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Eleições  2020

Número de vereadoras eleitas na Região Metropolitana cresceu 52,9%

Enquanto cidades vizinhas da Capital somavam 17 mulheres no Legislativo em 2016, número saltou para 26 neste pleito. Porém, representação dentro do todo ainda é pequena

05/12/2020 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Juliana Carvalho (MDB), foi a vereadora mais votada da história de Eldorado do Sul

Porto Alegre virou destaque no cenário nacional ao eleger 11 vereadoras no pleito deste ano. Serão mais de uma dezena de mulheres ocupando as 36 vagas na Câmara Municipal. Foi o ano com mais vereadoras eleitas da história da Capital. Mas será que esse comportamento foi tendência apenas na cidade mais populosa da Região Metropolitana, ou se espalhou pelos municípios vizinhos? 

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Conforme levantamento feito pelo Diário Gaúcho, nas outras 11 cidades da Região Metropolitana, sem contar Porto Alegre, o número de vereadoras cresceu 52,9% no comparativo com o pleito de 2016. Naquele ano, as cidades metropolitanas somavam 169 vereadores — destes, 17 eram mulheres. Em 2020, o número total cargos nas câmaras municipais subiu para 171 e foram eleitas 26 mulheres. Dentro do todo, o número ainda é pequeno. Em 2016, elas representavam só 10% do total nos legislativos da Região Metropolitana. Agora, a partir de 2021, serão 15,2%.

Estendendo o olhar sobre cada cidade, é possível ver que nem todas seguiram a tendência de Porto Alegre, com aumento no número de mulheres. Das 11 cidades pesquisadas pelo DG, em quatro, só uma vereadora foi eleita. Em cinco, foram duas. E apenas duas cidades elegeram mais de duas mulheres. Sapucaia do Sul terá três mulheres entre o total de 11 vereadores. 

Já Alvorada, terá quatro vereadoras entre os 17 cargos disponíveis. A cidade que faz limite com a Capital é a que, em quantidade, elegeu mais mulheres depois de Porto Alegre. Mas, proporcionalmente, Sapucaia do Sul é que terá a maior bancada feminina da Região Metropolitana, com 27,2% de mulheres entre os membros da Câmara. Em Alvorada, elas representam 23,5%. Nestes dois municípios, o número de vereadoras eleitas cresceu em relação a 2016, havendo a eleição de uma mulher a mais do que no pleito passado em cada um das cidades.  

Recorde e mudança de cenário

 Um destaque fica por conta do município de Eldorado do Sul. Lá, as mulheres não apareciam entre os eleitos para o Legislativo há dois mandatos. Agora, não só duas mulheres foram eleitas, como ficaram no topo da preferência dos eleitores. 

Aos 35 anos, Juliana Carvalho (MDB), somou 1.840 votos, ultrapassando a marca que pertencia ao já falecido ex-vereador Vidal Amaral, que somou 1.004 votos no pleito de 2016, tornando-se a mais votada da história da cidade. 

Em segundo lugar no pleito, com 1.333 votos, foi eleita Daiane Gonçalves (PDT).

Mesmo que esteja indo para o primeiro mandato, Juliana já tem envolvimento político, tendo tentado a vaga em 2016, mas também passando por duas secretarias municipais da cidade, sendo a titular da pasta da Saúde entre 2017 e março deste ano. 

A vereadora eleita cita a importância da conquista:

– Nós, mulheres, estamos ocupando mais esse espaço que é tão importante para a vida de todos os eldoradenses. Esse resultado mostra que a nossa representatividade importa e que somos capazes de ocupar, inclusive, os primeiros lugares. Estou muito feliz pelo resultado, que foi fruto de um trabalho intenso.

Luta para receber reconhecimento

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Gabriela, de Sapucaia do Sul, durante a campanha

Eleita em Sapucaia do Sul para o seu primeiro mandato, Gabriela Ortiz (PDT), 23 anos, é a vereadora mais jovem da história do município. Ela diz que foram suas diferenças que a motivaram a concorrer ao cargo.

— Foi uma campanha atípica não só pela pandemia, mas também pela discriminação. E eu, como mulher, sofri com esse fator. Estudei e me preparei muito, pois sabia que pelo fato da minha idade e por ser mulher, iriam questionar muito mais a minha capacidade. Em 59 anos de município, somente sete mulheres foram eleitas na nossa cidade, enquanto mais de cem homens já foram eleitos. E vencer foi uma prova de que as pessoas estão reconhecendo novas lideranças, que mulheres e jovens buscam sua representação na Câmara — comemora Gabriela.

Mais votada entre as mulheres e terceira entre todos eleitos de Sapucaia, Veridiana Pacheco (PRTB), 37 anos, diz que "sente na pele a dádiva, mas também as inquietações de ser mulher": 

— E esse sentimento lhe capacita para representar e fortalecer essas guerreiras que, com seu voto, me disseram, "eu conto contigo".

Outro fato interessante em Sapucaia do Sul é que a vereadora Raquel Moraes (PDT), 47 anos, eleita para o seu terceiro mandato, foi a primeira e única entre 31 homens que já presidiram a Câmara a ocupar este cargo. 

— Em uma cidade com 59 anos, só uma mulher ocupou a presidência da Câmara Municipal. Então, ainda é importante avançar. Por isso, com o aumento de eleitas neste pleito, acredito que a capacidade feminina mostrará, principalmente, para as novas gerações, que é possível trabalharmos juntos, mulheres e homens, para construção de qualidade de vida para todas e todos.

Em Esteio, presença reduzida 

Entre as 11 cidades da Região Metropolitana, duas reduziram o número de vereadoras, Esteio e Novo Hamburgo. Os municípios tinham duas representantes cada em suas câmaras, mas o número será de somente uma em cada local a partir de 2021. Única mulher eleita em Esteio, Fernanda Fernandes (PP), 38 anos, lamenta a redução no número de mulheres eleitas na cidade. Ela recorda que o município já teve metade dos cargos ocupados por vereadoras, com cinco representantes eleitas no pleito de 2012. Em 2016, o número caiu para duas e agora somente Fernanda foi eleita, indo para seu segundo mandato.

— Cabe uma reflexão, de por que, depois de tanto investimento em aumentar mulheres, aconteceu esse resultado. Mas, como única representante feminina, vejo que minha responsabilidade é ainda maior. Por isso, quero trazer para o meu mandato todas as mulheres, independentemente de partidos e ideais, para que a gente possa construir juntos projetos que valorizem pontos importantes para a comunidade toda, mas, principalmente, para as mulheres das nossas comunidades — aponta Fernanda.

"Lugar de mulher é onde ela quiser"

Em cinco cidades, o número de mulheres na Câmara aumentou. As cidades de Alvorada, Gravataí, Sapucaia do Sul e Viamão ficaram com uma representante a mais cada no comparativo com a eleição de 2016. Em outras quatro cidades — Canoas, Cachoeirinha, Guaíba e São Leopoldo —, o número de mulheres eleitas se manteve o mesmo. Eleita em Gravataí — onde agora serão duas vereadoras na Câmara, uma a mais que em 2016 — Anna Beatriz (PSD), 34 anos, acredita que "a mulher na política ainda incomoda muita gente, por se tratar de um ambiente ainda muito machista".

— A luta é diária por reafirmar o nosso papel na política. Nós, mulheres, somos quem mais sofre por falta de políticas públicas, desde as referentes a nossa saúde, as vagas na educação infantil aos nossos filhos, passando por condições de trabalho e, principalmente, pela falta de segurança, e com isso o aumento da violência. Por tudo, ser eleita me traz a responsabilidade de representar, fiscalizar e ser a voz das mulheres na Câmara.

Para a vereadora eleita em São Leopoldo, Ana Affonso (PT), 47 anos, o avanço nas eleições ajuda a "consolidar a ideia que lugar de mulher é onde ela quiser". Ana também já foi deputada estadual e concorreu como vice-governadora nas eleições de 2018:

— Sinto que nosso desafio é não só de resistência, mas ocupar os espaços de decisão com coragem e mostrando nosso trabalho e qualificação.

Em Guaíba, a vereadora eleita Carla Vargas (PTB) , 46 anos, levanta a bandeira de que as mulheres precisam, não só na política, mas na vida, "de igualdade nas oportunidades e na inclusão, e não de mais discriminação".

— Sou mãe, sou jovem e sei o tamanho da responsabilidade que tenho perante a comunidade, mas farei o possível para retribuir cada voto de confiança — projeta Carla.

A reportagem não conseguiu contato com nenhuma das vereadoras de Alvorada. 

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Anna Beatriz, eleita em Gravataí, durante a campanha

Mandato feminino e coletivo

Mas, para além do fato do aumento de uma vereadora em Viamão, outro fenômeno marcou a eleição da cidade: as candidaturas com mandatos coletivos. Uma pessoa representa oficialmente o cargo na urna, mas as decisões são coletivas. Foi o caso da vereadora Fátima da Silva Maria (PT), 56 anos. Além de ser a primeira mulher negra eleita vereadora na cidade da Região Metropolitana, Fátima levará consigo outras quatro mulheres, também negras, que terão participação no mandato coletivo.

— Tu estar na disputa de um pleito em que sofremos duplamente, por sermos mulheres e negras, é um desafio e uma enorme luta, pois a trajetória não foi fácil antes e não será agora. Ocupamos esse espaço com muita luta, firmeza e esperança, pois sabemos que nós, mulheres negras, precisamos e devemos ocupar esses espaços de decisões _ explica Fátima.

Sobre o mandato coletivo, ela define que "nenhuma delas estará sozinha", seja para as decisões, que serão exigidas de Fátima, como representante legal do mandato, ou para "compartilhar os momentos difíceis que estão dispostas a enfrentar":

— Até hoje, Viamão nunca tinha eleito uma mulher negra. Agora, seremos cinco neste mandato coletivo, dispostas a representar a população no legislativo.

"É um passo pequeno, mas significativo"

Mesmo que o crescimento nas cidades da Região Metropolitana, sem contar a Capital, tenha sido superior aos 50%, a representação dentro do todo ainda é pequena, como avalia Sueli Maria Cabral, doutora em Ciências Sociais, socióloga e professora do mestrado em Psicologia da Universidade Feevale. Ela diz que a representação percentual é alta, mas compara: aumentar de um para dois é um salto de 100%, mas não significa tanto em quantidade. Ainda assim, ela diz que o aumento numérico real, apesar de pequeno, é significativo. 

— É como um passo de formiguinha, mas um passo muito importante — ilustra a socióloga.

A razão por as mulheres serem minoria está ligada diretamente à nossa história, conforme Sueli. Ela recorda que as mulheres só tiveram seu direito de voto concedido há menos de 90 anos, em 1932. 

— Em um contexto de história da humanidade, 90 anos é pouco tempo. Para nós, mulheres, são apenas nove décadas de um direito que veio aos poucos. Aliás, somente em 1995 criou-se um teto mínimo de 30% das candidaturas serem de mulheres, e isso poderia ser contado em coligações. Esta foi a primeira eleição em que cada partido, individualmente, precisou ter 30% de mulheres entre seus candidatos. Uma demonstração de como o avanço é lento — contextualiza Sueli.

Resposta à polarização de 2018

Para ela, o crescimento no número de mulheres eleitas representa uma saturação de eleitores com a polarização que marcou o pleito de 2018, além de "ser um passo contra a perda da civilidade e falsa sensação de que destilar ódio é algo aceitável".

— Desde a eleição de 2018, algumas pessoas passaram a se sentirem livres para expressar racismo, machismo, homofobia, achar isso aceitável. Mas, neste cenário, ainda existem pessoas extremamente descontentes e que estão cansadas dessa polaridade, que querem mudanças. A ida das mulheres para a disputa e o aumento de suas vitórias podem representar que a população está cansada desta falta de civilidade e dessa velha forma de fazer política — aponta a professora.

Por fim, Sueli ressalta que os traços culturais da sociedade que ligam a mulher aos cuidados domésticos também acabam fazendo seu olhar na política ser voltado para questões sociais, como saúde e educação. Por isso, com mais mulheres entre os representantes políticos, "as decisões tendem a ser mais democráticas":

— Para aumentar essa representatividade, só há um caminho, o processo educativo. Seja na educação formal ou informal. É preciso destes dois aspectos, das relações da escola, do bairro, de que as próprias mulheres entendam a importância do nosso papel social. Para que a gente avance até o ponto em que não seja importante o fato de ser homem, mulher, negro, LGTB, etc. Mas, é importante ressaltar que hoje, ainda estamos bem longe disso, por isso ainda é necessário lutar por estes espaços.

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