História de adoção
Conheça Alemão, o cachorro surdo que responde à língua de sinais
Casal surdo de Porto Alegre deu um lar ao animal rejeitado por problema de audição
Professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras) na Ulbra, Gaspar Scangarelli, 34 anos, gostava de brincar em sala de aula com a dimensão da surdez entre os familiares. Filho de pais surdos, de quem herdou o problema junto com a irmã, Gaspar explicava que pai, mãe, irmã e esposa eram surdos. Para exagerar, acrescentava que até o cão não ouvia. Não imaginava, porém, que a piada viraria coisa séria.
Vira-lata de porte médio, Alemão aguardava adoção no canil mantido pela prefeitura de São Leopoldo. Era agosto de 2015 quando uma amiga marcou Gaspar em uma publicação no Facebook da Secretaria De Proteção Animal da cidade. Na foto, Alemão aparecia com uma plaquinha de "adotado" pendurada no pescoço, mas o texto, em tom crítico, explicava que o cachorro havia sido devolvido ao canil cinco dias depois de ter sido levado por novos donos.
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A razão para a devolução era que o vira-lata, muito brincalhão, não obedecia a ordens. A suspeita era de que não ouvisse o que lhe era mandado. Rejeitado, Alemão ficou novamente à espera de um lar. Apaixonados por cães, Gaspar e a esposa Vanessa Herter, 35 anos, surda de nascença, aceitaram a sugestão da amiga e levaram o animal para casa, em Porto Alegre. Ali, o cão faria companhia a Pretinha, uma cadela ouvinte, e aos filhos Caetano, 11 anos, e Felipe, 4, que nunca entraram na piada de Gaspar porque escutam com perfeição.
Na rotina da família, repleta de gestos com as mãos e mais silenciosa do que a maioria dos lares, a surdez de Alemão foi reconhecida. Ao barulho da campainha, o cachorro permanecia sonolento no sofá, enquanto Pretinha, como todo cachorro, saia correndo até a porta. O mesmo se dava com o ruído das motos na rua. Pretinha latia, Alemão ficava indiferente. Na consulta veterinária, foi dito que Alemão é um cão albino, e por causa disso mais propenso a apresentar surdez. Sons mais intensos, porém, são captados pelo animal.
No lar onde se domina a língua dos surdos e cada integrante da família atende por um sinal das mãos, Alemão ganhou sua marca. Para chamar a atenção do vira-lata, basta fazer um “L” com o dedão e o indicador e apoiá-lo na testa. O cachorro entende, assim, que fez alguma coisa errada. Colocar dois dedos da mão direita sobre dois dedos da mão esquerda é suficiente para fazê-lo sentar. Quando é hora de passear, deve-se roçar os dedos nos ombros, mas aparecer com a coleira na mão pode surtir efeito imediato.
Elo da família com o mundo sonoro, o primogênito Caetano diz que o sonho de Gaspar, que já teve sete cachorros, era ter um cão que fosse surdo como ele. O pai acha que, entre não ouvintes, Alemão sente-se feliz. Com o esforço de quem passou a vida sem ouvir a própria voz, Gaspar confirma a observação do filho.
– Sou muito apaixonado por ele – sussurra, enquanto abraça Alemão.
Quando os amigos de Caetano fazem uma visita ao menino, acabam estranhando o comportamento bonachão do animal, que passa parte do tempo dormindo e só late quando sente medo. Caetano, no início, também desconfiava da adoção de um cachorro surdo.
– A maioria das pessoas quer ter cachorro ouvinte. Até eu achava que não teria nenhuma utilidade em ter um cachorro surdo. Mas ele é como a Pretinha, brinca, come – reconhece o menino.
Como identificar a surdez nos animais
De acordo com a médica veterinária Simone Thomé, que atende no hospital veterinário da Ulbra, os animais não passam pela audiometria, o exame feito em pessoas para detectar a falta de audição. O reconhecimento da surdez nos bichos acontece por meio da avaliação clínica, emitindo ruídos para checar se o animal responderá.
A falta de um exame preciso, porém, impede que se meça o nível de ensurdecimento do animal. Por causa disso, o comportamento observado pelos donos é importante para o diagnóstico.
A relação entre cachorros de pele branca e a surdez, identificada no caso do Alemão, tem fundamento. Segundo o médico veterinário Rossano André Dal-Farra, professor da Ulbra, é mais seguro relacionar a possibilidade da falta de audição a qualquer cão branco do que aos cães albinos.
– Isso vai ser forte no Dálmata, por exemplo – esclarece o professor.
Há sinais que podem ajudar a identificar se o cachorro tem problemas de audição. Chegar em casa e não ser recebido na porta, bater palmas e o pet não responder são alertas que devem ser considerados. Mas o comportamento dos animais pode enganar. Por isso, a mera observação dos donos não deve ser suficiente para confirmar a surdez, e sim uma aliada da avaliação profissional.
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