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Campos de Cima da Serra

Saiba de onde vem o pinhão que você come

Cerca de mil famílias gaúchas da região dos Aparados da Serra aproveitam o período que antecede o inverno para colher a semente que é tradição nos períodos de frio. Extração é feita de forma artesanal

28/05/2016 - 10h03min

Atualizada em: 28/05/2016 - 10h05min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Feita de forma ainda artesanal, a colheita do pinhão depende exclusivamente das mãos e do esforço dos que se aventuram em meio às matas de araucárias justamente no período mais frio do ano. Famílias inteiras auxiliam no trabalho, que inicia ainda na observação das pinhas prontas no alto das araucárias. A árvore só começa a produzir quando atinge a idade entre dez e 12 anos. Ou seja, quando já está com mais de 12 metros de altura.

Considerada pela Emater como uma produção informal no Estado, impedindo a quantificação exata de famílias envolvidas na produção, a extração ocorre nas áreas mais altas do Rio Grande do Sul, em altitudes entre 600m e 1,8 mil metros. Nos Aparados, cerca de mil famílias tiram o sustento ou complementam a renda com a atividade temporária. Em Cambará do Sul, são 150. Uma delas é a família Pinto, que está na terceira geração de coletores de pinhas.

– Se quiser colher antes da pinha cair, é preciso esticar o pescoço e firmar os olhos para cima. Não tem jeito – explica Roberto Pinto, 63 anos, que há mais de 50 faz a coleta escalando na árvore.

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Preocupado em não ferir o tronco das centenárias espalhadas pelos mais de 90 hectares da família, Roberto usa uma corda amarrada às pernas em formato de oito. É a chamada maneia – corda usada para manear a vaca e tirar o leite numa época em que não havia esporões (espora de metal grande, usada hoje para subir nos postes). Sem nenhuma outra proteção, sobe 5m do tronco em menos de um minuto, se amparando nos galhos mais fortes.

Quando chega ao local indicado por quem fica no chão, Roberto estica uma taquara e bate na pinha até ela cair. E mesmo distante da prática como trabalho, há dois anos, se for necessário, o agricultor segue subindo feito um guri nos troncos das araucárias. No chão, ficam a irmã Maribel Pinto, 51 anos, e a sobrinha Lara Maria Pinto, 12 anos, que usam sacos de até 50kg para carregar a pinha inteira ou já debulhada.

Após a retirada das pinhas, a familia Pinto fez uma fogueira para uma sapecada de pinhões

"Não troco por nada!"

Ao contrário de Roberto, o irmão dele Lauro Pinto, 62 anos, escolheu outra forma de tirar a semente da araucária. Com o auxílio de três taquaras que, juntas, chegam a medir 20 metros de comprimento, o produtor de queijo é ágil no olhar e na ginga. Bastam dois minutos observando uma araucária de três décadas para identificar as pinhas prontas. No dia em que a reportagem o acompanhou, Lauro retirou em 40 minutos 25 pinhas de uma única araucária. Algumas, chegaram a pesar 4kg.

Depois da colheita, a família costuma se reunir aos pés de uma das araucárias para fazer uma sapecada de pinhão. Eles recolhem as folhas secas do chão, distribuem os pinhões no meio delas e colocam fogo. Quando a chama se extingue, a semente está pronta para ser saboreada.

–É um serviço puxado e difícil, mas ajuda trabalhar em família. Aqui, a gente respeita a natureza e ela nos respeita. Não troco por nada! – garante.

Lauro consegue tirar, em 40 minutos, 25 pinhas de uma única araucária

Safra teve queda

Concentrada entre os meses de abril e agosto, a safra deste ano no Rio Grande do Sul – iniciada em 15 de abril – terminará dois meses antes devido à quebra de até 40% na produção. Se na colheita anterior, extraiu-se 1 mil toneladas de sementes das araucárias, a estimativa otimista da Emater para esta temporada fica entre 600 e 700 toneladas. Segundo o órgão, dois fatores climáticos influenciaram diretamente na diminuição: a chuva em excesso na primavera e no verão e as poucas horas de frio no inverno de 2015.

Pinhas extraídas nos Campos de Cima da Serra

Com a extração menor do que a esperada, o preço do quilo da semente foi às alturas desde o campo _ os produtores estão recebendo cerca de R$ 5 pelo quilo – até a mesa do consumidor: na Ceasa em Porto Alegre, o preço varia entre R$ 6,50 e R$ 9, o quilo, enquanto nos supermercados da Capital a mesma quantidade pode ser encontrada a R$ 15. No ano passado, o produtor vendeu o quilo por até R$ 3 e o consumidor comprou por, no máximo, R$ 6.

– É a lei da oferta e da procura. Com a menor oferta, o extrativista obrigou-se a aumentar o preço para não ter prejuízos. É comum a safra cheia ocorrer a cada quatro anos, por conta da alternância de produção. Mas, desta vez, caiu muito de um ano para o outro. O excesso de chuva em 2015, justamente na florada, e os dois últimos invernos de pouco frio, em 2014 e 2015, afetaram a fecundação e a polinização. Cada pinha leva até dois anos para chegar ao tamanho ideal de colheita – explica a engenheira florestal da Emater/RS Adelaide Kegler Ramos.

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