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Atendimentos no ambulatório do IAPI, em Porto Alegre, buscam identificar sequelas emocionais pós-covid

 Nas sessões de terapia, pacientes falam sobre sentimento de culpa, limitações, entre outros traumas

22/12/2021 - 05h00min

Atualizada em: 22/12/2021 - 10h11min


Alexandre Rodrigues
Alexandre Rodrigues
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Félix Zucco / Agencia RBS
Encontros ocorrem de forma presencial e online

Desde o dia 12 de julho, o Centro de Saúde IAPI, no bairro Passo d'Areia, em Porto Alegre, conta com um ambulatório criado para a reabilitação de pacientes pós-covid. Os serviços oferecidos vão desde fisioterapia e enfermagem até nutrição, acupuntura e osteopatia. Um dos mais procurados é o de psicologia.

O atendimento parte de uma avaliação realizada nas unidades básicas de saúde ou em hospitais. Os profissionais cadastram o paciente no sistema de regulação do município — o Gercon — e verificam a necessidade de encaminhá-lo para o ambulatório. A partir daí, começa um acompanhamento focalizado. As consultas presenciais são realizadas de forma individual, como conta a psicóloga Luana Bordin:

— Não é algo analítico. Eu faço um tratamento mais breve, de acolhimento e enfrentamento. Uma forma de encorajar as pessoas.

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São recebidos quatro pacientes todas as terças-feiras. Outros atendimentos acontecem de forma remota (online), em grupos, comandados por acadêmicos de psicologia da Unisinos.

Tão necessário quanto a atenção à parte física, o cuidado com traços emocionais também deve ser entendido como essencial nas fases da reabilitação. Falta de ar, fadiga ao realizar atividades comuns — como subir escadas — e falhas de memória têm sido uma das sequelas mais percebidas pela equipe do IAPI. Homens e mulheres que, na sua maioria, passam pelo vírus e sentem que não são mais os mesmos. Ligado a isso, surge a dificuldade em aceitar o que está acontecendo.

Félix Zucco / Agencia RBS
Ambulatório de reabilitação pós-covid fica dentro do Centro de Saúde IAPI

— Existe uma deterioração da identidade. Eu percebo as pessoas aos pedaços, dissociadas das estruturas delas. É como se algo muito agressivo invadisse a vida, o corpo e a mente, sem pedir licença, deixando um caminho com traumas. A grande maioria deseja um olhar afetivo, querem ser ouvidos na dor — comenta Luana.

O processo ocorre de forma conjunta com outras frentes.

— Trabalho muito com a aceitação da limitação momentânea. Falo para eles investirem em si mesmos, não ficarem pensando no que eram antes, se esforçarem para melhorar. A gente vê que as sequelas não são permanentes. Todo mundo tem se recuperado. Estamos conseguindo fazer com que entendam que o caminho é realizar exercícios físicos, não ficar esperando o tempo passar — diz a fisioterapeuta e coordenadora do ambulatório, Aline Casaril.

Sentimento de culpa

Outro lado sensível do pós-covid é o luto. A dor da perda de amigos e familiares pode ser ainda mais angustiante quando somada ao sentimento de culpa pela transmissão do vírus. Fatores esses que contribuem para desencadear distúrbios como o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), caracterizado por sinais físicos e mentais.

— É tão forte que a psique não consegue acolher. Ocorrem problemas cognitivos, pode acarretar em depressão. Precisa ser tratado o quanto antes — ressalta Luana.

O vigilante Jefferson Pumacena, 45 anos, é um dos assistidos pelo ambulatório de reabilitação do IAPI. Morador do bairro Rubem Berta, foi diagnosticado com covid em março, assim como toda sua família. Ele precisou ficar entubado durante 22 dias e conta que praticamente renasceu após a internação:

— Cheguei em casa uma noite depois do trabalho e me senti ruim. Me levaram imediatamente para a UPA, depois fui encaminhado para o Hospital Conceição. Quando saí, após 45 dias, fiquei muito debilitado, não consegui caminhar direito. Procurei novamente o posto de saúde, que conseguiu uma vaga no ambulatório pós-covid do IAPI.

Félix Zucco / Agencia RBS
Jefferson é um dos pacientes acompanhados

Recém-iniciado no tratamento psicológico, Jefferson acredita que mais pessoas deveriam ser beneficiadas com o auxílio.

— Em outros países, o pessoal se preparou para a função do pós-covid. Aqui no Brasil deixaram muita gente à deriva, tipo eu. Procuro buscar informações pra não ficar preso em uma cama. O tratamento psicológico é algo paliativo, mas já ajuda bastante. Infelizmente a demanda de pessoas é muito grande para os poucos profissionais atendendo — ressalta.

Atualmente, Porto Alegre conta com dois ambulatórios públicos pós-covid. Pacientes de menor complexidade são atendidos no Centro de Saúde IAPI. Já os casos mais complexos, que dependem de exames de tomografia e outras especialidades, são encaminhados ao Hospital de Clínicas. 

Sobre o ambulatório do IAPI

- Serviços oferecidos: enfermagem, nutrição, fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, osteopatia, educação física e acupuntura
- 70 indivíduos em acompanhamento
- Idade média dos pacientes: 54 anos
- 58% são mulheres. 42%, homens
- 86% passaram por internação hospitalar
- 1/3 deles fez uso de ventilação mecânica
- A maioria busca tratamento para as sequelas de um a três meses pós-covid


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