História viva
Museu expõe vestido de casamento e encontra noiva que o usou há 70 anos em Porto Alegre: “Parece que vesti ele ontem”
Traje foi doado à Igreja São João, sem qualquer identificação da noiva; Peça está exposta no Museu Julio de Castilhos, Centro Histórico da Capital
Lina Antonieta Zanini realizou o sonho de boa parte das jovens da metade do século passado: aos 22 anos, na década de 50, casou-se na igreja, com vestido branco de cauda longa. O traje, costurado por sua irmã, nunca mais foi usado. Com o cuidado que a roupa representa, ela o guardou, em um espaço de casa protegido das traças.
— Ficou apenas umas manchinhas, um amarelado do tempo, sabe? — afirma a idosa, hoje com 91 anos.
Sete décadas depois, já viúva, Lina decidiu doar o vestido. Procurou a igreja São João, na zona norte de Porto Alegre, e entregou a peça, junto a outras vestes da época: a camisola de núpcias, os agasalhos que pertenciam ao casal de filhos e brinquedos do mesmo período. Ao identificar a relevância histórica das doações, a paróquia as encaminhou para o Museu Julio de Castilhos, o mais antigo do Rio Grande do Sul - e o primeiro do Brasil república, segundo a museóloga Doris Couto, diretora da instituição.
As roupas acompanhavam duas fotografias em preto e branco. Em uma delas, a mulher está sentada no chão, rodeada por um círculo formado pela vestimenta. Além dos bordados, pérolas foram dispostas do peito à base. Não havia, contudo, o nome, endereço ou qualquer informação da mulher.
— Era inconcebível ter aquela peça e não saber quem era a noiva. Fizemos reiterados contatos com a secretaria da igreja para a localizar. Eles não sabiam nem o nome. Aí um dia a filha foi novamente à igreja e pudemos nos encontrar — relembra a responsável pelo museu.
A idosa foi localizada pelos religiosos, e explicou ter imaginado que o tecido de seda poderia servir para coser novas roupas, de preferência a crianças carentes. Só então soube que a peça seria exposta no museu do Centro Histórico da Capital, e foi tomada por um misto de emoção e espanto.
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— Fiquei emocionada. Emocionada mesmo. Ver ele em um pedestal, impecável, como se fosse novo. Parece que vesti ele ontem. O cuidado que eles tiveram me deixa com o coração tranquilo — assegura a viúva.
Para devolver os tons claros originais, o vestido recebeu um tratamento tão tradicional quanto casar-se de branco, compara a museóloga: lavado com água e sabão de coco, colocado para secar nos primeiros raios de sol da manhã. O processo durou uma semana e foi indispensável para sua admissão no acervo.
— Em respeito aos nossos visitantes, retiramos as manchas, pra expor. E ele faz parte da história de Porto Alegre, pois a dona Lina viveu a enchente de 1941, viu o início da construção da Avenida Farrapos, tem tanta história — complementa a museóloga.
O traje está protegido por uma redoma de vidro, junto à retratos de Lina. A exposição Narrativas do Feminino apresenta a participação da mulher gaúcha na construção do Estado, de acordo com a direção do museu. O Museu Julio de Castilhos é vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, e o acesso é gratuito, segue os protocolos de segurança exigidos pela pandemia e não necessita agendamento.
A equipe do Museu Julio de Castilhos criou também uma iniciativa em busca de objetos que remontem à história do povo negro no RS. A “Campanha Acervo Afro-Gaúcho” aceita documentos, vestimentas, adornos, fotografias ou qualquer peça que tenha sido utilizada no Estado, indiferente da profissão de quem a possuiu. Contatos podem ser feitos no e-mail museujuliodecastilhos@gmail.com, pelo telefone (51) 3221-3959 ou ainda no WhatsApp (51) 98585-2999.
Ouça a entrevista de dona Lina e da museóloga Doris Couto ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha: