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Folia em Porto Alegre

Nova liga dá visibilidade a blocos da periferia. Veja como curtir as festas

Além dos já tradicionais endereços dos blocos, na Cidade Baixa e Orla do Guaíba, uma nova liga busca visibilidade para blocos de outros bairros

25/02/2017 - 09h00min

Atualizada em: 25/02/2017 - 09h01min


Roberta Schuler
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Tem samba pela cidade inteira

Que o Carnaval ganhou as ruas de Porto Alegre, apaixonados pela folia – e não tão simpáticos à festa – já sabem. O que uma liga formada há poucos meses pretende, agora, é dar visibilidade a blocos de comunidades que há anos fervem nas periferias, mas que não encontravam espaço nos calendários da folia mais tradicionais.

A Liga dos Blocos Descentralizados foi criada em outubro do ano passado e reúne 20 blocos de comunidades da Capital. Neste feriadão de Carnaval, vai realizar desfiles de sete blocos em quatro dias, em uma arena fechada no Parque Marinha do Brasil. Além da identidade do samba de raiz, boa parte dos blocos caracteriza-se pela articulação com lideranças comunitárias e pela relação com escolas de samba de Porto Alegre.

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– Nosso público-alvo é a família, pai, mãe, filho, neto, tia. É uma forma de levar o Carnaval para os bairros e resgatar os antigos carnavais – defende Otávio Miguel da Luz Pereira, presidente da Liga dos Blocos Descentralizados.

Num Carnaval atípico como o deste ano, que não terá os desfiles das escolas de samba no Sambódromo do Porto Seco em função da falta de recursos (o evento foi transferido para o fim de março), quem quiser entregar-se à folia encontrará mais esta opção, para além da programação da Liga das Entidades Burlescas da Cidade Baixa e Blocos Independentes.Confira algumas histórias da folia nos bairros.

Donzelas seduzem na Restinga

Donzelas à espera dos foliões na Restinga

“Chama a mãe que o pai tá louco, tá de mulher na Avenida, tá de fio-dental, loucura total, tá de donzela nesse Carnaval!”

A avenida a que o refrão do samba se refere é a Avenida Macedônia, na Restinga. É lá que desfila o Bloco das Donzelas, criado há 35 anos por um grupo de amigos frequentadores do antigo Bar do Nelson, na 2ª Unidade da Restinga.

– Eram amigos de bar, simpatizantes da (escola de samba) Estado Maior da Restinga. Quando a escola ganhava, tinha um desfile no bairro. Como naquele ano viram que não teria desfile, resolveram se vestir de mulher e sair pela (avenida) Nilo Wulff – lembra o comerciante Gilson Unikowski, 49 anos, presidente do bloco.

Em pouco mais de três décadas, houve algumas interrupções nos desfiles do bloco, mas a retomada sempre ocorria em algum bar da região, da mesma forma como deu-se a fundação. O retorno mais recente foi em 2010, no bar que Gilson tinha na esquina da Avenida Macedônia com a Nilo Wulff.

Em casa

Hoje, o ponto de encontro da turma responsável pelo bloco é a casa da técnica de enfermagem Júlia Pereira, 51 anos. O casamento de 27 anos entre ela e Gilson não existe mais, mas o amor pelo samba prevaleceu e eles trabalham juntos para colocar o Bloco das Donzelas na rua. Uma equipe se responsabiliza pela segurança, venda de camisetas, bebidas e até a limpeza da rua no final da festa. No desfile mais recente, no dia 8 de janeiro, reuniu milhares de pessoas. No Marinha, o Bloco das Donzelas desfila neste domingo. No dia 5 de março, a festa será em casa, na Avenida Macedônia.

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Na opinião de Júlia, o fato de não ter desfile das escolas de samba de Porto Alegre durante o feriadão de Carnaval neste ano deverá atrair mais público. Ela lembra que nos blocos não há competição como nas escolas de samba, apenas a brincadeira – antes do desfile acontece uma roda de samba que é um grande aquecimento para a festa. E Gilson defende a importância da manutenção do desfile do bloco na comunidade:

– A gente é da Restinga e quer se divertir aqui. É muito bom estar em casa.

Avenida Macedônia lotada no desfile mais recente das Donzelas, em janeiro deste ano

Banda do Bolinha agita o IAPI

Rua Cacequi, 18. Foi neste endereço, no Bairro IAPI, que nasceu, há 36 anos, a Banda do Bolinha. O grupo de amigos que, inicialmente, se reunia na casa do empresário Nei Bica Junqueira, 56 anos, cresceu e passou a ocupar o Largo da Bandeira, na Avenida dos Industriários, em frente ao Parque Alim Pedro, na Zona Norte da Capital. A data tradicional do desfile sempre foi o dia 31 de dezembro, e os participantes garantem que o bloco nunca deixou de desfilar.

Neste ano, também faz parte da extensa lista de blocos organizada pela Liga de Blocos Descentralizados, e realizará um desfile no IAPI no dia 16 de abril.

– A Banda do Bolinha nasceu inspirada no bloco As Tesouras (bloco humorístico da década de 1960, do IAPI) – explica o funcionário público Zé Reis, 55 anos, presidente da banda.

Por contar, inicialmente, com presença exclusivamente masculina – com os participantes fantasiados de roupas femininas –, a banda passou a denominar-se do Bolinha (numa referência ao desenho animado). Tem relação estreita com a escola de samba União da Vila do IAPI. Conta com a participação da bateria, harmonia e desfila com a escola, sendo a ala mais antiga.

Casa de Nei (com estandarte) foi onde a banda nasceu

Churrasco

A programação já é tradicional: por volta do meio-dia, o pessoal do bloco começa a chegar, toma conta da praça e organiza um churrasco – quem quer participar, leva o seu quilinho de carne, um fardo de cereja e fica para confraternizar. No meio da tarde, tem roda de samba e, pelas 18h, 19h, a banda começa a desfilar. Alguns participantes ainda se vestem de mulher para fazer a festa ao som de sambas-enredo, marchinhas e sambas de quadra das antigas. O último desfile reuniu 3 mil pessoas.

Sobre a efervescência dos blocos carnavalescos pela cidade, o presidente espera que não seja modismo e defende a permanência do desfile do bloco no IAPI:

– Nosso Carnaval é aqui. É aqui que está a nossa história, nossa identidade.

Nei concorda:

– O nosso negócio é dentro do bairro. E não existe barreira: entra branco, preto, amarelo.

Registro da preparação para o desfile da Banda do Bolinha de 1993

Boi Bandido é a juventude da Maria da Conceição

Bem mais recente e identificado com a juventude, o bloco Boi Bandido, da Maria da Conceição, no Bairro Partenon, na Zona Leste da Capital, nasceu em 2004, como um aquecimento para a bateria da Academia de Samba Puro. A formalização do bloco ocorreu só uma década depois, mas a provocação para que fosse criada uma liga a fim de representar os blocos da periferia partiu de um dos fundadores da Boi Bandido, o auxiliar de cozinha Marco Aurélio Rosa de Souza, 37 anos, o Marquinhos. Ele foi ensaiador da Samba Puro até 2012 e hoje é vice-presidente da Unidos da Vila Mapa e vice da Liga dos Blocos Descentralizados.

– Queremos mostrar que as pessoas das comunidades também têm direito ao Carnaval, à cultura. Nosso desfile do bloco tem a participação das famílias, todo mundo se conhece, se ajuda, é pertinho de casa – avalia.

Marquinhos lembra que, terminado o Carnaval, não havia mais atividade cultural na comunidade. Foi aí que um grupo de compositores, intérpretes e integrantes da Samba Puro resolveu criar o Boi Bandido. O nome é uma referência ao animal que foi personagem da novela América, no ar na época de fundação do bloco, mas também uma brincadeira entre amigos que estavam vivendo um momento de brigas. Em relação ao repertório do bloco, são bem variadas as músicas em ritmo de samba:

– Tocamos É o Boi, do Claudinho e Buchecha, mas também Roberto Carlos. Nosso bloco é diferente porque são inúmeras músicas populares brasileiras – explica.

O Boi Bandido faz sua concentração na Rua Delfino Riet e sai sempre no dia 25 de dezembro. Mas, sempre que possível, antes dos ensaios da bateria da Samba Puro, o bloco toca por uma hora e já dá uma voltinha pelas ruas do bairro. Na terça de Carnaval, fará parte dos blocos que vão desfilar na arena do Marinha do Brasil.

– O bloco é para a juventude, para a gurizada, para não estarem na rua – finaliza.

Boi Bandido e Samba Puro agitam o Partenon

Resgate da cultura popular

– É uma comunidade grande, mas carente em tudo. Tiraram a praça, o campinho, a fonte de lazer. Queremos resgatar isso, além da cultura do Carnaval.

A frase é de Lidionei da Rosa Santos, 37 anos, que faz parte da comissão de cultura, esporte e lazer da Grande Cruzeiro. No dia 19 de fevereiro, a Avenida Tronco sediou um dos eventos da Liga dos Blocos Descentralizados, com a participação de blocos da região, Fala Favela e Amavtrom. A comunidade aprovou e há o interesse de, em breve, repetir a dose em outro endereço do bairro.

Otávio Miguel da Luz Pereira, presidente da Liga dos Blocos Descentralizados, conta que os blocos reclamavam a falta de estrutura para o Carnaval nas comunidades – muitos deles participaram em outros anos do Carnaval comunitário organizado pela prefeitura de Porto Alegre.

– De certa forma, resgatamos a identidade da raiz do samba – observa Otávio.

Avenida Tronco recebeu blocos no dia 19 de fevereiro

Programação da Liga de Blocos Descentralizados

No Parque Marinha do Brasil, próximo à pista de skate:

/// Sábado, 25, das 14h às 18h: Roda de Samba da Liga e convidados

/// Domingo, 26, das 14h às 21h: Roda de Samba e desfiles dos blocos do Guerreiro e das Donzelas

/// Segunda-feira, 27, das 14h às 21h: Roda de Samba e desfile do Bloco da Trinca

/// Terça-feira, 28, das 14 às 21h: Roda de Samba e desfiles dos blocos do B Loukos, Ôbalancê, Boi Bandido, Os Panteras da Zona Norte

/// 5 de março, das 11h às 22h: Blocos das Donzelas, do Guerreiro, da Trinca, da Santana, na Avenida Macedônia, na Restinga

/// 12 de março, das 11h às 22h: Blocos Foliões da Vila, Donzelas, B Loukos, no Centro de Eventos da Vila Nova

/// 16 de abril, das 11h às 22h: Banda do Bolinha, Blocos da Trinca, da Santana, Os Panteras da Zona Norte e Alforria, na Avenida dos Industriários, IAPI

/// 21 de abril, das 11 às 22h: Blocos do Guerreiro, Coletivo Kizomba, Ôbalancê, Boi Bandido, no Viaduto da Igreja São Jorge, no Partenon

/// 7 de maio, das 14h às 22h: Bloco da Santana, Banda do Beco, Guardiões do Samba, na Orla do Guaíba


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