Novo destino
Costureira de hospital de Porto Alegre produz peças com tecidos que iriam para descarte
Inez Kuffel utiliza TNT e panos de algodão que, por causa de rasgos, não podem mais ser usados no bloco cirúrgico
Em uma sala do Hospital Independência, no bairro Agronomia, em Porto Alegre, um som que destoa do ambiente toma conta: são máquinas de costura. Lá trabalha a costureira Inez Kuffel, 60 anos, moradora do bairro Rubem Berta, na Zona Norte. Ela está na função há 11 anos e, por volta de 2013, adicionou uma atividade à sua lista de tarefas: reaproveitar materiais.
É que, de um lado, ela via o excesso de tecidos que não poderiam mais ser usados. E, de outro, a falta de itens feitos — justamente — de tecidos.
— Com o tempo passando, começaram a faltar camisolas e roupas do enxoval. Então eu vi aí uma oportunidade de produzir essas peças, gerando economia e desentulhando também uma sala que ficava cheia desses materiais — lembra.
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As peças
O resultado é mostrado pela costureira: fronhas, bermudas, camisolas, capas de raio-X, hampers (sacos utilizados para transporte de roupa suja) e bolsas são algumas das produções. Os itens vão para pacientes e profissionais do hospital.
No início da pandemia, a situação piorou, conta:
— Faltaram máscaras e aventais de proteção para o pessoal (do Independência) trabalhar durante alguns meses. Nós produzimos porque estava escasso no mercado.
Para chegar até ela
Os tecidos usados — TNT e de algodão — vêm do bloco cirúrgico. São aqueles que têm algum rasgo, mesmo que mínimo, e, por isso, não podem mais ser utilizados no seu propósito inicial.
Segundo a supervisora da hotelaria do hospital, Angela Tavares, originalmente o TNT é utilizado na autoclave (aparelho que esteriliza) e os tecidos de algodão são os chamados campos cirúrgicos (panos colocados sobre o paciente durante as cirurgias).
Antes de chegar às mãos de Inez ou da colega, a auxiliar de costura Margarida Muniz, os materiais são esterilizados.
— Aí as meninas trazem para a gente ou colocam no depósito, onde eu vou e busco esses tecidos. Conforme a demanda, a necessidade, nós vamos produzindo peças — acrescenta Inez.
A produção é feita na própria sala onde ela trabalha. Ao final, as peças recebem uma serigrafia com o logotipo do hospital.
"Fazer a diferença"
Inez lembra de ter aprendido a costurar quando criança, em um colégio de freiras. Já adulta, fez cursos na área. O interesse surgiu "faz muito tempo" e se mantém até hoje:
— A minha profissão de quase toda vida é costureira, eu gosto muito do que eu faço.
No hospital, ela repara peças e faz uniformes dos profissionais do local. Também aproveita a oportunidade de criar itens e, assim, "de fazer a diferença", descreve. Como explica a supervisora Angela, o local atende pacientes em situação de rua que, às vezes, não têm uma bolsa para levar os pertences depois da alta ou uma roupa.
Ainda de acordo com Angela, a meta é reutilizar até onde der:
— Somos um hospital 100% SUS e nem sempre temos recurso disponível para fazer todas as compras necessárias, então trabalhamos muito reutilizando aquele material que temos.
Além do impacto ambiental, há o financeiro, com a redução de compra de certos tecidos ou peças prontas. Mas é um outro impacto que tem chamado a atenção da equipe.
— A felicidade dos pacientes, a gratidão deles é o que mais nos satisfaz e o que mais representa para nós mesmo nesse momento — destaca Angela.
Produção: Isadora Garcia