãe delas cresceu, as meninas vivem atualmente.  

Agora, o desfecho do caso é realmente saber tudo o que aconteceu. Se vamos descobrir isso, não sabemos. Esperamos que justiça seja feita, claro. Que seja o mais justo possível. Mas a nossa perda, já estamos sofrendo

RÔMULO TRENTIN

Filho da contadora

— Mudou a vida da nossa família de cabeça para baixo. Quase todo dia tenho algum tipo de lembrança da minha mãe e meu avô. Sentimos a perda dele, também muito influenciada por tudo que aconteceu com a mãe. Optamos pelas minhas irmãs ficarem ali na localidade porque tem muitos familiares que acolheram elas, que estão presentes para ajudar. Estamos buscando forças para seguir — descreve Rômulo.  

Apesar de dois réus responderem pelo crime, a família ainda vive a angústia de não saber com clareza o que aconteceu após o sumiço de Sandra. Inicialmente, Bonetto confessou ter assassinado a contadora com um tiro no peito, a mando do marido dela, e enterrado o corpo em Vicente Dutra (a 65 quilômetros de Boa Vista das Missões). Uma semana depois, ele voltou atrás e disse que havia mentido. Em entrevista a GZH, em janeiro de 2019, o preso negou o assassinato e alegou que só quis se aproveitar da situação, ao saber do desaparecimento, tentando extorquir o político.  

Essa é a versão que a defesa do político sustenta até hoje. Atualmente ex-vereador, Landfeldt alega que foi procurado por Bonetto, que afirmava pertencer a uma facção criminosa e saber sobre o paradeiro de Sandra. Para isso, teria exigido pagamento em dinheiro. O marido chegou a registrar essa suposta extorsão na polícia e, logo depois, o jovem acabou preso. Quando ele apresentou a versão sobre quem seria o mandante, o vereador também teve a prisão preventiva decretada. Até então, o corpo de Sandra não havia sido localizado.  

Reprodução / Reprodução
Câmera registrou trajeto feito a pé por Sandra na manhã de 30 de janeiro para ir buscar carro

O processo começou com os dois réus presos e sem que o cadáver tivesse sido localizado. No entanto, em janeiro de 2019, uma ossada foi encontrada enterrada no limite de Palmeira das Missões com Condor. Na mesma cova, estavam pertences da contadora, como cartões bancários. Com isso, o Ministério Público acabou fazendo um complemento à denúncia, já que inicialmente não havia corpo. Novas perícias também foram inseridas no processo. Uma delas, confirmou que se tratavam dos restos mortais de Sandra. 

A contadora foi sepultada em abril daquele ano no mesmo local que o pai, Agileu Trentin, que antes de falecer havia pedido à família que, caso a filha fosse encontrada sem vida, seu corpo fosse enterrado junto ao dele.  

— Ao menos conseguimos fazer o sepultamento da forma como nosso avô queria. Desde o início, eu sabia que ela não tinha fugido. Essa versão não me convencia. Ela não ficaria longe aquele tempo todo. A localização deu um pouco de tranquilidade para nós. Agora, o desfecho do caso é realmente saber tudo o que aconteceu. Se vamos descobrir isso, não sabemos. Esperamos que justiça seja feita, claro. Que seja o mais justo possível. Mas a nossa perda, já estamos sofrendo — lamenta o filho.  

O caso na Justiça  

Ao todo, nove audiências foram realizadas nos últimos anos para ouvir testemunhas e interrogar os réus. Essa etapa do processo foi encerrada no fim de outubro do ano passado. Depois disso, será aberto prazo para que o Ministério Público e as defesas apresentassem seus argumentos finais, que serão analisados pela Justiça. Antes disso, a Justiça concedeu prazo para que seja atendido um pedido feito pela defesa de Landfeldt sobre uma gravação que não consta no processo. Após a apresentação das alegações finais, caberá ao Judiciário definir se os réus irão ou não a julgamento pelo crime.  

No início deste mês, a juíza Vanessa Silva de Oliveira negou mais um pedido de liberdade da defesa de Landfeldt. Além de alegar participação do réu na morte, os advogados argumentam que a tramitação do processo vem se prolongando. O político está preso de forma preventiva. Ele havia sido preso a primeira vez em fevereiro de 2018, após a confissão de Bonetto. Em junho daquele ano, passou a responder em liberdade. Em maio de 2019, foi preso novamente após pedido do Ministério Público. Permanece detido desde então, embora a defesa continue tentando que ele volte a responder em liberdade.  

Em resposta, a magistrada afirmou que a defesa do réu é responsável por alongar a instrução e que “tal manifestação chega a beirar o absurdo, já que a própria defesa não permite que isso ocorra, atravessando novos pedidos de diligência sempre que a instrução está por se encerrar”. A defesa fez um novo pedido para que uma gravação, que não consta nos autos do processo, seja disponibilizada. Em razão desse pedido, a juíza concedeu na última sexta-feira (12) prazo de cinco dias para que a Polícia Civil de Palmeira das Missões informe a possibilidade de juntar a gravação mencionada. Sobre os argumentos em relação à falta de provas contra o réu, a magistrada afirmou que isso será apreciado na sentença.  

André Ávila / Agencia RBS
Veículo dela foi periciado logo após o sumiço

O sumiço  

Sandra pegou a caminhonete, uma Ranger, que estava na garagem da residência do cunhado, passou no escritório de contabilidade, na mesma rua, e por volta das 7h30min seguiu para Palmeira das Missões. A contadora disse às funcionárias que resolveria questões do escritório. Ela chegou a passar na Junta Comercial, no centro de Palmeira das Missões.  

Depois disso, circulou pelas ruas da área central da cidade e estacionou na Rua Rio Branco, ao lado de um CTG. Dentro do veículo, foram achados dois chips e o cartão de memória do celular, a bolsa dela, um par de sapatilhas, dinheiro e diversos papéis do escritório. A família percebeu o sumiço do celular e da carteira de habilitação. 

Vaivém de versões  

Em 21 de fevereiro, o marido de Sandra procurou a polícia para afirmar que estava sendo extorquido por um rapaz, que afirmava estar com a contadora. Dois dias depois, a prisão e a confissão de Ismael Bonetto, alegando ter cometido o assassinato a mando de Landfeldt, mudaram os rumos da investigação. Uma semana após a prisão, no entanto, em novo depoimento, voltou atrás e disse que mentiu.  

Bonetto alegou que ficou sabendo do desaparecimento por uma vizinha e que decidiu extorquir Landfeldt, mentindo que estava com Sandra. Mas não soube explicar porque disse à polícia que havia matado a mulher. A Polícia Civil entendeu, no entanto, que a primeira versão apresentada pelo jovem preso era a mais próxima do que aconteceu com a contadora e indiciou os dois. O Ministério Público manteve o mesmo entendimento. Os dois foram denunciados, a denúncia foi aceita e eles viraram réus.  

Galileu Guerra / Especial
Paulo Ivan Baptista Landfeldt em entrevista em janeiro de 2019, quando foi encontrada ossada

A acusação  

Segundo a acusação, o crime foi cometido para que o marido pudesse ficar com os bens da família e assumisse outra relação, sem que houvesse separação, já que o casal estaria vivendo um relacionamento conturbado. O primeiro depoimento de Bonetto é uma das principais provas do caso, além, claro, da localização do corpo da vítima. A conversa dele com o delegado local foi gravada em vídeo.  

O jovem chegou a levar os policiais até uma mata em Vicente Dutra, onde dizia ter escondido o corpo, mas nada foi encontrado. O cadáver foi localizado a cerca de 120 quilômetros dali – a acusação acredita que o cadáver possa ter sido transferido de lugar. No mesmo dia em que Bonetto confessou o crime, o marido de Sandra foi preso. Os dois foram denunciados pelo Ministério Público (MP) por homicídio qualificado, por motivo torpe, mediante pagamento de recompensa, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio, além de ocultação de cadáver – Bonetto ainda é réu por extorsão.  

Procurado sobre o caso, o MP encaminhou nota onde afirma que denunciou os dois réus envolvidos, “sendo o marido o mandante e o outro réu o executor”. Ainda conforme a manifestação, o “processo teve seu trâmite inteiramente regular e sem qualquer vício, inclusive com a apresentação de alegações finais pela Promotoria de Justiça”. O MP explicou, no entanto, que logo após esse momento, o corpo da vítima foi encontrado, “motivo pelo qual houve a necessidade de aditamento à denúncia e renovação dos atos processuais instrutórios”, o que levou a um processo mais longo.  

A Promotoria informou também que atualmente aguarda para o oferecimento de novas alegações finais. O MP afirmou ainda que em setembro pediu o encerramento da instrução, com a abertura do prazo para apresentação dessa peça processual, “o que ainda não foi feito exclusivamente por culpa da defesa, a qual não se manifesta acerca de diligências requeridas unicamente por ela, as quais, diga-se, em nada contribuem para o processo, somente tornando-o moroso e protelando futura decisão de pronúncia”.  

Por fim, a Promotoria afirma que “o caso é extremamente complexo, tornando o processo mais longo. A Promotoria de Justiça, por meio do promotor Rodolfo Grezzana, há muito empenha-se no devido trâmite do feito, de forma célere, fins de que o caso, de grande repercussão, não tome mais tempo do que o estritamente necessário, confiando na futura pronúncia e condenação dos réus pelo Tribunal do Júri conforme postulado na denúncia".

 Contrapontos

Os advogados João Batista Pippi Taborda e Breno Francisco Ferigollo, responsáveis pela defesa de Landfeldt ingressaram no início de fevereiro com o pedido de liberdade do cliente, negado mais uma vez pela Justiça. Nele, argumentavam que não há provas de que o réu tenha cometido o crime, e que os requisitos para a prisão preventiva, decretada em maio de 2019, não se sustentam mais.  

A defesa sustenta que o réu apenas foi extorquido por Bonetto, que alegou pertencer a uma facção criminosa e ter informações sobre o paradeiro da contadora. Os advogados afirmam que não foi comprovado até o momento que o casal tinha problemas no relacionamento, que pudessem ser motivação para o assassinato de Sandra.  

— Vou ingressar, ainda nesta semana, com pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Estado, pois não existem motivos para ser mantida a prisão, tornando-se arbitrária, mesmo pelo fato de não ter a juíza analisado os argumentos defensivos, como se pode observar na decisão _ afirma Taborda.  

O advogado também nega que esteja tentando atrasar o processo e afirma que apenas tenta ter conhecimento das provas e que todas as diligências sejam realizadas.  

— Insistimos por conta disso. Queremos ter acesso a tudo, a toda a prova. É isso que a defesa está pleiteando. Então poderemos apresentar as alegações. Senão, a defesa fica prejudicada — alega Taborda.  

GZH também entrou em contato com os advogados Volnete Gilioli e Lucas Estevan Duarte, responsáveis pela defesa de Bonetto. A defesa do réu encaminhou nota onde afirma que assumiu o caso em junho de 2020, e que o réu já havia sido interrogado, mas optou por permanecer em silêncio, por não ter ciência completa dos elementos de prova. Sobre o caso em si, a defesa afirma que irá “se manifestar em momento oportuno para demonstrar a verdade dos fatos”. 

Confira a nota na íntegra: 

“Após assumir a defesa do acusado e ter o primeiro contato com o processo em 08/06/2020, nos deparamos com um cenário de tumulto processual e inúmeras ilegalidades na colheita da prova, sendo que tem sido manejado diversos pedidos de desentranhamentos de documentos, em especial o depoimento do acusado sem a presença de advogado ao tempo do fato, e também outras peças de informações, que não foram colhidos em conformidade com a legislação pertinentes, inclusive mídias citadas para decretação da prisão preventiva e que sequer aportaram aos autos.  

Ainda, ao compulsar os autos, verifica-se que quase ao findar da instrução processual resta ausente várias pericias que deveriam ter sido acostadas aos autos para exercício do contraditório e da ampla defesa. A defesa tem se insurgido contra as possíveis nulidades processuais que são impossíveis de convalidação e que servem de substrato para mantença da prisão cautelar que perdura mais de dois anos.  

Tanto é assim, quando passamos a patrocinar os interesses do acusado Ismael, ele já tinha sido interrogado momento em que deixou de se manifestar em razão de não ter ciência completa dos elementos de prova que constam dos autos. E com relação ao mérito dos fatos, o acusado e a defesa se resguarda no direito de se manifestar em momento oportuno para demonstrar a verdade dos fatos, eis que ainda no aguardo de laudos periciais faltantes.” 


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