Notícias



Mercado de trabalho

Gaúchas com maior escolaridade têm média salarial 37,2% menor que a dos homens, aponta estudo da PUCRS

Governo federal assina nesta quarta-feira (8) projeto de lei a ser enviado ao Congresso para promover igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função

07/03/2023 - 22h17min


Aline Custódio
Aline Custódio
Enviar E-mail
Porthus Junior / Agencia RBS
Discriminação no mercado de trabalho ainda é evidente

Na data em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, nesta quarta-feira (8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinará um projeto de lei (PL) a ser enviado ao Congresso para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função. Um estudo produzido pelo PUCRS Data Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), divulgado nesta terça-feira (7), confirma a desigualdade de gênero no mercado de trabalho no Estado. Pelo levantamento, as gaúchas  têm média salarial 37,2% menor que a dos homens.

Ainda que o artigo 461 da Consolidação das Lei do Trabalho (CLT), criada na década de 1940, preveja condições para que homens e mulheres recebam o mesmo salário, caso desempenhem a mesma função, a realidade mostra-se diferente. O Levantamento Sobre Desigualdade de Gênero no Rio Grande do Sul, realizado pela PUCRS, aponta que em 2021 nem a maior escolaridade foi capaz de garantir uma equiparação da renda do trabalho entre gaúchas e gaúchos.

Mesmo com as mulheres sendo a maioria entre os cargos com Ensino Superior (31,5%), os homens (21%) garantiram o maior rendimento. Enquanto elas obtiveram uma renda média de R$ 2.380, a deles foi de R$ 3.267. E mesmo entre mulheres e homens com a mesma qualificação, a desigualdade se manteve. Se, para os homens com Ensino Superior, a renda média foi de R$ 6.589, entre as mulheres caiu para R$ 3.888.

Leia mais
RS tem cerca de 650 vagas abertas em concursos
Startup oferece 6 mil vagas em curso gratuito de tecnologia; veja como se inscrever
ONG nascida em Canoas já capacitou 6 mil mulheres para trabalhar na construção civil

— Este é um indicador que parece haver uma barreira de gênero no mercado de trabalho (no Estado). Desde de 2012 até hoje, a barreira não está se movendo no Rio Grande do Sul. O fato de ser mulher faz com que as pessoas tenham uma renda menor e não consigam alcançar cargos na mesma medida que os homens — aponta André Salata, coordenador do PUCRS Data Social.

O mesmo estudo apontou que apesar de representarem 43,2% da população ocupada do Estado, as mulheres são apenas 30% entre os 10% com maiores rendimentos. Já entre os 10% de trabalhadores com menores rendimentos, as mulheres são maioria: 57,7%.

As informações do estudo da PUCRS estão baseadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e relacionadas à população ocupada, com idade entre 25 e 64 anos. Todos os valores de rendimento foram deflacionados para preços médios de 2021.

Segundo Salata, entre as possíveis causas desta desigualdade salarial estão a concentração masculina em áreas de maior remuneração, a conciliação de trabalho com a maternidade, que faz com que a experiência das mulheres no mercado de trabalho seja menos constante e menos intensa, a preferência dos empregadores por homens em cargos de maior prestígio e a chamada discriminação pura, onde numa mesma empresa há diferença salarial entre homens e mulheres no mesmo cargo.

Para o professor na Unisinos Roger Raupp Rios, especialista na área de Direito de Igualdade e Não-Discriminação e desembargador do TRF4, a questão da desigualdade salarial entre homens e mulheres é grave e urgente. Rios é favorável a uma nova lei que aborde a questão, mesmo com a existência de outras.

— Existe uma previsão mais antiga na CLT, desde a década de 1940, que já tratava de igualdade de remuneração entre homens e mulheres que cumprem as mesmas funções e isso foi reforçado pela Constituição de 1988. Mas uma nova lei tem relevância porque muito, ao longo destes anos, foi se percebendo os mecanismos que produzem, reproduzem e mantêm a desigualdade — ressalta Rios.

O professor ainda destaca que, nos últimos anos, não se verificou progressos na diminuição da desigualdade salarial em termos de Estado, país e mundo.

— E os dados gerais mundiais indicam que, no ritmo em que as coisas estão, levaremos mais de 130 anos para chegar a uma igualdade salarial entre homens e mulheres. É um quadro bastante preocupante — reforça.

O que trará o projeto e quais garantias já existem

O texto do projeto que será assinado por Lula prevê medidas para que as empresas tenham maior transparência remuneratória, a ampliação da fiscalização e o combate à discriminação salarial. De acordo com o governo, as medidas a serem anunciadas incidirão "diretamente na garantia de direitos das mulheres".

Na segunda-feira(6), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a criação do programa Mulher Cidadã, cidadania fiscal para mulheres, que está alinhado à estratégia do governo de promover medidas voltadas ao público feminino.

Especialista na área de Direito do trabalho e processual do trabalho, a advogada Teresa Porto da Silveira lembra da lei federal 14.457, de setembro do ano passado, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho. Nesta lei, que entrará em vigor no próximo dia 20, está previsto que a Cipa seja responsável pela fiscalização de assédio moral e sexual no trabalho, e reforça uma série de questões que começam a igualar o homem e a mulher no mercado de trabalho.

— A garantia de salário já temos em leis. A questão também é de reeducação estrutural, cultural e histórica porque a mulher não necessariamente almeja os melhores postos de trabalho por não ser estimulada a isso. Nós, mulheres, precisamos ter a perspectiva de chegarmos em ambientes que ainda não chegamos — acredita Teresa.

Para a advogada Gabriela Souza, sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, pela lei brasileira não há distinção de salário entre pessoas que têm o mesmo cargo e mesmo nível de instrução no trabalho, mas na prática, aparentemente, nenhuma medida se tornou eficaz para que mulheres recebam o mesmo que homens. Gabriela reforça ainda o recorte de raça, onde mulheres brancas recebem mais do que as pretas e todas elas recebem menos do que homens.

Ela vê como positivo o pacote a ser anunciado pelo governo federal, mas reforça que é preciso atenção às contratações feitas com salários diferenciados e que não respondem criminalmente por este ato.

— Ser mulher é batalhar pelo básico. Equidade salarial é algo que vem desde a CLT, na época do Getúlio. Precisamos estar sempre atentas porque avançamos em algum direito, mas logo na frente tentam tirar outro direito. Precisamos parar de comemorar o óbvio porque são direitos e eles precisam ser garantidos — afirma Gabriela.

Sugestões de medidas para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho

  • Repensar a legislação no que tange as licenças de maternidade e paternidade porque no Brasil ainda são muito focada em cima da mãe, enquanto muitos países já têm flexibilidade, permitindo uma divisão desta licença entre pais e mães. Isso ocorre na Alemanha
  • Conseguir encorajar a formação de mais mulheres em áreas de maior prestígio e remuneração e que tendem a ter forte presença masculina, como Engenharia e Informática, por exemplo
  • Sociedade e setor privado precisam adotar medidas para ter mais mulheres em cargos superiores, ainda que seja por meio de cotas
  • Reforçar a legislação de antidiscriminação, ainda que essa seja somente a ponta final de uma construção de desigualdades que começa ainda na infância
  • Trabalhar a questão de gênero em todos os níveis de educação no Brasil
  • Elaborar multas com valores substanciais, incluindo a perda do alvará, às empresas que contratam com salários diferenciados por conta de gênero ou em caso de reincidência
  • Ter protocolos nas próprias empresas relacionados à questão de gênero

Fontes: Gabriela Souza, advogada feminista e sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, e André Salata, coordenador do PUCRS Data Social


MAIS SOBRE

Últimas Notícias