Polícia



Versão da família

"Meu pai só pedia para parar, para não baterem neles", diz filha de policial aposentado morto em abordagem da BM em Torres

Irmã confirmou que seus irmãos não estiveram na padaria onde tudo teria iniciado

26/08/2021 - 07h00min


Jeniffer Gularte
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Anselmo Cunha / Agencia RBS
Filha da vítima de homicídio preferiu resguardar sua identidade ao contar como foi a situação envolvendo sua família e a Brigada Militar

No começo da madrugada de segunda-feira (23), a única filha mulher do policial rodoviário federal aposentado Fábio Zortea, 59 anos, dormia no apartamento da família, em um prédio da área central de Torres, no Litoral Norte. Por volta da 1h, teve o sono interrompido pela sirene de uma viatura da Brigada Militar e palavras de ordem:

— Mão na cabeça, mão na cabeça — ouviu.

Abriu a janela do quarto e na calçada viu o irmão mais velho, Fábio Augusto Zortea, 37 anos, com a mão na cabeça, junto ao carro do pai, um Gol branco. Ficou nervosa, avisou a mãe que também dormia. Olhou de novo e viu o irmão caçula, Luca Zortea, 33 anos, ser empurrado pelos policiais. Não entendeu o que estava acontecendo.

— Minha mãe começou a gritar lá de cima pedindo para soltarem eles. Já chegaram chutando e abrindo as pernas do meu irmão.

Na manhã desta quarta-feira (25), GZH conversou com a filha do policial aposentado morto na frente de casa durante uma abordagem policial na madrugada da última segunda-feira (23). Pela sua versão, a conduta violenta partiu dos policiais. A mulher deu entrevista sob condição de não revelar sua identidade. Nas imagens da ação, amplamente divulgadas nas redes sociais, ela aparece de pijama claro filmando a abordagem quando um policial manda ela parar de gravar. Conhecido na cidade, Zortea foi morto com tiros no tórax e na cabeça. Fábio está internado, fora de perigo com um projétil alojado na perna.

Segundo ela, Fábio foi o primeiro a ser abordado e Luca foi empurrado contra o vidro da sede do Sine, no térreo do prédio. Uma enfermeira com quem a reportagem conversou afirma que no hospital foi retirado um pedaço de vidro das costas de Luca. Antes de descer para calçada, ao retornar para a janela, viu o pai, Fábio Zortea, tentando desfazer a confusão em meio a gritaria.

— Meu pai falava: Fabinho, calma, não reage. Fabinho, obedece. Meus pais estava gritando para eles não reagirem e para não baterem nos meus irmãos.

No relato da filha, a confusão mudou de nível quando os policiais deram com cassetete nas nádegas de Zortea.

— Meu pai começou a dizer que também era policial. Mas eles não acreditaram. Ele estava tentando amenizar, pacificar, dizia que era da polícia, que não era assim que se abordava. Daí meu irmão mais novo (Luca) vai para cima do policial. Aí começou a briga. Eles ficaram revoltados, começaram a bater no meu pai. Quando começaram a agredi-lo, meu irmão se possuiu. Meu pai só pedia para parar, para não baterem neles.

Ao ver um dos irmãos caído no chão e machucado, tentou ligar para o Samu mas, nervosa, não conseguia lembrar do número. Uma vizinha que estava na janela, a ajudou. Confusa, não sabia o que fazer ou a quem recorrer.

— Eu me tremia toda. Comecei a filmar e me mandaram sair dali e eu não sabia o que fazer, fui para portaria do prédio. Foram muitos tiros. Meu pai levou dois tiros na barriga. E depois do tiro, meu pai pegou o cassetete e foi pra cima de um policial. Meu irmão também estava caído já com um tiro, minha mãe segurando ele. Mesmo assim a polícia batia neles. Minha mãe dizia: "meu marido salvou tantas vidas e vão deixa ele morrendo aqui."

Anselmo Cunha / Agencia RBS
"Meu irmão também estava caído já com um tiro, minha mãe segurando ele. Mesmo assim a polícia batia neles", denuncia.

A filha de Zortea afirma que quando Fábio, o filho, foi baleado nas pernas o outro irmão deu um soco em um dos policiais. O óculos do PM quebrou e seu rosto começou a sangrar.

— Aí eles (os policiais) ficaram com mais raiva ainda.

Luca, que foi preso naquela madruga e solto na terça-feira, para ir ao velório do pai, contou para a irmã que antes da abordagem eles estavam podando galhos da árvore próximo dali. Zortea tinha como hábito plantar árvores em Torres.

Na noite daquele domingo, a irmã, que trabalha como dentista, havia feito uma restauração nos dentes do irmão mais velho, Fábio, no seu consultório em Torres. Concluiu o atendimento 23h, foi para casa e o irmão ficou no térreo deste prédio. Disse a ela que iria tomar uma cerveja. Mais tarde, Fábio chamou Luca para sair.

— Fabinho tomou a cervejinha dele, subiu, chamou o Luca e eles saíram. Estavam arrancando os galhos das árvores que meu pai planta. Todo mundo sabe que meu pai planta árvores em Torres. Acho que a polícia passou, viu que eles entraram no Gol branco, mandaram eles parar. Por coincidência, a polícia já estava atrás desse mesmo carro.

Anselmo Cunha / Agencia RBS
"Meu pai todo tempo tentou conversar com os PMs mas eles estavam agressivos", detalha a filha

Seguidos pela BM, os irmãos só pararam o carro em frente ao prédio da família, quando foram abordados e começou a confusão. A BM já estava procurando um Gol branco após ser avisada, por uma padaria 24h, que um trio havia passado pelo estabelecimento com comportamento alterado - um deles entrou no local sem máscara -, comprado fardo de cerveja e saído com o veículo em alta velocidade.

— Meus irmãos estavam vendo que era um abuso de autoridade e não iam ficar quietos. O Fábio estudou Direito, sabe como deve ser uma abordagem. Os policiais estavam com ódio. Falando com eles como se fossem dois bandidos. Meu pai todo tempo tentou conversar com os PMs mas eles estavam agressivos. Não teve diálogo.


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