Polícia



Operação no Vale do Sinos

Investigação sobre assassinato em apartamento leva polícia a desvendar esquema de golpes e lavagem de dinheiro

Homem apontado como líder do grupo está preso pelo homicídio de João Victor Friedrich de Oliveira, ocorrido em 2020, em imóvel onde foram encontrados R$ 2 milhões

18/12/2021 - 07h00min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Um homicídio praticado a tiros dentro de um apartamento, em um prédio de classe média alta — com a retirada do corpo da vítima gravada em parte por câmeras de segurança e com a localização, no mesmo imóvel, de cerca de R$ 2 milhões —, colocou a Polícia Civil no rastro de uma organização criminosa que aplica golpes e lava dinheiro em bens de luxo, especialmente, no Vale do Sinos.

Para desarticular esse grupo, composto, principalmente, por integrantes da mesma família, a polícia faz nesta sexta-feira (17) a Operação Ouro de Tolo, em seis municípios. Com o sequestro e a indisponibilidade de carros e imóveis, além do bloqueio de contas dos investigados, a expectativa da ofensiva é atingir um patrimônio de R$ 20 milhões. Até as 10h, duas pessoas foram presas.

O homem apontado como líder dos golpistas já está preso pelo homicídio, ocorrido em março de 2020. O nome dele não pode ser divulgado porque levaria à identificação da filha, que à época do crime era menor de 18 anos e namorada da vítima, João Victor Friedrich de Oliveira.

A polícia identificou a jovem como uma das participantes do assassinato. Além dela, cinco pessoas são acusadas pelo crime e respondem a processo — a acusação fala em "queima de arquivo" como motivação.

Foi desvendando as circunstâncias da morte de Oliveira que a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Novo Hamburgo detectou negócios ilegais sob o comando do homem, que usava nome falso no condomínio de alto padrão onde morava e se apresentava como advogado de sucesso, com trânsito em Brasília — tinha, inclusive, carteira falsa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Dados apurados indicam que o homem aplicaria golpes desde 1997, especialmente nos Estados do Sul e Centro-Oeste. Centenas de documentos e celulares apreendidos durante a investigação sobre morte ocorrida em Novo Hamburgo ajudaram os policiais a rastrear os negócios ilícitos, que envolvem a prática de estelionato, falsidade ideológica, falsificação de documento público, posse ou porte de armas e usurpação de função de pública. 

O grupo tinha padrão de vida de luxo. Em uma das apreensões ao longo da investigação, a polícia encontrou imagens até de um avião, que o líder pretendia locar para transportar vítimas dos golpes.

A primeira modalidade de golpe identificada foi a de oferta, por parte do líder do grupo, para lavar dinheiro de criminosos em troca de percentuais sobre o valor total. O fato de atrair vítimas que também tinham problemas com a lei era uma forma, segundo a polícia, de se proteger de eventuais denúncias por parte dos prejudicados.

Depois de pegar a quantia que deveria ser lavada, o homem e seu grupo simulavam uma ação policial na qual o dinheiro acabava sendo apreendido. Neste caso, ficavam com todo o valor da vítima, que não suspeitava da falsa ação.

Outro golpe consistia em trocar dólares por reais em valor superior ao de mercado. No momento da transação, mais uma vez, surgiam falsos policiais e "prendiam" um dos integrantes do grupo. O dono dos dólares fugia com medo da ação, e os golpistas ficavam com os valores. 

Um vídeo obtido pela polícia (veja acima) mostra o homem apontado como líder do grupo negociando a falsificação de dinheiro. Ele explica aos interessados como é feita a falsificação de notas e chega a dizer que tem um laboratório "similar à Casa da Moeda". Nas imagens, dois homens aparecem entregando maços de dinheiro ao golpista. Também está na reunião a mulher do líder a organização, que também é investigada.

Ao longo das apurações, a polícia apreendeu dezenas de artigos de luxo — como relógios, bolsas e roupas de marca. Também foram localizadas armas e celulares.

A polícia apurou que uma das principais moedas usadas pelo grupo para fazer pagamentos por serviços de advogados e também para compensar "laranjas" — que são pessoas que emprestam seus nomes para negócios do bando — eram veículos de luxo. Com autorização da Justiça, carros foram apreendidos e imóveis, sequestrados. 

A Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Novo Hamburgo cumpre nesta sexta-feira 33 ordens judiciais na cidade e em Taquara, Nova Hartz, Sapiranga, São José do Norte e Capão da Canoa. São 23 mandados de busca e apreensão, seis mandados de prisão preventiva e quatro quebras de sigilo. O trabalho é coordenado pela delegada Ariadne Langanke.

Polícia Civil / Divulgação
Apreensões realizadas ao longo da investigação sobre o assassinato em Novo Hamburgo

Assassinato em apartamento foi planejado pela família, segundo a polícia

O homem morto dentro do apartamento da família, João Victor Friedrich de Oliveira, namorava a filha do casal que residia no imóvel. No início de março de 2020, ele ingressou no prédio durante uma madrugada. A polícia apurou que ele havia agredido a namorada em uma festa e, por isso, a adolescente havia retornado para casa antes.

Logo após a chegada dele, vizinhos ouviram gritos e disparos de arma de fogo. Quando a BM esteve no local, somente a adolescente e a mãe foram encontradas. À polícia, a garota alegou que brigou com o namorado e que atirou na perna dele. Mas disse que ele havia ido embora. Como o namorado não foi localizado, a polícia passou a investigar o desaparecimento, com suspeita de homicídio.

Imagens do prédio revelaram que o pai da adolescente e um PM temporário entraram armados no imóvel e saíram com um corpo. A mãe da adolescente aparece tapando as câmeras de segurança e limpando a garagem. Uma Mercedes, usada no transporte do corpo, foi abandonada carbonizada em Portão.

Dias depois, em uma chácara abandonada em São Sebastião do Caí, foi localizado um cadáver. O corpo estava sem as mãos e, por isso, foi necessário realizar exame de DNA para identificá-lo. Ficou comprovado que era Oliveira.

A investigação concluiu que o rapaz foi assassinado a tiros dentro do apartamento. Para a acusação, o crime teria sido premeditado como queima de arquivo, mas o plano teria sido acelerado em razão da agressão. Segundo a denúncia do MP, o assassinato foi a forma de garantir que os autores ficariam com o dinheiro encontrado no imóvel — que teria sido obtido por meio de atividades criminosas, que ainda estão sob apuração. 

A defesa dos pais e da adolescente nega que o crime tenha sido planejado e diz que a garota agiu para defender a família. Alega ainda que a origem da quantia é lícita.

Fuga de delegacia 

Dias após o homicídio, a equipe da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo prendeu o pai da adolescente, apontado como líder do grupo de golpistas. Segundo a polícia, ele se preparava para fugir com armas e dinheiro. Um primo dele, morador de Santa Catarina, que estaria auxiliando na fuga, também foi preso.

Naquele mesmo dia, o pai da garota escapou de dentro da delegacia, enquanto estava algemado no corredor. Dez dias depois, foi recapturado pela polícia do RS em São José, Santa Catarina. Com ele, foi apreendida uma Hilux e cerca de R$ 60 mil em dinheiro.


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