Protagonismo
Mulheres empreendedoras da Restinga formam grupo para fortalecer negócios e mudar imagem do bairro
Cerca de 250 integrantes trocam experiências e aumentam redes de contatos profissionais
Foi surpresa até para as moradoras da Restinga o número de mulheres que comandam negócios no bairro. Muitos desses comércios funcionam informalmente, dentro de casas e de forma autônoma. Outros, porém, estão há anos em atividade, mas sem a visibilidade merecida. Essa percepção começou a mudar desde que um grupo se reuniu para discutir os negócios e abrir uma janela de oportunidades para as mulheres do bairro.
A protética Roberta Capitão Coimbra, 42 anos, nasceu e cresceu na Tinga. Há 16 anos, gerencia uma clínica odontológica e percebeu que muitos clientes se interessavam pelos seus serviços, mas desistiam quando dizia em que bairro estava localizada.
Tinha qualidade, preço competitivo mas, mesmo assim, perdia a clientela para regiões vizinhas. Roberta chegou a montar uma clínica na Hípica – que mantém até hoje –, mas não se conformava com a imagem distorcida que as pessoas tinham sobre a Restinga.
– Eu sempre trabalhei com o marketing da empresa e isso nos ajudou a expandir. As pessoas ligavam para cá, se interessavam. Mas, quando perguntavam onde ficava, não respondiam mais. Não queriam saber da minha estrutura, dos profissionais que atendiam aqui. A má fama do bairro me bloqueava – conta.
Vendo que a região tinha um potencial a ser explorado, começou a conversar com outras amigas sobre como mudar essa realidade. Elas resolveram, então, marcar um encontro.
Crescimento
O que era para ser pequeno, no boca a boca, ganhou proporções maiores, e acabou mobilizando dezenas de mulheres. As empresárias agendaram um encontro aberto e reuniram 80 pessoas. O primeiro ocorreu em maio, no qual mulheres com atuação em diversas áreas contaram um pouco sobre os seus negócios e trocaram contatos. Nascia aí, o Empreendedoras Restinga S/A.
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– Muitas não tinham cartão de visita, não utilizavam redes sociais. Aproveitamos para fazer o networking (rede de contatos profissionais). O objetivo era fazer com que elas se fortalecessem e se indicassem. Eu mesma descobri serviços que não sabia que existiam – explica Roberta, que completa:
– As pessoas falavam que não existia consumo no bairro por falta de dinheiro, mas eu encontro muitas pessoas da Restinga no shopping. Lá, elas gastam R$ 12 de estacionamento e pagam unha no salão que custa três vezes mais do que aqui. Precisávamos mudar isso.
Rede de contatos e divulgação de oportunidades
O preconceito, muitas vezes, estava enraizado nos próprios moradores. Empreendedoras revelaram que produziam bolos há anos, por exemplo, e só conseguiam vender para clientes de fora do bairro. Agora, pelo site, Facebook e Instagram do Empreendedoras, as mulheres aproveitam para divulgar seus trabalhos e mostrar os negócios. No Facebook, aliás, é possível encontrar esses serviços oferecidos e, no site, vagas e oportunidades abertas na Restinga.
Roberta destaca, também, que muitas participantes ainda trabalham na informalidade por falta de informação. Em uma pesquisa com 188 integrantes, 61,7% tem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), 22,9% não tem, mas quer se formalizar, 9% já estavam abrindo e as demais não se enquadravam em nenhuma das categorias.
Próximo evento
Algumas estão promovendo feiras para expor o que produzem ou revendem. O grupo já tem 253 mulheres cadastradas e não para de crescer. As empresárias receberam contatos de empresas interessadas em fornecer orientação empresarial. Grandes encontros passarão a ocorrer de três em três meses.
– Muitas tocam os negócios com os maridos e perguntavam se poderiam trazê-los. Eu disse que não, que elas podem ter as informações e dividir com eles, depois. Também definimos os encontros para as quartas-feiras, pois, enquanto eles assistem ou jogam futebol, nós vamos falar de negócios. Muitas mulheres assumiram o protagonismo – destaca Roberta.
No dia 14 de agosto, na Associação do Comércio e da Indústria da Restinga, as empreendedoras promovem o segundo encontro. Os 150 ingressos colocados à disposição já foram vendidos.
A especialista em pequenas empresas no Sebrae/RS Giovana Vanzella falará sobre como vender mais e melhor. Já a publicitária Mariana Oliveira dará dicas sobre redes sociais.
Atendimento de excelência com presença virtual
De técnica de enfermagem a dona de ferragem. A vida de Vanessa Luciane da Silva, 33 anos, deu uma virada há dois anos. Depois de trabalhar por cinco anos em um hospital, resolveu que era hora de ficar mais perto da família. O sogro Luciano mantinha uma ferragem na Restinga, a Ferragem Primavera, e Vanessa começou a demonstrar interesse por aquele universo.
Após o falecimento de Luciano, Vanessa sugeriu ao marido Fabiano, 39 anos, utilizar uma parte do espaço que ele tinha em casa e onde atendia aos clientes da refrigeração. Com algumas peças que herdou da antiga loja, Vanessa deu início a Ferragem Outono, na Estrada do Barro Vermelho, na Restinga Velha. Pouco a pouco, a empresária em ascensão começou a organizar o comércio. Precisou ampliar a área da loja, o que levou o marido a construir um novo espaço para ele poder trabalhar, nos fundos de casa.
Reconhecimento
Desde então, a fachada rosa da ferragem dá o tom de que o comando feminino opera por ali.
– Eu aprendi com a vida e com os clientes. Nunca tive vergonha de dizer, em algum momento, que eu não sabia qual era o produto que cliente estava me pedindo. Ou quando um fornecedor trazia algum produto. Ele me explicava e eu aprendia. Hoje, já domino quase tudo – revela.
A simpatia e força de vontade são facilmente reconhecidas pelos clientes. A artesã Cristina Quadros, 55 anos, conta que não existia nenhuma ferragem perto da localidade, o que facilitou para os consumidores. Além disso, a sensibilidade no atendimento de Vanessa serve de atrativo.
– É maravilhoso ter o atendimento dela, sempre sorridente. Espero que a iniciativa sirva como inspiração e coragem para outras mulheres. Se ela vende e eu compro, ela também pode comprar de mim, tudo gira em negócios – destacou.
Redes sociais
Com a chegada do Empreendedoras Restinga, que Vanessa conheceu por intermédio de uma amiga, a empresária passou a organizar novas etapas da empresa. Além da telentrega, do atendimento via WhatsApp e das publicações no Facebook, passou a investir também no Instagram. De que forma? Gravando vídeos explicativos.
Se o consumidor quer saber como trocar uma resistência, como instalar uma torneira elétrica, como trocar um sifão, só precisa acompanhar os perfis da ferragem (@ferragem_outono e facebook.com/FerragemOuton) e seguir as dicas da Vanessa, publicadas toda sexta-feira.
– O último vídeo fiz sozinha, não tinha ninguém para gravar. Uma empresa viu e me convidou para conhecer a fábrica em Porto Alegre e ir para a Construsul (feira voltada para a construção civil que ocorre na Capital) – conta.
A empresária faz tudo por conta própria:
– Eu compro de Santa Catarina, Espírito Santo, vou atrás do melhor preço. Vou até meia-noite, uma hora da manhã pesquisando.
Visão de negócios
Há 23 anos, Neli Constante Morais, 53 anos, e o marido Jurandir, 58 anos, escolheram a Restinga para abrir o negócio próprio. Após trabalharem no comércio como funcionários, eles decidiram abrir uma papelaria. No local, comercializam material escolar, livros, fazem revelações de fotografias, impressões, entre outros serviços. Uma parte do local, no entanto, era utilizada como depósito.
Percebendo as poucas opções de café na região, Neli resolveu usar o espaço para abrir um novo negócio. Agora, enquanto os clientes escolhem as publicações preferidas, podem aproveitar para consumir um café ou fazer um lanche. O local está em funcionamento há um ano, agregando opções no estabelecimento e empregando, junto à papelaria, 12 funcionários.
– Antes, fechávamos ao meio-dia, mas percebia que o pessoal que saia no horário do almoço, muitas vezes, não tinha para onde ir e que não havia nada aqui nesse estilo – explica Neli.
Parceria
Na empresa, Neli sempre dividiu as responsabilidades com o marido. Costuma cuidar das compras e dos funcionários. Para ele, a integração de várias mulheres do bairro é uma oportunidade importante de expandir o negócio.
– Esse projeto realmente abriu os olhos de muitas mulheres que estavam escondidas e resolveram agir. Aqui, a Neli sempre foi 50% do negócio e a ideia do café partiu totalmente dela – revela o marido.
Integrada ao projeto das Empreendedoras, Neli conta que a iniciativa trouxe novos conhecimentos e que já começou a trabalhar para impulsionar as redes sociais da loja para atrair clientes:
– Estamos conhecendo pessoas. Muitas empresárias eu nem sabia que trabalhavam aqui. Nossa ideia é aumentar as vendas, dar visibilidade ao bairro, pois vemos que muitas pessoas saem daqui e pagam mais caro por coisas que temos aqui por preços mais bairos. Além disso, acredito que há muito espaço para empreender.
Assim como Neli, Vanessa e Roberta, há muitas pessoas com talento e vontade de empreender. Os exemplos estão aí para serem seguidos e apoiados. Para essas empreendedoras, não existe vida fácil, mas nada é tão difícil que não se possa superar.
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