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Alvorada

"Dói muito passar ali. A vida deles seguiu e a minha parou", diz viúva de vendedor morto após agressão em açougue

Com sucesso da venda de salgados, Rubia Masuhin conta que ela e o marido sonhavam em abrir uma padaria

14/10/2021 - 07h00min

Atualizada em: 14/10/2021 - 08h49min


Jeniffer Gularte
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Félix Zucco / Agencia RBS

 Desde a morte do marido, Rubia Masuhin, 35 anos, não consegue permanecer na cozinha de casa, cômodo que até perder o companheiro era também local deles de trabalho no bairro Bela Vista, em Alvorada. Em frente ao fogão, ela passava a maior parte do tempo com Wagner de Oliveira Lovato, 40 anos, que, além de vender, havia começado a aprender a preparar salgados. Já sabia fazer pão, guisado e enroladinho de salsicha. Estava sonhando alto com o futuro da família que começava a ver luz no fim do túnel após enfrentar dificuldades financeiras causadas pelo fechamento da agropecuária, que faliu durante a pandemia.

— Ele só não dava certo com bolo de batata porque a mão dele era muito quente. Estávamos muito envolvidos, muito juntos, cheios de metas. Ele ficava mais em casa do que do que na rua — recorda a esposa.

Depois de 24 anos convivendo com Wagner, Rubia ainda não consegue olhar para frente e enxergar um futuro sem o marido. Ele morreu um dia depois de ser agredido em frente ao Shopping das Carnes, em Alvorada, em 2 de outubro. Era começo da noite de sábado, Wagner havia vendido todos os salgados do dia e entrou no açougue. Depois de um desentendimento, foi agredido por dois homens. Um deles, gerente da casa de carnes, Luciano Monteiro, que estava de folga, e o outro, amigo dele, Luciano Ribeiro. Levou um soco e, no segundo, se desequilibrou, caiu de costas e bateu a cabeça na calçada. Quando já estava no chão, levou mais um pisão. Monteiro e Ribeiro estão presos desde a noite do crime e são investigados por homicídio. A Polícia Civil obteve na Justiça a prorrogação do prazo por mais 10 dias para conclusão do inquérito.

Wagner foi morto quando finalmente havia recuperado a autoestima e estava animado com a venda de salgados. Depois de ver sua agropecuária falir durante a pandemia, trabalhou de taxista e motorista de aplicativo. Com rendimento insuficiente para o sustento da família, apostou num talento de Rubia — cozinhar — aliado a uma habilidade dele: comunicação e bom humor. Ela preparava os salgados e ele saia para vender no começo da manhã, voltava ao meio dia, repunha os produtos e no final da tarde retornava à Avenida Presidente Getúlio Vargas. Só voltava para casa com a sacola térmica vazia.

Wagner circulava na mesma região onde teve a agropecuária no passado e era conhecido de comerciantes e taxistas. Acanhado no começo, abordava os clientes de cabeça baixa e com vergonha. Com o sucesso dos salgados, foi ganhando confiança. Em quatro meses, as vendas já sustentavam a família e despertaram, mais uma vez, o desejo dele de voltar a empreender. Tinha planos de abrir uma padaria.

— No começo ele se sentia diminuído, por já ter tido a agropecuária. Agora, ele fazia com gosto. Já fazia muitos planos, estávamos cheios de sonhos, só não estava vendendo em mais lugares porque não dávamos conta de produzir mais — afirma a esposa.

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Wagner de Oliveira Lovato foi morto aos 40 anos

O sonho da padaria acabou interrompido com a morte de Wagner, assim como a amizade que começou quando o casal ainda era criança. Eram amigos da escola em Alvorada desde que ela tinha 11 anos. Aos 13, Rubia engravidou. Ainda adolescentes, foram morar juntos nos fundos da casa dos pais dela. Nunca trocaram de endereço. Há quatro anos, planejaram o segundo filho e durante a pandemia, o caçula, de dois meses, veio de surpresa.

— Ele brincava comigo e dizia que havia me criado por muito mais tempo que a minha mãe. Passei a maior parte da minha vida do lado dele. Não havia dificuldade para viver com ele. Sequer levantava a voz — conta Rubia.

A vontade de Lovato de empreender também estava ligada ao desejo de permanecer mais perto da família. Por 14 anos, trabalhou na indústria até abrir o próprio negócio, ligado a uma paixão pessoal. Em casa, tinha passarinho, tartaruga, peixe, cachorro e gato. Não criava galinha e coelho porque a esposa não deixava.

— A gente acha que o passar do tempo pode melhorar, mas não está melhorando. Está passando e está piorando. Está caindo a ficha aos poucos. Ele realmente não vai voltar. Será que em algum momento vai ficar suportável? Porque agora está insuportável — questiona a viúva.

Passei a maior parte da minha vida do lado dele. Não havia dificuldade para viver com ele. Sequer levantava a voz.

RUBIA MASUHIN

Esposa de Wagner de Oliveira Lovato

No sábado em que foi agredido, havia vendido rápido os salgados. A esposa acredita que Wagner entrou no açougue para verificar o preço da carne. Era um hábito do casal ir a três mercados próximos — o Shopping das Carnes não estava entre eles — atrás dos melhores preço para a compra dos ingredientes e os alimentos para consumo da família:

— Não interessava se tinha que caminhar e fazer força. Ele ia atrás das ofertas. Faz diferença. R$ 0,30 na farinha ou R$ 0,50 na carne. Se falou do preço, não foi por mal. Queria mais barato, precisava do mais barato. Todo mundo que vende algo busca bom preço para conseguir ter lucro maior.  

Era começo da noite, e Rubia estava em casa com os dois filhos pequenos quando desconhecidos a chamaram no portão. Avisaram que Wagner havia sido agredido e estava passando mal. Achou que o marido pudesse ter levado um tiro. A esposa chegou à calçada do Shopping das Carnes um pouco antes dele ser socorrido. Viu o marido no chão, machucado e desacordado.

— Era muito muito feio o que vi ali, mas eu tentei ter fé de que ele ia se salvar. Não tem explicação. Todo mundo me fala isso. Ele não era de briga, isso que é nossa revolta maior. Ele não podia imaginar que bateriam nele. Não era o hábito dele ir ali. Não sei porque foi ali. Talvez indagar preço. Ver se estava mais em conta — relata Rúbia.

No último sábado (9), a família e amigos protestaram pedindo Justiça na Avenida Presidente Getúlio Vargas. No açougue, foram colados cartazes e depositadas flores. O estabelecimento reabriu segunda-feira (11):

— Dói muito passar ali. A vida deles seguiu e a minha parou — desabafa a viúva.

Contraponto

O que diz Luciano Monteiro
O advogado Gilson D'Ávila Machado optou por, neste momento, não se manifestar em respeito a dor da família.

O que diz Luciano Ribeiro
O advogado Eduardo Andreis não respondeu a tentativa de contato.

Shopping das Carnes
"Em reconhecimento à dor da família e dos amigos de Wagner de Oliveira Lovato e em respeito à comunidade de Alvorada, o Shopping das Carnes fechou suas portas durante uma semana após essa triste e inaceitável perda. Na última segunda-feira (11/10), voltou a funcionar. A empresa emprega 32 pessoas que dependem da renda gerada pela loja para o sustento de suas famílias. O funcionário envolvido no caso, que não estava no local em atividade de trabalho, segue suspenso. Neste momento, a legislação trabalhista impede o seu desligamento."


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