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Barbarismo

"Uma menina alegre e festeira", descrevem conhecidos da garota caingangue morta na maior reserva indígena do RS

Polícia Civil já tem suspeitos do assassinato de Daiane Griá Sales, 14 anos, ocorrido em Redentora

10/08/2021 - 10h11min


Humberto Trezzi
Humberto Trezzi
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Polícia Civil / Polícia Civil/Divulgação
Daiane, 14 anos, foi encontrada com a parte inferior do corpo dilacerada

Daiane Griá Sales, 14 anos, rimava com festas. Chegava a migrar de uma reunião dançante para outra, nos fins de semana, descrevem alguns caingangues que conheciam ela da Reserva Indígena da Guarita, a maior do Rio Grande do Sul. A garota foi encontrada morta na última quarta-feira (4), numa mata do município de Redentora (noroeste do Estado, próximo à Argentina). A poucos metros dos limites da terra dos índios.

Na Guarita vivem mais de 8 mil índios, quase todos caingangues, embora ali também exista uma aldeia guarani. São 19 comunidades. Daiane estava desaparecida desde a tarde de 31 de julho, após participar de uma festa. Sumiu num lugar e seu corpo foi encontrado a seis quilômetros de distância, com a parte de baixo dilacerada. A perícia concluiu que são feridas causadas por animais, provavelmente urubus. O cadáver foi abandonado numa picada próxima a uma estrada de chão que corta a reserva.

Não se sabe a causa da morte da garota, mas no pescoço dela existiam marcas compatíveis com estrangulamento. O desfecho do desaparecimento chocou a comunidade, sobretudo porque se trata de uma adolescente, de corpo diminuto, quase uma criança.

Daiane saiu de casa no sábado, por volta das 16 horas, para encontrar amigos em uma reunião dançante na Vila São João. A música vinha de carros estacionados ao ar livre, como mostram vídeos obtidos pela Polícia Civil. Depois dessa festa ela não retornou para casa. Testemunhas ouvidas pelos policiais descrevem a jovem como “alegre e festeira”.

O corpo foi encontrado no sítio Ferraz, a cerca de 100 metros da área indígena. Não foi possível determinar se houve abuso sexual, embora uma peça íntima estivesse próxima ao cadáver. O capim no local estava bastante amassado, o que pode indicar que ela foi obrigada deitar. Havia também marcas de rodas de carro.

Uma das primeiras a acionar os policiais foi Marinês, esposa do cacique caingangue da Guarita, Carlinhos Alfaiate. Ela foi chamada para reconhecer o corpo de Daiane.

- Chegamos com a Polícia Indígena. Deu para ver que o corpo foi arrastado e comido por bichos. Tava judiada. No lugar tinha um batom, um moletom branco, uma jaqueta, um absorvente, um anel e uma soga (corda). Tinha também tocos de cigarro espalhados – descreveu Marinês.

Alfaiate diz que ouviu de policiais que tudo indica que Daiane foi abusada sexualmente e seriam até três os agressores. Caçula da família, a garota tem mais cinco irmãos – três homens e duas mulheres. Conforme o cacique, são agricultores muito pobres, sequer telefone os pais tinham.

O cacique ressalta que a garota era evangélica, “daquelas de frequentar culto toda hora”, mas que há algumas semanas tinha se afastado dos templos e voltado às danças.

- Ela ia de som em som, com amigas. Conhecia muitos rapazes também. Até por isso a família não estranhou e demorou a comunicar o desaparecimento.

Alfaiate ressalta que dentro da reserva há horário para que terminem as festas. Daiane teria saído da área indígena justamente porque o “som” que foi buscar não tinha horário para acabar. O cacique afirma que essas festas são ecléticas, “há de tudo um pouco, índios, frequentadores de outras etnias, pessoas ordeiras e outras, nem tanto”. 

O chefe indígena afirma que em algumas dessas festas rolam muita bebedeira e drogas. São os frequentadores de conduta duvidosa que despertam suspeitas nos policiais encarregados do caso. Já existem alguns nomes circulando e foram chamados para depor. O cacique acredita que possa haver envolvimento de indígenas, porque o carro usado para levar o corpo teria atravessado grande parte da reserva.

- É alguém que conhece a reserva. Se foi dos nossos, vai pagar caro. Não podemos usar a Polícia Indígena para casos graves, mas vamos ajudar a descobrir – promete Carlinhos Alfaiate.

O delegado responsável pelo caso, Vilmar Alaídes Schaefer, está convencido de que ocorreu um homicídio e se concentra em ouvir as pessoas que viram a jovem em suas últimas horas de vida. Ele não vê  indícios de que o crime tenha sido cometido contra Daiane pelo fato de ela ser caingangue, mas talvez por ser mulher. Um feminicídio, portanto.

A morte de Daiane provocou repúdio e pedido de providências por parte de entidades defensoras dos caingangues, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).


 


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