Polícia



Litoral Norte

VÍDEO: imagens mostram ação da BM que levou à morte de ex-policial em Torres

Segundo a Brigada Militar, os dois agentes envolvidos no caso foram afastados

24/08/2021 - 10h58min

Atualizada em: 24/08/2021 - 11h04min


Rossana Ruschel
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Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o momento em que policiais militares entram em luta corporal com três homens da mesma família em Torres, no Litoral Norte, na madrugada desta segunda-feira (23). O policial aposentado da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Fábio Zortea morreu após ser atingido por um disparo de arma de fogo. Um dos filhos também foi baleado e está internado em estado grave no hospital. Os dois policiais envolvidos foram afastados.

As imagens mostram, inicialmente, um policial militar imobilizando um homem, que, segundo a investigação, seria Fábio Augusto, filho de Zortea que está hospitalizado. Um vigia e o segundo PM chegam e o agridem com um objeto não identificado e um cacetete. É possível ouvir frases como "solta ele", "não faz isso", "tu vai matar ele" e "eu sou polícia também". Parte do grupo se afasta. Um PM imobiliza e desfere socos no homem, que tenta se levantar. Neste momento, uma mulher também aparece no vídeo — segundo o o delegado Adriano Koehler Pinto, ela seria a esposa da vítima. Ela pede que as agressões parem.

Em um segundo vídeo, é possível ouvir barulhos semelhantes a disparos de arma de fogo. Um dos homens é atingido e cai no chão. Em seguida, é possível ver outro homem ser baleado, que, segundo o delegado, seria o ex-policial. Ele parte para cima dos PMs e logo depois também cai no chão. Um PM continua a agredir um deles, já caído. O outro filho de Zortea, Luca, também é agredido. Neste momento, uma viatura da Brigada Militar chega ao local com outros agentes.

O delegado, que estava de plantão no município na última noite, confirmou a GZH que as imagens são, de fato, da ocorrência envolvendo o ex-policial. Ele afirmou que as imagens foram remetidas à Justiça para auxiliar na investigação.

O que dizem especialistas

Conforme José Carlos Moreira da Silva Filho, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS, as imagens mostram que os policiais agiram com "força desproporcional". 

— O vídeo revela uma falta de preparo por parte de agentes de segurança pública, que deveriam, como ninguém saber controlar a violência e dosar a força empregada, afinal são profissionais. Acredito que diante das cenas mostradas no vídeo, temos de utilizar a palavra certa: não se trata de apurar "excessos" dos policiais e sim de apurar "crime" dos policiais, homicídio — afirma.

Na opinião do coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, os policiais "pareciam descoordenados durante a ação, aparentemente com treinamento precário e erros de abordagem". Ele acredita que o caso requer uma investigação cuidadosa, e que, em alguns momentos, pode ter havido excesso no uso de bordoadas com cassetetes. A reação do PM que atirou contra o policial aposentado, no entanto, pode se encaixar em legítima defesa na visão de Silva.

— O policial pode atirar contra alguém que venha a atacá-lo com um bastão, não precisa ser uma arma de fogo. Ele deu um tiro só, usou uma medida forte, mas não houve excesso — afirma.

Para Marcos Rolim, doutor em Sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UniRitter, a situação deve ser objeto de investigação "porque há uma controvérsia a ser esclarecida". Segundo ele, é possível afirmar que a gravação que tem circulado nas redes sociais "não evidencia a necessidade dos disparos efetuados".

— Pelo contrário, as cenas sugerem que a situação de violência foi escalada com a intervenção dos policiais, quando poderia ter sido contornada sem o recuso extremo dos disparos. Além disso, as pessoas baleadas não foram imediatamente socorridas pelos PMs, o que era sua obrigação. Há, ainda, as agressões praticadas pelos PMs contra uma pessoa no chão, baleada, e sobre outra após imobilização, o que caracteriza abuso, para dizer o mínimo — afirma Rolim.

Entenda o caso

De acordo com a BM, a corporação recebeu ligações, na noite de domingo (22), de pessoas que reclamavam de perturbação da ordem pública perto de uma padaria, situada na região central do município. Fábio e Luca, filhos de Zortea, estariam supostamente causando confusão num estabelecimento e na rua. Uma guarnição, com dois policiais militares, foi enviada ao local.

A versão da BM narra que os dois suspeitos teriam supostamente se negado a cumprir a ordem de parada e revista, passando a agredir um dos policias. Os irmãos também teriam imobilizado e tentado tirar a arma de um dos PMs.

No entanto, conforme o advogado que atende a família, Ivan Brocca, a BM agiu de forma "truculenta" e com "total despreparo". Segundo ele, os dois irmãos estiveram na padaria, onde compraram cervejas. Na volta, pararam para recolher galhos secos de uma árvore que era adotada por um deles. Depois, ao chegarem em frente ao prédio onde moram, foram abordados pela BM. Ao ouvir a briga, o policial aposentado deixou o apartamento e foi até a rua, onde acabou baleado.

O advogado da família afirma que pediu a soltura dos irmãos e a prisão dos policiais militares e do vigia envolvidos no caso. Segundo Brocca, a versão da BM inverte os fatos:

— A equipe da Brigada chega batendo nos irmãos, foram os policiais que atiraram. E agora tentam inverter, afirmando que a família tentou matar os policiais. As imagens que temos falam por si. Zortea teve o instinto de defender os filhos e acabou sendo morto. Ainda que mudássemos o cenário, se tivesse ali pessoas praticando vandalismo, não justificaria o final dessa história. A polícia agiu de forma totalmente desproporcional, e agora alega que sofreu tentativa de homicídio.

Além do agente aposentado, um dos filhos, Fábio Augusto, também foi atingido por um disparo de arma de fogo. Ambos foram encaminhados ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres. Durante a madrugada, Zortea acabou morrendo.

Fábio Augusto segue no hospital, em estado grave, segundo a defesa. Luca foi preso em flagrante e foi interrogado pela Polícia Civil nesta segunda, reafirmando as alegações feitas por seu advogado. 

Nesta tarde também foram ouvidos dois policiais que aparecem nas filmagens.  Eles foram afastados de suas atividades e "serão atendidos pelo serviço psicossocial prestado pelo Comando Regional, em Osório". O afastamento é padrão, segundo a corporação, e ocorre para que a atuação dos brigadianos seja apurada. 

 Conforme o delegado Adriano Koehler, a investigação busca imagens de câmeras de segurança de estabelecimentos da região para ver as cenas por outros ângulos.

— Temos que aguardar também a necropsia da vítima fatal, para saber exatamente onde ela foi baleada e quantos tiros foram disparados— diz Koehler.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil se manifestou sobre o fato que chamou de "lamentável e preocupante",  afirmando que "acompanhará o desdobramento do caso com a devida atenção".

Confira a íntegra da nota da OAB

"A OAB/RS vem a público se manifestar sobre o lamentável e preocupante fato ocorrido na madrugada desta segunda-feira (23/08), no município de Torres, no Litoral Norte, envolvendo integrantes da Brigada Militar, um integrante aposentado da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e seus filhos.

A OAB/RS acompanhará o desdobramento do caso com a devida atenção. Reiteramos a importância da apuração dos fatos com a maior celeridade possível.

A cidadania não pode mais conviver com casos de violência e abusos. Que a investigação policial aconteça na seara militar e na seara judicial e possa elucidar o trágico episódio na cidade de Torres.

A OAB/RS oficiou ao Secretário de Segurança Pública e Vice-Governador, Ranolfo Vieira Júnior, bem como ao Comandante-Geral da Brigada Militar, Vanius Cesar Santarosa, e ao Corregedor-Geral da Brigada Militar, Tenente-Coronel Robinson Vargas de Henrique, solicitando uma apuração célere, bem como requereu acesso e acompanhamento por parte da OAB/RS às investigações.

A OAB/RS seguirá acompanhando o caso até seu devido e completo esclarecimento."

*Colaborou Eduardo Matos


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