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Outubro Rosa

Lei é descumprida, e mulheres ficam sem cirurgia de reconstrução de mama

Maioria das pacientes com câncer de mama não consegue fazer, via Sus, a reconstrução do seio após a retirada do tumor

23/10/2015 - 07h04min

Atualizada em: 23/10/2015 - 07h04min


Rosângela Monteiro
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Félix Zucco / Agencia RBS
Liane espera desde janeiro pela cirurgia

Além de carregar o título de ser a maior causa de morte de mulheres entre 18 e
49 anos no Brasil, o câncer de mama está associado a outro drama: ele lembra a mutilação, já que muitas mulheres diagnosticadas com a doença passam pelo procedimento de retirada do tumor, mas não pela reconstrução dos seios no mesmo momento.

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Apesar de existir uma lei federal prevendo que a reparação seja feita logo após a mastectomia (remoção de parte ou de toda a mama), não é o que acontece na prática. No Brasil, a lei 12.802/2013, que obriga o Sus a fazer a cirurgia plástica reparadora da mama logo após a retirada do câncer se a paciente tiver condições clínicas, não está sendo cumprida.

Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Conceição, o médico José Luiz Pedrini destaca que nove em cada dez mulheres têm a possibilidade de fazer, na mesma ocasião, as duas cirurgias. Não há estatísticas oficiais sobre o número de mulheres que conseguem fazer os dois procedimentos juntos, mas os especialistas ouvidos pela reportagem apontam que fica entre 10% e 30% dos casos pelo Sus.

- Aí, as mulheres ficam mutiladas, correndo atrás do serviço público mais uma vez para conseguir uma reconstrução tardia. E 60% delas jamais farão este procedimento - acrescenta o doutor Pedrini.

Prioridade é outra

Para a chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e do Instituto da Mama (Imama), Maira Caleffi, a lei não é cumprida porque a infraestrutura disponibilizada pelo Sus é deficiente.

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- Faltam profissionais, próteses e horário disponível em bloco cirúrgico. A prioridade do Sus é operar o câncer. A rede pública de saúde não vê que a reconstrução faz parte do tratamento - afirma Maira.

Desorganização e falta de verba

Vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), a médica emergencista Maria Rita de Assis Brasil concorda que este serviço oferecido pelo Sus é "absolutamente insuficiente".

- Atendo a muitas pacientes que tiveram câncer de mama e que não passaram pela reconstrução. Com tantos cortes de repasses pelo governo aos hospitais, o Sus não está fazendo a parte que deveria - critica.

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Maria Rita explica que os médicos não ganham por procedimento que fazem pelo Sus, e sim um salário do hospital. Portanto, a decisão de não fazer as duas cirurgias no mesmo momento não teria a ver com a possibilidade de eles ganharem menos. Para ela, não faltam profissionais, mas organização do governo para cumprir a lei.

A regularização do tratamento do câncer é de responsabilidade das secretarias estaduais da saúde. Coordenadora da Divisão da Saúde da Mulher no Estado, da Secretaria Estadual de Saúde, Nadiane Lemos argumenta que a orientação aos médicos do Sus é para cumprir a lei.

Sem resposta

- Em até 25% dos casos, a reconstrução é feita com a retirada do tumor. Já em outros casos, o profissional opta para que seja num segundo tempo - argumenta.

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Sobre o porquê de o número ser tão abaixo dos 90% indicados pelo doutor Pedrini, Nadiane admitiu não ter a resposta.

Silicone ficou para depois

São muitos os motivos pelos quais as mulheres acabam não fazendo a reconstrução em um segundo momento. Medo de passar por cirurgia, depressão, demora para marcar o procedimento e até sentimento de culpa por querer "ficar bonita" depois de ter superado o câncer estão na lista.

Na luta contra um tumor no seio desde 2013, a dona de casa Liane Estauber, 52 anos, do Bairro Sarandi, passou por quase todos estes dramas.

Depois de retirar o tumor, em março de 2013, entrou em depressão. Em janeiro deste ano, curada do câncer, começou o tratamento na psiquiatria do Hospital Conceição, na Capital. Mais confiante, procurou o cirurgião plástico para reconstruir os seios. Esperou três meses pela consulta. Nesta semana, quando seria marcada a data do procedimento, veio a má notícia:

- O médico disse que não há próteses.

O Conceição explicou que o uso das próteses da empresa Silimed, fornecedora do hospital, foi suspenso pela Anvisa temporariamente. O parecer final deve sair em 60 dias.

Tratamento incompleto

Para Maira Caleffi, o medo de ter o corpo mutilado é um dos grandes impedimentos de as mulheres procurarem o médico para fazer o tratamento contra o câncer de mama. A médica conta que muitas mulheres recebem a informação de que é melhor não fazer os dois procedimentos juntos.

- Isso não tem fundamento - afirma.

Além de um direito da mulher, reconstruir a mama faz parte do tratamento para a cura completa do câncer, como defende a doutora Maira. A cirurgia devolve para a mulher a imagem corporal e a autoestima.

- A ideia da reconstrução não é para a mulher mostrar o seio para o outro. É para ela poder se olhar, tirar a roupa para ela mesma e reconstruir sua autoimagem, poder investir em sua autoestima - defende a psicóloga Lucy Bonazzi, do Hospital Moinhos de Vento e do Imama.

É com isso que Liane sonha:

- Vou ter uma vida nova. Sonho em voltar a usar os vestidos decotados que estão no armário há dois anos.

O tipo mais comum

- O câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre mulheres em todo o mundo.
- Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados 1,38 milhão de novos casos de câncer de mama por ano.
- No Brasil, são registrados cerca de 57 mil novos casos a cada ano, segundo o Inca.
- A expectativa é que o Rio Grande do Sul registre 5.050 novos casos em 2015.
- Um a cada quatro diagnósticos de câncer em mulheres é de mama.


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