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História de superação

Descoberto em projeto social, atleta gaúcho se destaca nos Estados Unidos

Conheça Samory Uiki Bandeira Fraga, promessa do atletismo brasileiro que está estudando nos Estados Unidos e sonha com a próxima olimpíada

06/01/2018 - 07h00min


Aline Custódio
Aline Custódio
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Foi saltando que Samory descobriu o próprio caminho

Quando corria na pista da Sogipa, em Porto Alegre, calçando tênis doados no projeto da prefeitura  Social Esporte Clube, Samory Uiki Bandeira Fraga, então com oito anos, limitava-se a dizer que as horas na atividade esportiva proporcionada a crianças carentes eram para se divertir. Na época, ele não imaginava que aqueles pulos e saltos o levariam a cruzar fronteiras. Hoje, aos 21 anos, Samory é atleta de salto em distância, dono da quinta melhor marca brasileira na categoria sub-23, está no terceiro ano do curso de Relações Internacionais, na Universidade de Kent, em Ohio (EUA), e quer fazer parte da seleção olímpica do Brasil que irá a Tóquio em 2020. 

— Eu era uma criança que gostava de correr e os meus pais acharam que era uma boa me colocar no atletismo. Entrei na Sogipa pelo projeto da prefeitura, que distribui bolsas para crianças carentes. Desde então, estou aqui — recorda. 

Já na primeira brincadeira envolvendo corrida, ele despertou a atenção da professora Martina Kroll Lindemayer, treinadora da Sogipa responsável pelas equipes de base. 

— Ele foi o segundo mais rápido entre dezenas de crianças. Vi potencial naquele guri. E olha onde ele está hoje — comenta, orgulhosa, Martina. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS
De férias em Porto Alegre, Samory aproveitou para ficar com a família e treinar na Sogipa

Guerreiro
Aos poucos, o menino de pouca fala, mas com a força e a habilidade do guerreiro africano de quem herdou o nome, conquistou os técnicos. Quatro anos depois de chegar ao clube, Samory foi convidado para fazer parte da equipe de José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, coordenador técnico de atletismo da Sogipa. Na mesma época, conquistou a primeira medalha em corrida com barreiras. O jovem faz questão de ressaltar a importância do Social Esporte Clube para mantê-lo nas pistas. Então morador da Vila Cefer, no Jardim Carvalho, ele praticava esportes diariamente na Sogipa por ser vinculado ao projeto, recebia vale-transporte e doações de tênis, que auxiliaram no desenvolvimento do atleta. 

—  No início, não tinha tantas condições financeiras e o projeto ajudou muito, inclusive, com os tênis. Eram calçados caros, e meus pais teriam dificuldades para me manter no treinamento — sustenta. 

Só aos 15 anos, Samory passou a dedicar-se exclusivamente ao salto em distância, seguindo uma sugestão de Arataca. Pela determinação, conquistou duas bolsas de estudo em escolas particulares para cursar inglês e o ensino médio. Nos três anos seguintes fez parte da Confederação Brasileira de Atletismo e recebeu bolsa atleta. Neste período, conquistou o Sul-Americano Sub-20, foi quatro vezes campeão brasileiro em diferentes categorias e chegou ao terceiro lugar no ranking mundial na categoria sub-18. 

— Nunca pensei que iria tão longe. Só fui agarrando todas as oportunidades que surgiram. Mas nada foi fácil. Sem foco, eu teria desistido — confessa. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Meta é chegar à próxima olimpíada

Convites
A sucessão de bons resultados em campeonatos importantes despertou a atenção das universidades norte-americanas, sempre atentas aos novos talentos no esporte. Antes de optar pela Universidade de Kent, ele precisou escolher entre os oito convites recebidos para estudar nos Estados Unidos.

Mas enquanto a família e os amigos comemoravam as conquistas de Samory, o atleta enfrentava a difícil adaptação num outro país. Perdeu quatro quilos nas primeiras semanas e pensou em desistir, confessa, até completar seis meses na universidade. Com saudade da família e dificuldades para se adaptar aos cardápios americanos — Samory estava acostumado apenas a comer variedades de saladas e frutas — e aos treinamentos mais pesados, buscou orientação de uma nutricionista e encontrou apoio, mesmo à distância, dos pais — o comerciante Dalmir Fraga, 53 anos, e a funcionária pública Carla Rejane Bandeira, 49 anos, — e do ex-técnico Arataca.

— Ele enfrentou uma primeira fase difícil, pois mudou tudo: da cultura à vida acadêmica. Passado este período de adaptação, Samory sai mais forte para entrar na fase mais importante: a retomada do crescimento atlético — sentencia Arataca. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS

Presidente do Conselho de Estudantes
No final do ano passado, já adaptado, Samory foi eleito o presidente do Conselho Internacional de Estudantes da Universidade e presidente do Conselho de Estudantes Brasileiros da Universidade. Voltou a saltar marcas próximas aos 8m e, agora, quer chegar até 2019 aos 8,20m, marca hoje necessária para estar na seleção olímpica. 

— A experiência mudou minha forma de ver o mundo. Ganhei maturidade. O Samory de hoje é uma pessoa que vê muitas possibilidades para o futuro. Antigamente, só tinha a opção de continuar no esporte. Agora, tenho muito mais rumos para seguir. Daqui a uns anos, não sei onde poderei estar, onde isso vai me levar. E é muito mágico! O caminho está aberto! — comemora.

Depois de dois Natais longe da família, Samory decidiu que queria rever os pais na data em 2017. Com a ajuda de amigos, rifou um Ipad para completar o valor das passagens e veio ao Rio Grande do Sul na segunda quinzena de dezembro. Neste final de semana, ele retorna aos Estados Unidos para uma maratona de cinco competições indoor até fevereiro. Engana-se quem pensa que o jovem curtiu as férias no período das festas de final de ano. Pelo contrário, no início das manhãs de 25 de dezembro e de 1º de janeiro, Samory estava onde mais se sente à vontade: treinando na pista de corridas da Sogipa. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Rotina é na areia

Nome do atleta foi inspirado num guerreiro africano
Samory Touré foi um guerreiro e soberano Malinké, nascido em Miniambaladougou, na atual Guiné, em 1830, que resistiu à invasão francesa. Samory desenvolveu um exército poderoso, com mais de 30 mil homens, equipado com armas europeias e treinado em métodos modernos de guerra. Samory é considerado na história francesa pós-colonial o adversário mais forte que os franceses tiveram de enfrentar na África Ocidental. Ele aparece como um herói da resistência africana à expansão colonial. Samory foi capturado pelos franceses em 1898, na Costa do Marfim, e exilado no Gabão. Morreu em cativeiro em 1900, vítima de pneumonia.





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