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A vida com microcefalia: histórias de crianças que vivem com a doença e dúvidas sobre sua relação com o zika

20/02/2016 - 10h03min

Atualizada em: 20/02/2016 - 10h03min


Mateus Bruxel / Agencia RBS
Emily na piscina onde faz hidro, diverte-se e desenvolve novas habilidades

Aos sete meses de gestação, Graziela e Lidiana receberam a notícia de que gestavam crianças com microcefalia. Do desconhecimento a respeito da condição neurológica na qual a cabeça e o cérebro da criança são significativamente menores do que o normal, elas foram buscar atendimentos para estimular as potencialidades dos filhos, aceitando cada um como é, com as sequelas (motoras e/ou cognitivas), e comemorando cada vitória.

- Quando a mãe gera uma criança, espera o desenvolvimento normal. Com a notícia da dificuldade de desenvolvimento, precisa aceitação do filho como ele é, precisa saber o que pode vir a desenvolver, como estimular e o que exigir deste filho. Apesar das dificuldades, ele tem potencialidades - explica a psicóloga Tanisse Dufau Panasuk, que atua no Centro de Reabilitação Porto Alegre (Cerepal).

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No momento em que a microcefalia passou a ser discutida amplamente no país, devido à associação com o zika vírus, o Diário Gaúcho conta a experiência dessas mães e seus filhos. Nos dois casos, porém, não há associação ao zika. Mas são relatos importantes, que vão além da aparência de "uma cabeça pequenininha" - como já se referiram aos filhos delas -, no sentido de desfazer preconceitos e promover a inclusão na sociedade.


<TITULO COLUNA2 1>"Cada progresso é uma vitória"

Depois de quase três anos tentando engravidar, a dona de casa Graziela Machado Pereira, 22 anos, do Bairro Sarandi, na Capital, teve uma gestação tranquila até o sétimo mês.

- Fiz cinco ecografias e não tinha aparecido o sexo. No dia em que descobri que era uma menina, soube que ela tinha microcefalia - conta Graziela, que vivia em Caxias do Sul na época.

Graziela nunca tinha ouvido falar sobre microcefalia. A família fez pesquisas na internet para saber mais sobre as condições de saúde da pequena Emily Vitória Braga, hoje com dois anos e dois meses.

- Eu não tinha medo, para mim, era uma criança normal. Eu pensava: se Deus me deu uma criança especial é porque eu tenho condições de criar - lembra a mãe.
A dona de casa afirma que ouviu da equipe médica que a atendia que poderia interromper a gestação.

- Diziam que ela poderia nascer sem rosto, sem nariz, que seria vegetativa. Nas ecografias, ela tapava todo o lado esquerdo, não dava para ver. Eu quis levar a gestação até o final, tanto quis a minha menina, tanto pedi, ela já tinha nome e tudo - diz Graziela.

Aos seis meses, Emily chegou ao Cerepal e está numa escolinha municipal de educação infantil. No centro de reabilitação, tem atendimentos com fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga e hidro. A mãe vê a escola como um complemento importante no desenvolvimento da menina.

- Ela começou a falar papai esta semana. Cada progresso é uma vitória. A Emily é esperta, atende a tudo, identifica tudo, só não fala e não caminha ainda. E é bem nervosa - explica a mãe.

Os profissionais que atendem a menina confirmam que ela já chama a mãe, emite sons para chamar a atenção, fica mais concentrada. No entanto, a parte motora é mais limitada. Emily está engatinhando atualmente.

Em relação à origem da microcefalia, Graziela diz que a investigação não foi conclusiva. O geneticista (pesquisador que se dedica ao estudo da genética, para compreender os genes, o mecanismo de transmissão das características hereditárias) informou que há apenas 5% de chances de ela e o esposo terem outro filho com microcefalia.

 
Graziela com Emily e Lidiana com Kauã
Fotos: Mateus Bruxel/Agência RBS

 

<TITULO COLUNA2 1>"Uma caixinha de surpresas"

Antes da gestação do filho Kauã Fontes Rodrigues, três anos e cinco meses, a dona de casa Lidiana Mota Fontes Rodrigues, 35 anos, de Cachoeirinha, perdeu uma menina que nasceu prematura de 27 semanas. Depois disso, por conta da hipertensão e outros problemas de saúde, ela foi desaconselhada a engravidar novamente. Recuperada, chegou a desistir de ser mãe, pensou em entrar na fila para adoção e, por fim, três anos depois, apostou num tratamento para engravidar.

Com cinco meses de gestação, apareceu numa ecografia que Kauã tinha microcefalia, mas Lidiana não chegou a ser informada, pois o diagnóstico não constava no laudo. Com sete meses, na ecografia morfológica, teve a confirmação. O casamento consanguíneo (pais com o mesmo sangue) foi apontado como a origem da microcefalia, após investigação de um geneticista. Os pais do menino são primos de terceiro grau.
Ainda na barriga da mãe, o menino passou a ser acompanhado por pediatra e neurologista.

- Eu não sabia o que era a microcefalia. Diziam que ele seria uma caixinha de surpresas, que teria de esperar para saber como meu filho seria - lembra.

 

Com 38 semanas de gestação, Lidiana fez uma cesárea. Kauã nasceu com 25cm de perímetro cefálico (são considerados casos de microcefalia os bebês nascidos depois de 37 semanas, com perímetro cefálico de menos de 32cm), 1,350kg e 37,5cm. Além da microcefalia, o menino tem má-formação congênita e nanismo.

- A primeira médica me disse que ele ficaria com o tronco paralisado e ficaria vegetativo. Eu disse: não me importo, vou levar ele para casa mesmo assim - lembra Lidiana.

Após 32 dias no hospital, para ganhar peso, o menino teve alta. Com um ano, Kauã foi para a Associação de Assistência a Criança Deficiente (AACD) e, pouco depois dos dois anos, chegou ao Cerepal. Hoje, ele ama música, aponta e mexe na geladeira quando quer um refri e estabeleceu uma comunicação com a mãe.

- É um enrolado que eu entendo. Tudo com ele tem que ser com tempo, com esforço e com carinho. A microcefalia afetou o cognitivo, não afetou a parte motora. Vou ter um bebê por muito tempo - avalia a mãe.

 

Atendimentos devem começar cedo

A coordenadora da reabilitação infantil do Cerepal, Ana Lúcia Lopes Breda, explica que, no primeiro ano de vida, não há como saber as sequelas que cada paciente terá e quais áreas serão desenvolvidas. Por isso, é importante que os atendimentos comecem cedo, para estimulação, para minimizar os efeitos. No entanto, a sequela (motora e/ou cognitiva) será permanente.

- Procuramos trabalhar para dar suporte emocional para lidar com o olhar do outro, a discriminação. As diferenças existem e conseguimos trabalhar integrados nessa diferença - explica a psicóloga Tanisse Dufau Panasuk, do Cerepal.

De acordo com ela, a criança terá seu desenvolvimento atrasado, com algumas lacunas, mas poderá vir a frequentar uma escola regular, muitas vezes com o auxílio de um monitor. A tendência da família é proteger do mundo externo, mas é importante ensinar a independência.

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A fonoaudióloga Ana Júlia Costa Pereira explica que há estimulação da linguagem, auxiliando na expressão. Há casos em que os pacientes conseguem falar, com limitações, alguns formam frases, mas há também aqueles que precisam do auxílio de símbolos e figuras disponíveis num programa de computador, numa comunicação alternativa.

- Tentamos buscar na criança a maneira de ela se comunicar.



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