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Piquetchê do DG

Conheça a mulher que é a Guardiã da Chama Crioula 

Um dos principais símbolos da tradição, a Chama Crioula demanda a dedicação de uma mulher apaixonada pela cultura gaúcha

31/08/2018 - 07h00min

Atualizada em: 31/08/2018 - 12h23min


Carolina Lewis
Carolina Lewis
Mateus Bruxel / Agencia RBS
Vera Aguiar tem a missão de não deixar a Chama Crioula apagar.

Centenas de olhares atentos e dezenas de litros de querosene e óleo diesel mantêm acesa a Chama Crioula na sede da 1ª Regional Tradicionalista, em Porto Alegre. O casarão histórico no bairro Tristeza abriga a centelha desde 24 de agosto, vinda do município de Iraí, que será levada para o Acampamento Farroupilha no dia 7 de setembro. 

De dentro desta casa, que foi do artista plástico Arthur Guarisse, surge uma senhora magra, cabelos e olhos claros e vestida de prenda. A ela, compete a missão oficial de não deixar a Chama Crioula se apagar. Vera Aguiar, 63 anos, é “A Guardiã da Chama” – e encara a tarefa com muita seriedade: não arreda pé de perto do fogo, a não ser em caso de extrema necessidade ou para ir ao banheiro.

– É um momento de respeito em homenagem aos nossos heróis, pessoas que lutaram e deram suas vidas pelo Rio Grande do Sul. O fogo representa essas vidas – afirma.

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Nem no dia do velório de Paixão Côrtes, Vera deixou de cumprir a sua missão: foi a única entre os colegas a não dar o último adeus ao ícone do tradicionalismo.

– A maior homenagem que eu posso prestar a ele é a de estar aqui, guardando a chama que ele cultivou – reconhece.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
No lampião, a centelha original da Chama Crioula acendida em Iraí.

Além de não tirar os olhos do candeeiro, Vera o abastece com querosene e óleo diesel várias vezes ao dia. Segundo ela, até o dia 7, em torno de 20 litros da mistura serão utilizados para manter a chama acesa. O lampião onde fica armazenada a centelha original também é abastecido com querosene e limpo pelo menos uma vez ao dia.

– Ali é o nosso templo, onde o tradicionalismo está cultivado. E nossas orações são as prosas, os versos, a roda de chimarrão – confessa. 

Aposentada há 12 anos, ela desempenha o papel pelo terceiro ano consecutivo e concilia a tarefa com outras atividades voluntárias. O orgulho é tanto que Vera chegou a dormir sozinha na sede, ignorando os boatos de que o local seja mal assombrado por fantasmas de ex-moradores.

– Eu ligo um fandango e coloco todos os fantasmas para dançar! – brinca a tradicionalista.

Ritual de Respeito e Cuidado

A tradição estabelece que a chama nunca fique desamparada. Por isso, a guarda é revezada entre diversos tradicionalistas vindos de CTGs da Região Metropolitana, que fazem plantões, em duplas, por 12 horas. Os guardiões se posicionam um de cada lado do candeeiro onde fica exposta a chama, segurando lanças na vertical. 

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Para a troca da guarda, é necessário que o responsável se aproxime daquele que está segurando a lança, peça licença e, lentamente, troque de lugar. Depois, eles se voltam para a chama, estendem suas mãos em direção a ela e juntos repetem a frase: “Pelo Rio Grande, Pelo Brasil”. Quando os guardiões precisam se ausentar ou não estão tão atentos, cruzam as lanças atrás do candeeiro para garantir a proteção da chama. 

O casal Maria Tereza Chagas Leite, 52 anos, e Luis Unirio Leite, 71 anos, do CTG Porteira Restinga, da Capital, faz questão de participar todos anos da guarda, desde 1992 – primeira vez em que a Chama foi para o Acampamento Farroupilha. 

– Cultivamos essa tradição para passar para peões e prendas mais novos, assim como os mais antigos passaram para nós. É uma forma de mostrar a eles que a Chama Crioula não pode se apagar – afirma Maria.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Maria Tereza e Luis Unirio desempenham a função desde 1992.

Fogo no lampião e no candeeiro

Duas chamas? Sim.  A chama exposta no candeeiro, que é a protegida pelos guardiões, é uma centelha secundá-ria da Chama Crioula, assim como as que são distribuídas pelos municípios do Estado. 

A centelha original – acendida em Iraí, fica armazenada em um lampião. O objeto garante a proteção do fogo da tradição durante o transporte pelos cavaleiros. 

Curiosidades sobre a Chama Crioula

// Foi criada em 7 de setembro de 1947 por Paixão Côrtes, que retirou uma centelha do “Fogo Simbólico da Pátria”. Seu significado é a união indissolúvel do Rio Grande à Pátria Mãe e o desejo de que a chama aqueça os corações de todos os gaúchos.

/// O acendimento ocorre até o final da primeira quinzena de agosto na cidade escolhida. O ato marca o início oficial das comemorações farroupilhas no Estado.

/// Em torno de 800 cavalarianos participam da distribuição da Chama Crioula para 300 municípios.

/// O Movimento Tradicionalista Gaúcho tem uma escala das cidades que sediarão o acendimento até 2044. Neste ano, foi Iraí. Porto Alegre está prevista para 2035.

/// Em 7 de setembro, a chama é levada da sede da 1ª Regional Tradicionalista para o Acampamento Farroupilha. A cavalgada distribui a centelha por diversos pontos históricos da cidade, entre eles o Colégio Júlio de Castilhos, onde a tradição foi iniciada.

/// No dia 20 de setembro, a chama é apagada, finalizando os festejos farroupilhas do ano.



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