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"O pacote reduz o valor cobrado do passageiro, não aumenta o lucro das empresas", diz novo presidente da Carris

No cargo desde dezembro, Cesar Gricuc acredita que empresários do setor não terão mais lucro se a passagem baixar para R$ 2 em 2021, como quer o Executivo

11/02/2020 - 14h52min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Cesar assumiu comando da Carris em dezembro de 2019

Durante os últimos três anos, a empresa pública de ônibus Carris passou por um processo de renovação. Em 2016, a operadora do transporte público de Porto Alegre amargou um déficit de R$ 74 milhões. No ano seguinte, então, a prefeitura buscou administradores através do Banco de Talentos criado pelo governo de Nelson Marchezan Junior e trouxe, entre outros, Helen Machado para a companhia. Ela assumiu a presidência da entidade e liderou uma jornada da Carris na melhoria da saúde financeira. Em 2018, a empresa reduziu seu déficit para R$ 19 milhões

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Entretanto, 2019 terminou com uma surpresa: Helen deixou o comando da empresa após um convite para trabalhar na iniciativa privada. Assumiu o então diretor-administrativo financeiro, Cesar Griguc. Com a difícil missão de manter vivo o legado deixado por Helen e concluir um dos processos mais importantes da empresa atualmente — a compra de 97 ônibus novos —, Cesar terá de fazer em 2020 um ano essencial na virada de chave da Carris, iniciada em 2017.

Nesta semana, o novo diretor-presidente recebeu o Diário Gaúcho na sede da Carris e, duramente uma hora e maia, falou sobre temas como o processo de troca no comando da empresa, os desafios para renovar a frota e a sua visão sobre o pacote de projetos de lei enviados pelo Executivo à Câmara de Vereadores com o objetivo de baixar o preço da tarifa de ônibus da Capital para R$ 2 em 2021.

Confira a entrevista:

O senhor assumiu em dezembro no lugar de Helen Machado, primeira presidente mulher da Carris e que fez história a frente da empresa. Como foi essa troca no comando?
A transição foi um processo natural. A presidente Helen Machado já vinha recebendo muitas sondagens da iniciativa privada em razão do trabalho executado aqui. Então, ela conversou com o prefeito antes de sair e trabalhou para manter o mesmo grupo na diretoria, comigo assumindo a presidência. O prefeito validou a ideia e eu assumi em dezembro. Desde 2017, temos uma gestão onde a diretoria está muito alinhada, com propósitos bem traçados.

O principal objetivo desta gestão era zerar o déficit da Carris, que chegou a ser de R$ 74 milhões em 2016. Em 2018, esse número caiu para R$ 19 milhões. Neste último ano da gestão será possível cumprir esta meta?
O déficit zero no caixa, de zerar a necessidade de precisar do repasse de recursos da prefeitura para fechar as contas, continua sendo um dos nossos principais objetivos. Se cumprirmos outra meta importante, que é compra dos novos ônibus, temos chance de chegar ao caixa equilibrado. Não vai zera o déficit, aquele que sai no balanço, mas a geração de caixa (o índice de Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização, chamado EBITDA) fica positivo. Porém, o resultado do negócio tem aumentado ano a ano. Estamos melhorando a saúde da operação.

E o pacote de projetos de lei para reduzir a tarifa, enviado pela prefeitura à Câmara de Vereadores, ajuda nesses resultados?
Esse pacote, não. O pacote prevê, na verdade, algum tipo de economia, mas que é repassado para redução da tarifa. Em termos de resultado para o operador, não melhora a vida. Ele tem o objetivo de reduzir e beneficiar o custo para o passageiro. Vou pegar um exemplo simples e menos polêmico. As empresas pagam 3% da receita para EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), para a Câmara de Compensação Tarifária (CCT), mas recebemos esse valor dentro da tarifa. Se acabar com essa taxa, a compensação não entra na tarifa, mas a gente também não recebe ela. A prefeitura vai custear. Ou seja, não ganhamos nada, também não perdermos. A taxação dos carros de aplicativo, que terão de pagar R$ 0,28 centavos por quilômetro para rodar, isso vai reduzir a tarifa, não trazer lucro para a empresa. O operador não vai ganhar a mais da tarifa, vai ganhar o mesmo, mas subsidiado pela taxa do aplicativo. A minha dúvida é quando ao vale-transporte, queria entender com a EPTC como isso vai se refletir na receita, pois, sinceramente, não entendo. Queria saber como fizeram esse cálculo. A ideia geral do pacote é reduzir o valor cobrado do usuário, não o lucro dos operadores.

Mas se a passagem for R$ 2, não vai trazer mais gente para o ônibus?
Traz usuários, se for a passagem a R$ 2, mas é um sentimento meu, nada científico. Porém, uma das principais razões para as pessoas reclamarem do transporte público é o preço aliado com o serviço ruim. Com a passagem a R$ 2, algumas pessoas vão repensar na hora de pegar o carro de aplicativo, pois poderá valer a pena ir de ônibus. Além da passagem barata, tem que outros projetos que atraem usuários, principalmente, se forem coisas que dão agilidade ao transporte. Alguns, como corredores e faixas exclusivas, já estão sendo feitos. Eu vejo comentários dizendo que ganhar dois minutos ali na UFRGS (na nova faixa exclusiva para ônibus na Rua Engenheiro Luiz Englert) não adianta. Replica isso na cidade inteira para ver como tem um ganho. Eu sou um exemplo, se tivesse um transporte mais ágil, poderia pegar o T9 (linha operada pela Carris) para trabalhar. Hoje, com ele, demoro 50 minutos para chegar aqui na empresa. De carro, levo 15 minutos. Se eu tivesse um tempo menor de deslocamento no ônibus, óbvio que eu iria optar algumas vezes pelo transporte público.  Então, precisamos ainda mais de ações da prefeitura que ajudem no desenvolvimento da mobilidade urbana. Além disso, temos que trabalhar de maneira integrada, empresas da Capital e até da Região Metropolitana. Atualmente, temos muitas linhas que se sobrepõem no sistema. E temos pensado muito nestas linhas, das quais muitas podem, ou até já estão, sendo unificadas. Assim, a linha atende mais gente, por vezes, até com mais horários disponíveis, sendo melhor para a empresa e o usuário. Esse é o caminho, investir na eficiência do serviço.

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Manutenção da frota antiga é um desafio, diz Cesar

Mesmo com a criação de novas faixas exclusivas, por exemplo, a Carris ainda é a empresa que mais sofre por não cumprir horários.
A gente ainda sofre muito com a questão da frota antiga. E o índice de quebra dos carros tem aumentado, em função, claro, desta frota. Constantemente estamos tentando alternativas para mudar o processo de manutenção. Por muito tempo, não tivemos manutenção preventiva, o que fez a situação se deteriorar ainda mais. A gente tentou fazer a contração de uma empresa para fazer manutenção preventiva dos ônibus, mas o processo de licitação fracassou. Uma única empresa apresentou proposta, mas com valor extremamente alto. Estamos reescrevendo o escopo do edital, para achar uma empresa que faça isso. Atualmente, os nossos mecânicos próprios tem que se dedicar, quase integralmente, a manutenções corretivas, de novo, em razão da frota antiga. Se conseguirmos concluir a compra, os ônibus novos devem chegar em maio ou junho. Atualmente, cerca 30 dos 87 ônibus antigos (que precisam parar de rodar até maio) tem que passar diariamente por manutenção corretiva. Isso reflete lá na ponta, no cliente. Temos trabalhado muito forte na questão de melhorar o atendimento para o cliente. E essa mudança engloba isso tudo: ônibus no horário e com qualidade melhor.

A promessa era de que os ônibus chegassem em outubro do ano passado, depois foi para fevereiro deste ano, agora para junho. O que deu errado?
No ano passado, quando a Carris lançou seu edital, a expectativa era conseguir dinheiro para custear os novos ônibus por conta própria. Tivemos uma melhora de sua saúde financeira. Porém, só a Caixa Econômica Federal topou financiar os R$ 40 milhões para aquisição dos coletivos e com a condição de que a prefeitura fosse garantidora dos valores, uma espécie de fiador. Para isso acontecer, foi necessário a Câmara de Vereadores aprovar uma lei que autorizasse o município a ser "fiador" da Carris. A lei foi aprovada relativamente rápido, mandamos para Câmara em setembro e aprovou em novembro. Enviamos a lei aprovada para a Caixa. Isso tramitou lá e depois nos enviaram a minuta do contrato de financiamento, em meados de dezembro. Então, entraram mais etapas que não tínhamos previsto. O financiamento precisou passar por avaliação Tesouro Nacional, para aprovação da garantia da prefeitura. Agora, a Caixa fez uma espécie de dossiê, para verificar se as etapas do processo foram cumpridas e estão adequadas. Liberado isso, falta uma última etapa, que não é diretamente ligado conosco. O Conselho Monetário Nacional tem de fazer a liberação de crédito, permitindo aos entes públicos no país fazerem operações. Isso deve ocorrer até março, que é a nossa expectativa para assinar o contrato de financiamento. Mas, vou te dizer assim, a gente não pode afirmar. Hoje é o cronograma que a gente tem. O que a gente aprendeu no processo, é que a medida que evoluía, surgia uma ou outra exigência que a gente cumpria. Mas, creio que dá nossa parte, já fizemos todo o possível. 

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Nesse meio tempo, a licitação do ano passado venceu, no dia 31 de janeiro. Agora, está tendo de ser refeita.
O preço que as empresas ofereceram em abril do ano passado ficou defasado. Uma, inclusive, deixou o edital. Além disso, o pagamento se daria a partir de 60 dias do faturamento do ônibus. Agora, como vamos ter o dinheiro da Caixa, vai ser tudo pago numa única parcela quando todos os carros forem entregues. Não podíamos acrescentar todas estas mudanças no no edital do ano passado. E as propostas feitas pelos interessados estavam válidas só até 31 de janeiro. Então, estamos fazendo uma nova licitação. Atualmente, estamos no processo de cotação, lançaremos o edital no final desta semana (sexta-feira, dia 14) e o prazo vai até mais ou menos 15 de março. Aí, as duas coisas se juntam: teremos o contrato da operação da Caixa e também em março, os contratos para chassi e carroceria. Iniciada a produção dos coletivos, já chegam entre maio e junho os novos ônibus.

E não tem risco fazer uma nova licitação?
Risco sempre tem, mas o que a gente tem observado, como são poucos players no mercado, temos a sinalização de quase todos como interessados em participar. Três, inclusive, já encaminharam as cotações de preço. É um risco pequeno de dar errado. Mas a gente sabe que é licitação. A gente vai definir um valor de referência e as propostas tem que atingir esse valor. A ideia é que sejam semelhantes aos do ano passado, as carrocerias devem ser próximas de R$ 200 mil cada e o chassi deve ficar num valor menor do que R$ 270 mil. Normalmente, os preços baixam durante a negociação. Tem que ficar próximo dos R$ 40 milhões da Caixa, se ficar um pouco a mais, a gente tem recurso próprio, se for menos, fica na Caixa. Vamos fazer licitação para 97 ônibus, pois a Caixa exige que a gente participe com 10% do investimento. Os R$ 40 milhões tem que representar até 90% da compra, aí os outros R$ 4 milhões em recurso próprio, da Carris, não da prefeitura, vamos aplicar para o investimento. É possível, a venda dos ônibus velhos também vai nos gerar um renda extra. E esses 10 ônibus a mais, em relação ao ano passado, adiantam parte de outros 42 coletivos que também teremos que substituir no ano que vem.

Com essa nova licitação, não fica a sensação de o processo voltou ao início?
O que difere é que no ano passado é tivemos tempo para preparar o edital. Agora, já temos ele pronto, com as características técnicas necessárias. Vamos pegar e atualizar algumas coisas e buscar novos interessados. É um voltar pro início, mas nunca vi um edital ficar pronto tão rápido. Onde estamos avançados é na questão do financiamento. A gente lançou o edital do ano passado sem qualquer menção de como íamos pagar. Isso até afastou alguns interessados. Agora, temos isso, os fornecedores sabem como vamos pagar. Vai ser um processo mais redondo.

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