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Bicharada

Protetores relatam desafios para manter seus animais

Pessoas que acolhem cães resgatados enfrentam dificuldades para arrecadar alimentos. Conheça algumas histórias e saiba como ajudar. 

07/07/2021 - 11h11min

Atualizada em: 11/07/2021 - 15h28min


Mateus Bruxel / Agencia RBS
Nilza Vaz Corvelo dedica sua vida aos cuidados dos 60 cães

É em uma viela localizada na Parada 9 da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, que mora Nilza Vaz Corvelo. Há mais de uma década, a aposentada de 77 anos dedica seus dias aos cuidados dos 60 cães que se tornaram sua companhia. Apesar das dificuldades, a paixão pelos animais a move a fazer deles uma das principais prioridades em sua vida. 

Até os seus 64 anos, trabalhou como faxineira. Na época, tinha oito cães. Com a chegada da aposentadoria, e na medida em que foi ficando sozinha por lá, passou a dar ainda mais atenção aos animais.

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A dona Nilza, como é conhecida, resgata os cães feridos que encontra pelas ruas. Como exemplo, ela comenta que é comum ir visitar sua irmã, que mora em Gravataí, e acabar se deparando com cachorros atropelados nas beiras das estradas. Não pensa duas vezes: os acolhe e os leva para casa. Além disso, tornou-se corriqueiro outras pessoas abandonarem animais em seu portão. 

Amizade  

Em seu terreno, o espaço que hoje é ocupado pelos cães já serviu como moradia para inquilinos. Dentre eles estavam Joersio Nascimento Silva, 38 anos, e sua filha Maria Eduarda França Rodrigues, hoje com 22 anos, que ajudam a aposentada na assistência aos bichos. 

Eduarda, que passou parte de sua infância no local, comenta que dona Nilza tratava as crianças das famílias que alugavam as casas como filhos. Eduarda acredita que, com o passar do tempo, e na medida em que os inquilinos forma se mudando, os cães tomaram o lugar das pessoas que por lá moravam. 

Joersio e a filha, que hoje são moradores do bairro Partenon, mantiveram uma relação de amizade com a tutora dos animais após mudarem-se do local. Nos últimos dois anos, ao verem que a quantidade de cães estava imensa, Joersio passou a ir periodicamente até o local, para ajudar a aposentada no cuidado dos bichos e da casa. 

“Não largo meus bichinhos de jeito nenhum”

Em novembro de 2020, Nilza sofreu uma queda. No hospital, foi constatado que precisaria de cirurgia. Preocupada em não ter quem cuidasse de seus bichos, não fez a operação de imediato. Saiu do hospital direto para casa de Joersio e Eduarda. A protetora afirmou que só faria a cirurgia se eles se responsabilizassem pelos cães. 

– Na mesma hora que ela contou a história, saímos correndo para o hospital para conseguir a vaga dela novamente. Graças a Deus, explicamos a situação e eles a acolheram – conta Eduarda 

O acidente aproximou ainda mais os três. Depois de quase um mês internada, a aposentada ficou na casa dos amigos, que passaram a cuidar dela e de seus bichos. 

Por quatro meses seguiram nessa rotina, até Nilza ter condições de voltar para sua casa, em abril. A aposentada tem feito sessões de fisioterapia, e brinca que precisa dar atenção a sua saúde para poder cuidar dos animais: 

– Estou quase na casa dos 80, cuidando da cachorrada. Ainda caí e quebrei minha perna, é um sufoco. Mas estou na luta, não largo meus bichinhos de jeito nenhum. Sempre cuidando deles. – declara dona Nilza.

Ajude

/// Para a alimentação dos animais, Nilza precisa de mais de 200 kg de ração e 150 kg de arroz por mês. Ela aceita  doações.

/// Dos 60 animais, apenas três não foram castrados. A aposentada tenta encontrar adotantes, mas, como são cães adultos, ela comenta ser mais difícil. 

/// Para conhecer seus cães ou ajudar com mantimentos, entre em contato com Eduarda pelo número (51) 98435-0607. 

Em Viamão, protetoras lutam por políticas públicas

Lauro Alves / Agencia RBS
Suzana mantém 30 cães em sua casa

Em Viamão, a dona de casa Suzana Dias, 61 anos, do bairro Vila Augusta Fiel, se tornou uma das referências de sua comunidade quando o assunto é cuidado com os animais. Em sua residência, ela tem 

30 cães resgatados das ruas, e ainda ajuda vizinhos que, sem condições financeiras, não conseguem alimentar os seus bichos. Suzy, como é chamada, é uma das muitas protetoras que atuam voluntariamente no município, e há anos luta para que a cidade tenha políticas eficazes de assistência aos animais. 

Em 2013, a prefeitura de Viamão aprovou a lei municipal nº 4.186/2013, que criou as diretrizes para as políticas municipais de atenção aos animais. Segundo a legislação, torna-se competência do município zelar por seus direitos, assegurando a posse responsável, a castração, a redução da população de animais abandonados, dentre outras recomendações. A partir desta lei, Suzy e outras protetoras têm questionado a atuação do poder público.  

– Aqui em Viamão, é muito animal sem atendimentos. Por não ter se desenvolvido um programa eficiente em relação aos animais, de resgate, tratamento e adoção, muitas pessoas como eu ficam com esses animais nos seus pátios. E isso está causando a nós, e aos próprios bichos, transtornos na qualidade de vida – comenta a dona de casa. 

Descaso  

Há 20 anos Suzana trabalha no cuidado de animais. Ela os acolhe, castra e busca adotantes. Mas é comum não encontrar novas famílias para os cães, que acabam ficando em sua casa.    Ela conta que se torna normal ver cães pelas ruas da cidade, e que são as ONGs e os voluntários quem têm feito as principais ações de resgate desses animais. 

Já a protetora Linda Inês da Silva, 26 anos, do bairro Passo da Areia, procurou o Diário Gaúcho para contar a história de um cachorro que ela e a mãe salvaram. Há algumas semanas, as duas escutaram disparos por perto. Depararam-se com o vizinho atirando em alguns cães. É que ele estava de mudança, e não queria levar os animais. 

Segundo Linda, três acabaram morrendo e um quarto ela conseguiu salvar. Após registrar um Boletim de Ocorrência, buscou a prefeitura para encaminhar o animal ferido a algum veterinário, mas não obteve ajuda.  

– Viamão é uma tristeza em relação aos animais. Aqui, os bichos morrem na rua sem atendimento. E não são castrados. Eles ficam se multiplicando e não damos conta de tanto bicho – declara Linda, que ainda comenta sobre a falta de um projeto eficaz de esterilização.  

A reportagem questionou a prefeitura de Viamão sobre os problemas apontados pelas protetoras e sobre as ações voltadas aos animais que a gestão tem desenvolvido. Não obtivemos um retorno até o fechamento desta edição. 

Suzana, que no momento passa por dificuldades financeiras, pede doações de alimentos para seus cães, além de fazer um apelo para quem tiver interesse em adotá-los. Para ajudar a dona de casa, entre em contato pelo telefone (51) 99227-6596.

Acolhimento consciente 

Uma pesquisa realizada pelo Instituo Pet Brasil, divulgada em 2019, estimava a existência de 3,9 milhões de animais vivendo nas ruas ou sob os cuidados de pessoas com poucas condições financeiras no país. O veterinário Humberto Schmidt, especializado em atendimento comportamental para cães e gatos, comenta que, além do abandono, esses animais costumam passar por situações traumáticas como maus tratos, fome e exposição prolongada a climas extremos. Ele explica que, quando resgatados, em razão das experiências negativas que viveram, esses cães e gatos pedem demonstrar comportamentos de medo e ansiedade. Por isso, é importante que seus tutores tenham paciência com os animais acolhidos. 

Humberto reforça que o resgate de animais é uma atitude muito nobre, porém é necessário que o protetor tenha consciência de seus limites e capacidades. 

– Quem faz o resgate precisa oferecer condições mínimas de nutrição, higiene e cuidados veterinários. A superlotação de animais resgatados pode gerar problemas comportamentais para esses animais por conta do estresse, além de propiciar a contaminação e transmissão de doenças – comenta.

Para garantir o bem-estar dos animais acolhidos das ruas, é importante compreender que eles possuem comportamentos, características e necessidades diferentes uns dos outros. O veterinário apresenta algumas orientações para auxiliar os tutores na adaptação e cuidados diários dos animais resgatados:

/// Evitar movimentos bruscos e usar um tom de voz mais baixo e calmo pode ajudar no processo de adaptação.  

/// Evitar interações forçadas. É importante priorizar que o mascote tenha a iniciativa de se aproximar. Quando isso acontecer, o tutor pode recompensar o pet com alguns petiscos e brincadeiras, para reforçar positivamente a aproximação do novo amigo. 

/// Organize o ambiente. Eles precisam de locais adequados para descansar, se abrigar, se alimentar e fazer suas necessidades.  

/// É saudável oferecer uma rotina com horários específicos para os animais, como momentos reservados para passeios ou brincadeiras. 

/// Acima de tudo, levar o pet ao veterinário e acompanhar com atenção seu estado de saúde.

Produção: Émerson Santos 

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