Polícia



Litoral Norte

Como mulher passou de voluntária em delegacia para investigada por suspeita de fingir ser policial em Torres

Após permanecer meio ano atuando no acolhimento de vítimas de violência doméstica, Daniela de Amorim Furti Braga, 46, foi detida em flagrante por estelionato

15/02/2022 - 07h00min


Leticia Mendes

No início de outubro do ano passado, a Polícia Civil de Torres prendeu um homem suspeito de se passar por policial rodoviário federal. Quatro meses depois, os agentes passaram por outra situação semelhante, mas desta vez envolvendo uma mulher que por meio ano prestou trabalho voluntário dentro da Delegacia de Polícia - e chegou a ser detida em flagrante por estelionato. Como membro da rede de acolhimento às vítimas de violência doméstica no município do Litoral Norte, Daniela de Amorim Furti Braga, 46 anos, é investigada por supostamente ter se passado por policial e ludibriado pelo menos uma comerciante.

Daniela passou a frequentar a DP local por meio do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Condim) de Torres, da qual ela foi apresentada como vice-presidente. Pelas redes sociais, mantém publicações nas quais é citada como secretária do órgão, e aparece em registros em julho do ano passado na qual participava de visitas à delegacia e também ao Palácio da Polícia Civil, em Porto Alegre. Segundo a delegada regional, Sabrina Deffenti, a mulher passou a realizar encaminhamentos para as vítimas de violência doméstica. 

— Há cerca de menos de seis meses, formou-se em Torres a Rede Lilás, com participação de várias entidades, que trabalham com a violência doméstica. Essa moça fazia parte dessa rede, por meio do Condim, e ficou acordado entre diversas instituições de que ela trabalharia voluntariamente na delegacia dando encaminhamentos multidisciplinares que cada caso demandava, como para a Defensoria Pública, ou rede de atendimento psicológico. Serviços que não são de ordem da polícia judiciária — garante a delegada.

Em outubro de 2021, Daniela aparece em publicação de doação de sofá para a Sala das Margaridas de Torres – projeto que se propõe tornar o atendimento de vítimas de violência doméstica mais acolhedor – ao lado do titular da delegacia Juliano Carvalho. A delegada regional afirma que a mulher não tinha um espaço dentro da delegacia, mas que eventualmente utilizava a Sala das Margaridas como espaço para encaminhamentos das vítimas. Sabrina nega de forma veemente que, em algum momento, a investigada tenha se passado por policial para os demais agentes.

— Quem conhece nosso dia a dia, sabe que é impossível de acontecer. Trabalhamos com sistemas e não recebemos nenhum servidor que bate na porta e diz “bom dia, sou policial, e vim trabalhar”. Os policiais quando se apresentam vêm encaminhados por um departamento, por ofício — diz a delegada.  

No entanto, a polícia passou a receber informações de que, fora da delegacia, a mulher estaria se passando por policial, pedindo doações em nome da Polícia Civil e recebendo valores. Os relatos levaram à abertura de um inquérito. Em paralelo, segundo a delegada Sabrina, agentes passaram a visitar comércios locais informando que a polícia não estava pedindo nenhum tipo de doação e para que denunciassem caso isso tivesse acontecido.  

— Numa dessas incursões, na última quinta-feira (10), os policiais conversaram com uma comerciante de Torres, e tiveram a informação de que minutos antes essa pessoa esteve ali pedindo dinheiro em nome da polícia — descreve a delegada.  

À dona do restaurante, Daniela teria dito que necessitava de recursos para a confecção de camisetas para a Polícia Civil usar durante o Carnaval. Conforme a delegada, o pedido não possui qualquer vínculo com a instituição, que não estava realizando essa campanha. A investigada foi localizada e presa em flagrante, por estelionato. Com ela, foi encontrado o valor de R$ 1,5 mil entregue pela comerciante. Foi apreendido também um envelope azul onde estava escrito: “P/Daniela – patrocínio camisetas”.  

Outros casos em investigação

Além deste episódio da comerciante, a apuração sobre a atuação de Daniela e os delitos que pode ter cometido usando o nome da Polícia Civil são investigados. GZH recebeu relatos de que a mulher participaria de eventos, onde destacaria suposta influência entre políticos e poderia ajudar a obter recursos para investimento no município.

— A delegacia recebeu várias denúncias, no sentido de que ela estaria atuando como policial, se posicionando como membro da polícia, se apresentando dessa forma, e dando a entender que seria policial, ou fazendo promessas que não poderia cumprir. Por isso, foi instaurado inquérito para verificar a veracidade dos fatos. E acabamos descobrindo algo ainda mais grave, que estava pedindo dinheiro para comerciantes em nome da Polícia Civil — afirma a delegada Sabrina.  

Daniela é investigada pelos crimes de estelionato, usurpação de função pública e extorsão. A polícia pede ainda que pessoas que possam ter passado por algum episódio semelhante procurem a DP e registrem o fato. A delegacia ainda apura informação recente recebida de familiares de uma vítima de feminicídio, que teriam tido contato com a mulher durante o velório – a corporação não repassou detalhes do que teria acontecido neste caso, mas informou que a investigação continua.  

— O inquérito policial será concluído até a próxima semana, tendo ainda a apuração de diversas ações que a suspeita possa ter cometido — informa a delegada Elisabete Scopel, que atua em Torres durante a Operação Verão, e é a responsável pelas investigações deste caso.

Levada para a delegacia, Daniela preferiu permanecer em silêncio. Após ser presa em flagrante, ela recebeu o direito de permanecer em liberdade provisória. 

Contrapontos

GZH entrou em contato com o advogado Renan Cardoso Martins, que acompanhou a investigada durante seu depoimento. 

— Ela nega a prática delitiva, diz que não cometeu os fatos, mas me pediu que nos mantivéssemos em silêncio, uma vez que ainda pende de apuração dos fatos. Estamos ainda na fase de investigação — informou Martins.

A reportagem também entrou em contato com a prefeitura de Torres, em busca de manifestação do Condim, e a administração municipal informou que só irá se manifestar sobre o caso após o encerramento do inquérito pela Polícia Civil.


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