Polícia



Investigação concluída 

 Perfil falso e digitais verdadeiras: como a polícia desvendou assalto de entregador de app a casa na zona sul de Porto Alegre

Dois homens foram indiciados pelo roubo no dia 26 de fevereiro em uma casa na Vila Assunção 

20/03/2021 - 07h00min


Leticia Mendes
Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Crime aconteceu em casa na Rua Pareci, na Vila Assunção

Para assaltar uma residência na zona sul de Porto Alegre, um criminoso utilizou uma estratégia inusitada. Usou documentos falsos para realizar cadastro em um aplicativo de entregas e ter acesso à residência. Assim, conseguiu se passar por um morador de Caxias do Sul, na Serra, sem antecedentes policiais, e esconder sua verdadeira identidade. Pelo menos por algum tempo. 

Após o roubo, a Polícia Civil conseguiu chegar ao nome do falsário e de um comparsa. Ambos tiveram impressões digitais descobertas dentro da moradia da família atacada. Com prisão preventiva decretada, estão foragidos – os nomes não foram divulgados pela polícia.  

O caso aconteceu na noite de 26 de fevereiro, uma sexta-feira, após uma família moradora da Rua Pareci, na Vila Assunção, pedir uma entrega de comida pelo UberEats. Quando uma das moradoras saiu para receber o produto, havia dois homens junto ao portão. Um deles estava numa bicicleta motorizada. Logo depois de alcançar o pacote, o entregador e o comparsa anunciaram o assalto. Com os rostos cobertos por máscaras de proteção para a covid-19, os dois fizeram ameaças, dizendo que estavam armados. A vítima foi obrigada a deixar que eles ingressassem na casa.  

Dentro da moradia, os criminosos renderam mais quatro pessoas: outra mulher, uma jovem, um adolescente e um idoso de 84 anos, todos da mesma família. Os bandidos usaram toalhas e pedaços de tecidos para amarrar as vítimas, que foram trancadas em um dos quartos. Durante o assalto, os criminosos chegaram a consumir parte dos alimentos e bebidas que estavam na geladeira. A dupla permaneceu ali por cerca de três horas, até um deles ir embora na bicicleta e o outro ser levado de carro por uma das moradoras até a Vila Cruzeiro, onde desembarcou. Foram roubados da residência uma televisão, três notebooks, um celular, joias e dinheiro. 

Ao deparar com o caso inusitado, no fim de semana a polícia começou a tentar chegar aos nomes dos assaltantes. Havia naquele momento diferentes hipóteses para o crime. Uma delas era de que os bandidos tivessem assaltado um entregador e assumido seu lugar na entrega. Mas não havia notificação de roubo nesse sentido e as vítimas afirmavam que um dos criminosos, ainda que estivesse de máscara, era parecido com a foto do entregador que aparecia no aplicativo.  

Com os dados fornecidos pela empresa sobre o cadastro do entregador, no domingo a polícia teve certeza de que o nome cadastrado na plataforma, de um caxiense sem antecedentes, era falso. A foto do documento no sistema de consultas não coincidia em nada com a imagem do assaltante. O criminoso havia usado a própria foto com o nome de outra pessoa.   

— Passamos a suspeitar que algum falsário tivesse usado o nome de outra pessoa. Ele usou o nome de uma pessoa que também é vítima. Pegou os dados dessa pessoa e encaminhou para o aplicativo para o cadastro. Desde o início, a equipe foi incansável — afirma a delegada Áurea Hoeppel, titular da 6ª Delegacia de Polícia.  

Mas, até então o que a polícia tinha era somente uma fotografia, sem nome. Outro ponto que chamou a atenção da polícia é que os criminosos aparentavam não conhecer a cidade. Um deles pediu que a vítima lhe deixasse na Zona Sul, sendo que era onde estava. O local onde um dos assaltantes pediu para ser deixado, na Rua Dona Otília, na Vila Cruzeiro, também levantou suspeitas. Era próximo a um ponto de tráfico, o que fez a polícia acreditar que os objetos roubados seriam repassados para pagamento de alguma dívida com drogas.  

Com a foto do falso entregador, o local onde um deles havia desembarcado e outras informações que foram sendo colhidas pelos policiais, a investigação — que contou com o apoio também da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM)— conseguiu obter o nome do suspeito de ser o falsário. Um homem de 34 anos, com diversos antecedentes por roubos. A imagem coincidia com a foto cadastrada no aplicativo. O nome do outro chegou dois dias depois. Com 41 anos, também acumulava histórico criminal. Outro fato coincidia com a história: ambos eram naturais de Bento Gonçalves, na Serra, região onde foram registrados todos os demais crimes pelos quais são investigados.  

— Por isso, não conseguiam andar direito dentro da cidade. Os dois respondem a vários inquéritos por roubo — afirma a delegada Áurea.  

A confirmação das suspeitas da polícia se deu com o recebimento dos laudos periciais. Como os assaltantes reviraram a casa inteira, inclusive mexendo em alimentos da geladeira, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) conseguiu localizar impressões digitais em diversos pontos da moradia. Ao analisar essas digitais, conseguiram confirmar a identificação da dupla. Eram os mesmos suspeitos já descobertos pelos policiais. Com essas provas, a polícia obteve as prisões preventivas.  

Buscas  

A partir daí, os investigadores começaram a realizar buscas para tentar localizá-los. Os policiais estiveram na Vila Resvalo e na Vila Cruzeiro, em pontos onde havia informação de que eles tinham passado. Mas até esta sexta-feira (19), nenhum dos dois havia sido localizado.  

— O fato em si foi esclarecido na mesma semana, mas não divulgamos antes em razão dessas tentativas de captura. A perícia também foi fundamental para ratificar uma suspeita que já tínhamos. Fortaleceu a prova  — explica a diretora do DPM, delegada Adriana Regina da Costa.  

O inquérito foi concluído e será remetido ao Judiciário nesta sexta-feira. Os dois suspeitos, que permanecem foragidos, foram indiciados pelo crime de roubo qualificado. Em razão do cadastro falso, um deles ainda responderá por falsidade ideológica e falsificação de documento público.  

— Trabalhamos muito para tentar prendê-los. Com a Lei de Abuso de Autoridade, estamos impedidos de divulgar as imagens, o que dificulta em muito a investigações. Foi um trabalho árduo nessas semanas. A procura por esses indivíduos não parou. Não é pela conclusão do inquérito que encerramos o caso. Eles podem estar em qualquer parte do Estado — diz a delegada Áurea.  

A polícia acredita que o cadastro tenha sido usado somente para cometer esse roubo. Este é o primeiro caso registrado de crime do qual são suspeitos em Porto Alegre. Embora o crime tenha gerado temor entre as pessoas que utilizam aplicativos de entrega, antes ou após esse fato não houve registro de nenhum outro caso semelhante.  

O que diz o UberEats 

A Uber, responsável pelo aplicativo, afirmou por nota que são adotadas medidas de segurança em relação aos entregadores cadastrados, que está constantemente tentando evitar fraudes e que esta pessoa teve a conta desativada logo após a comunicação do fato.  

Confira a nota: 

“A Uber não tolera nenhum comportamento criminoso. A conta do entregador parceiro foi desativada da plataforma assim que a denúncia foi feita e colaboramos com as autoridades durante toda a investigação, nos termos da lei.  

Estamos constantemente implementando novos processos e tecnologias para evitar fraudes e seguimos trabalhando para ficar à frente dos golpes. Temos uma ferramenta que faz a verificação de identidade do entregador parceiro em tempo real. De tempos em tempos, o aplicativo pede, aleatoriamente, para que os entregadores parceiros tirem uma selfie, antes de aceitar uma entrega ou de ficar on-line, para ajudar a garantir que a pessoa que está usando o aplicativo corresponde àquela da conta que temos no cadastro. 

Além disso, todos os entregadores parceiros cadastrados na Uber passam por uma checagem de antecedentes criminais realizada por empresa especializada que, a partir dos documentos fornecidos para cadastramento na plataforma, consulta informações de diversos bancos de dados oficiais e públicos de todo o país em busca de apontamentos de crimes que possam ter sido cometidos. A Uber também realiza rechecagens periódicas dos entregadores parceiros já aprovados pelo menos uma vez a cada 12 meses”. 

Como se proteger  

  1. Fique atento ao perfil que aparece no app de entrega: nome e foto do entregador  
  2. Caso seja chamado pelo interfone, cuidado. Questione para quem é a entrega e de onde ela veio antes de sair para atender 
  3. Evite abrir o portão e ter contato direto com quem está fazendo a entrega. Uma opção é instalar junto ao portão do prédio ou casa um “passador” de encomendas  
  4. Desconfie se houver mais de uma pessoa no momento da entrega. Neste caso, não abra a porta ou portão  
  5. Em condomínios com portaria, opte por receber o produto no acesso do prédio e retirar ali com o porteiro  
  6. Oriente as pessoas da sua família a adotarem as mesmas medidas de segurança

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