Polícia



Em Canguçu

Ginecologista preso no sul do RS se torna réu por crimes sexuais contra 19 mulheres

Cairo Roberto de Ávila Barbosa, 65 anos, responde por violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável

25/06/2021 - 07h00min


Leticia Mendes
Marco Favero / Agencia RBS
Clínica onde Barbosa atendia no centro da cidade

Preso na semana passada, Cairo Roberto de Ávila Barbosa, 65 anos, é réu por crimes sexuais contra mais 15 pacientes — ele já respondia na Justiça por violação sexual mediante fraude de outras quatro vítimas. O médico, que atuava há quatro décadas em Canguçu, no sul do Estado, como ginecologista e obstetra, nega as acusações.  

Os novos delitos chegaram à Justiça após mais mulheres buscarem a Polícia Civil e o Ministério Público (MP) em razão da repercussão do caso. O médico já havia sido denunciado em maio por violação sexual mediante fraude contra quatro pacientes. A acusação afirma que ele fingia realizar um exame nas mulheres com único intuito de cometer abusos.  

— Muitas eram grávidas, mães de primeira viagem, que estavam ali sozinhas, seminuas, vulneráveis, numa sala ginecológica. Com algumas justificativas técnicas falsas, acabava abusando delas. A maioria foi tomada de uma perplexidade, nenhuma delas era médica, ou tinha conhecimento para dizer que isso era tecnicamente errado — afirma a promotora Luana Rocha Ribeiro. 

Na semana passada, o MP encaminhou mais duas denúncias à Justiça. Uma delas com mais oito vítimas de violação sexual mediante fraude. A constatação de que o ginecologista agia reiteradamente levou a acusação a pedir a prisão preventiva dele.  

— A gente identificou uma gravidade muito maior nos fatos. Todo o contexto revelado deu conta do quanto era grande o que vinha acontecendo, há quantos anos, e quantos estragos vinha causando na vida de gerações de mulheres, então pedimos a preventiva — explica a promotora. 

Outro argumento usado para pedir a prisão preventiva do réu foi o de que ele teria procurado uma testemunha para pedir que ela depusesse a favor dele no processo. No entanto, a mulher afirma ter sido vítima do ginecologista, quando adolescente, e acabou levando o caso à polícia. Segundo o MP, o ginecologista teria prometido que a paciente receberia alguma vantagem, caso desse o depoimento.  

A mulher não é uma das vítimas nos processos porque o caso dela está prescrito – por ter supostamente acontecido há mais de 12 anos. Outras pacientes deram depoimento ao longo da investigação, tanto para a polícia quanto ao MP, na mesma situação. Como os crimes já estavam prescritos, acabaram ouvidas como testemunhas.  

— Todas essas mulheres trazem grande sofrimento, vergonha, dúvida, medo. Se sentiam muito sós. Quando viram outras em situações parecidas, tomaram coragem de trazer os relatos dos abusos— diz a promotora.  

Os crimes, segundo os relatos das vítimas, teriam acontecido na clínica particular do ginecologista e no Hospital de Caridade de Canguçu. O médico foi afastado da instituição por decisão judicial ainda em maio e os atendimentos no consultório foram suspensos.  

Uma das primeiras mulheres a buscar a polícia relata ter sido abusada duas vezes em 2017 e diz fazer uso de medicamentos controlados até hoje. Afirma que a prisão do ginecologista traz sensação de alívio, mas espera pelos desdobramentos do caso.  

— Posso andar na rua sem ter que cruzar com ele, como nas vezes em que tive que fingir que nada tinha acontecido. Por um tempo tinha perdido as esperanças e, com isso, fui adoecendo. Quanto à justiça, só vou saber quando ele for julgado. Mas o melhor de tudo é saber que fiz diferença na vida de muitas mulheres. Dei força para muitas denunciarem — afirma.   

Por outro lado, a mulher relata que ainda sofre com os julgamentos de parte da comunidade. Ela acredita que esse é um dos motivos que levou parte das mulheres a levar anos para buscar ajuda.

— Para as mulheres que não sofreram abusos, e que estão desmerecendo as vítimas, só peço respeito e silêncio. Não estou fazendo isso por vingança. Fiz o que deveria ser feito —  diz.

Estupro de vulnerável    

Na sexta-feira (18), nova denúncia foi encaminhada, com sete vítimas. Dessas, em seis casos o entendimento foi pelo mesmo crime, mas uma delas trouxe situação peculiar. Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público entenderam que o médico cometeu estupro de vulnerável.  

— Todo o contexto dessa vítima demonstrou que a vulnerabilidade daquele caso era absoluta. Era uma mulher jovem, numa gestação de 37 semanas e cinco dias, em início de trabalho de parto, que foi procurar o único hospital de Canguçu e foi atendida pelo único médico de plantão. Entendemos que nesse caso havia uma gravidade maior — detalha a promotora.  

A jovem de 21 anos foi uma das ouvidas por GZH em reportagem sobre o caso no início deste mês. Grávida do primeiro filho quando procurou o hospital em junho do ano passado, conta ter sido abusada quando já sentia contrações. Ela só conseguiu contar à família e procurar a polícia após saber que outras mulheres teriam sido vítimas. O médico foi preso um dia antes do caso dela completar um ano.  

– É uma sensação de alivio, de missão concluída, não é assunto fácil de se falar. Agradeço imensamente ao delegado por não ter fechado os olhos. Com certeza será um trauma que vamos ter para o resto da nossa vida. Mas, agora, pelo menos temos a sensação de que não vai fazer com outras. É gratificante ver que a justiça está sendo feita – diz a jovem.  

Segundo o Tribunal de Justiça, as duas novas denúncias foram recebidas e aguardam no momento resposta à acusação. As primeiras audiências de instrução dos casos denunciados em maio devem ocorrer no mês de julho. A defesa do médico ingressou com habeas corpus na 5ª Câmara Criminal. O pedido liminar para que ele fosse solto foi negado, mas o mérito ainda precisa ser julgado.  

Contraponto 

Quando foi ouvido na Polícia Civil em relação aos quatro primeiros casos, o médico negou ter cometido os crimes. Já em relação aos últimos fatos narrados pelas mulheres, preferiu permanecer em silêncio. Ele foi preso na semana passada na Praia do Cassino, em Rio Grande. Procurado por GZH, o advogado Gustavo Goularte afirmou que só pretende se manifestar nos autos do processo.  

Em maio, antes da prisão do médico, o advogado havia encaminhado à imprensa a seguinte nota: 

"As acusações são bem graves. Não existe prova da ocorrência. A defesa que foi apresentada nesta quarta-feira, no processo, já traz em caráter preliminar fortes elementos da inocência do nosso cliente. Os fatos são inexistentes. Uma das exigências do doutor Cairo é que o processo tramite o mais rápido possível para que a verdade se estabeleça." 


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