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Palometas

Piranhas-vermelhas avançam pelo RS, chegam ao Guaíba e podem atingir Lagoa dos Patos e Rio dos Sinos

Espécie é típica da bacia do Rio Uruguai e já havia sido registrada em cidades banhadas pelo Rio Jacuí

10/11/2021 - 22h09min


Marcel Hartmann
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Jhully Costa
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Autoridades identificaram os peixes também na Bacia do Guaíba, próximo a Barra do Ribeiro

Com a chegada do calor e baixos níveis de chuva, a piranha-vermelha (Serrasalmus Maculatus), peixe agressivo típico da bacia do Rio Uruguai, atravessou o Rio Grande do Sul, chegou ao Guaíba e pode atingir municípios banhados pelo Rio dos Sinos e pela Lagoa dos Patos, alertam autoridades da área ambiental.  

A piranha-vermelha, também chamada de palometa, é comum na região da bacia do Rio Uruguai, em cidades como Uruguaiana e Rosário do Sul (confira no mapa abaixo). Em novembro do ano passado, esse peixe invadiu, possivelmente por meio de lavouras de irrigação, a bacia do Rio Jacuí, que banha cidades como Cachoeira do Sul e Rio Pardo.  

Há baixíssima possibilidade de morder banhistas e maior risco de desequilíbrio do ecossistema e de prejuízo a pescadores — palometas costumam comer outros peixes quando capturadas em redes de arrasto. Em uma colônia de ribeirinhos de General Câmara, a proliferação de piranhas-vermelhas fez com que a pesca diária de 20 kg por pescador caísse para 2 kg, segundo a Revista Globo Rural.  

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Maurício Vieira de Souza, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), aponta que, até o momento, o órgão já foi informado sobre a ocorrência da piranha-vermelha enquanto invasora nos municípios de Santa Margarida do Sul (Rio Vacacaí), Restinga Seca, Rio Pardo, Cachoeira do Sul, Santa Cruz do Sul, General Câmara, Vale Verde, São Jerônimo (Rio Jacuí) e Estrela (Rio Taquari).  

No entanto, autoridades agora identificaram o peixe também na Bacia do Guaíba, próximo a Barra do Ribeiro, o que indica que o animal passou por Porto Alegre, afirma o diretor do Departamento de Biodiversidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema-RS), Diego Melo Pereira, que participa das discussões para monitoramento da espécie — quem coordena as ações é o Ibama, autarquia federal. 

— Essa espécie ocorria na bacia do Rio Uruguai e, quando se desloca à bacia do Rio Jacuí, gera uma espécie de desequilíbrio no ecossistema. Se ele veio do Rio Jacuí e se estabeleceu na Barra do Ribeiro, na ida para Viamão, com certeza circulou por Porto Alegre — diz Pereira. 

De acordo com Souza, ainda não chegou oficialmente até o Ibama um registro de que os animais tenham sido avistados na Capital. Porém, ele ressalta que não é algo improvável, já que as palometas se espalharam pela bacia hidrográfica e não há barreiras para que elas alcancem outros afluentes das bacias do Jacuí, Guaíba, Lagoa dos Patos, entre outras: 

— Os animais estão se espalhando, é o processo biológico deles, e nós como seres humanos não conseguimos controlar. Não havia chegado essa informação (das piranhas em Porto Alegre) para nós, mas isso só agrega a escala do problema.  

Preocupada com a situação, a Defesa Civil de Cachoeira do Sul, onde as palometas estão mais concentradas, entrevistou pescadores da região para um relatório, divulgado no fim de setembro. A análise mostrou que 70% dos peixes continham ovas — portanto, estavam em condições de reprodução.  

Não houve relatos de mordidas em humanos ou prejuízo financeiro a pescadores, mas o documento mostra que quase 25% das piranhas-vermelhas pescadas por ribeirinhos da cidade tinha mais de 20 centímetros.  

“A presença de espécie invasora com captura em pontos e recursos hídricos distintos e já com maturação sexual se caracteriza por um dano ambiental que deverá ser avaliado à devida proporção de desequilíbrio ambiental”, diz o documento.  

Situação de monitoramento no Rio Jacuí

Cristiano Garcia, agente da Defesa Civil de Cachoeira do Sul, destaca que as piranhas-vermelhas “chegaram para ficar” no Rio Jacuí, mas que o cenário atual ainda não é de alarme, e sim de monitoramento.  

Jefferson Botega / Agencia RBS
Tambica é uma das espécies de peixes atacados pelas palometas na Lagoa de Santo Amaro, afluente do Rio Jacuí

— A gente sabe que o metabolismo do peixe fica mais ativo no calor. Os relatos foram de que, no verão passado, eles atacaram outros peixes nas redes de pesca. A combinação ruim é seca grande e calor exacerbado, que deixa elas mais agitadas e predatórias. Possivelmente teremos que usar redes de proteção e alertar banhistas. Mas ainda não abrimos a temporada de banho, que geralmente começa na segunda quinzena de novembro — diz Garcia.  

Com o período de seca e calor, que deixa peixes mais agitados, especialistas consideram que há até mesmo risco de os peixes saírem do Rio Jacuí e, vencendo o contrafluxo de água, subirem pelo Rio dos Sinos, que banha Novo Hamburgo, São Leopoldo e Campo Bom. 

— Em princípio, pelo movimento das águas, tem pouca confluência (do Rio Jacuí) com o Rio dos Sinos. Mas a baixa precipitação, de fato, pode levar (a piranha-vermelha a entrar no Rio dos Sinos). Existe uma espécie de turbulência da água, como se fosse um redemoinho, que às vezes traz águas de retorno para o Rio dos Sinos — afirma Pereira, da área ambiental do governo do Estado.  

Na opinião de Maurício Vieira de Souza, analista ambiental do Ibama, há uma chance real de as piranhas subirem até o Rio dos Sinos, devido ao comportamento da espécie. Ele enfatiza que, atualmente, não existe nenhuma barreira que poderia impedir os animais de chegarem até lá, já que a invasão ocorre pela água — o que torna o problema mais difícil de conter ou encontrar uma solução. 

— Essa espécie é generalista. Ela aguenta variações de temperatura, diversos tipos de água, comem vários tipos de peixes. Quase todas as espécies que se tornam invasoras têm esse comportamento generalista — destaca Souza. 

Mas o diretor do Departamento de Biodiversidade da Secretaria Estadual de Meio Ambienta afirma que o risco de prejuízo financeiro a pescadores é pequeno: 

— Nas regiões de Cachoeira do Sul, do Vale do Rio Pardo, temos informação de que há população mais concentrada de palometas. Talvez haja um dano econômico sazonal em um ponto específico em algum momento, mas dizer que há dano econômico na pesca é difícil. Chegam relatos de rede de arrasto com carcaças que alimentaram a piranha, mas não temos dados de perda econômica ou populacional de outras espécies. 

Jefferson Botega / Agencia RBS
Animais costumam atacar em grupo e devorar outras espécies nas redes de pesca

Medidas para solucionar o problema 

Analistas afirmam que não há como erradicar as piranhas-vermelhas, uma vez que tomarem espaço em diferentes rios e lagos do Estado. Entre possíveis as soluções citadas, estão promover a pesca do peixe, introduzir espécies predatórias e alertar banhistas. Ajudaria no processo se a caça do peixe-dourado, grande predador, não tivesse sido tão forte a ponte do praticamente desaparecer do Rio Jacuí. 

Conforme Souza, o Ibama elaborou um plano que segue as diretrizes da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) para combater a situação e o distribuiu entre os órgãos públicos, pois esse problema requer uma operação coletiva. O analista ambiental diz que o documento prevê, sim, ações como o estudo de métodos para a captura de espécies exóticas invasoras, mas ressalta que o documento deve ser adaptado de acordo com o conhecimento acerca do problema.  

Ele também pontua que a pesca desse peixe, por exemplo, não é proibida atualmente, mas que é sempre necessário avaliar e debater caso a caso. Em relação aos alertas a banhistas, ele afirma que é mais fácil cada prefeitura fazer o controle do seu balneário, já que, localmente, pode ser que não haja uma infestação do animal.  

— A piranha entrando na lista de animais que causam danos, pode-se liberar a pesca específica dela nesta época, mas depende de cada local. Vão ter locais e momentos em que esses animais podem aparecer e existe um caminho legal para proteger a população, mas isso tem que ser visto localmente quando o problema acontece — explica.   

Há risco para banhistas? 

De acordo com o analista ambiental do Ibama Maurício Vieira de Souza, as piranhas reproduzem no verão e, para isso, vão para águas mais rasas, que é onde as pessoas costumam estar. Essa invasão traz um conflito de uso, que requer decisões técnicas, como o cercamento de praias, que devem ser tomadas com base na situação do local.  

Entretanto, o zoólogo e professor de Biologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Roberto E. Reis esclarece que piranhas não costumam atacar banhistas, apenas pescadores que as manuseiam na rede, já fora d’água. Ele cita que a espécie costuma morder apenas o dedo de quem as pesca, enquanto se manuseia a rede de arrasto – portanto, nadar na zona sul de Porto Alegre ou em outros locais é seguro neste quesito.  

— É muito raro piranha atacar pessoa dentro da água. As piranhas têm medo, a gente entra na água e elas fogem. Eu já pesquei peixe em toda Amazônia, Pantanal e Rio Uruguai e nunca fui mordido por piranha — afirma o zoólogo.  

Como as piranhas-vermelhas se espalharam pelo Estado? 

Especialistas ainda tentam decifrar por que essa espécie saiu da região da bacia do Rio Uruguai e invade o resto do Rio Grande do Sul. A hipótese mais forte é de que isso tenha ocorrido por conta da agricultura.  

— No centro do Estado, de Santa Maria para baixo, onde se planta arroz e muitas culturas irrigadas, há bombas de água com mais de 1 metro de diâmetro que puxam água dos rios e jogam na lavoura, mas também puxam peixes. Se a pendente da lavoura vai para o Rio Jacuí, a água puxada do Rio Uruguai pela bomba acaba no Rio Jacuí e introduz várias espécies — explica o zoólogo Roberto E. Reis.  


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