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Preservação ameaçada

Cemitério na zona sul da Capital sofre com furtos, invasões e depredação

Encontrar sepulturas intactas é bastante raro no local, que fica bairro Belém Velho. Moradores reclamam da falta de atenção da prefeitura

11/04/2023 - 05h00min

Atualizada em: 11/04/2023 - 05h00min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Letras de metal que identificam os nomes, cruzes, molduras de fotos e outros itens metálicos foram furtados

Familiares e amigos não têm conseguido seguir com normalidade o processo de luto de seus entes queridos no Cemitério Municipal do bairro Belém Velho, na zona sul de Porto Alegre. Encontrar sepulturas intactas é bastante raro. Para quem não sabe onde o familiar foi enterrado, achar o nome no túmulo também é um exercício complicado, pois boa parte das letras de metal que identificam os nomes foi furtada. O mesmo acontece com cruzes, bustos, molduras de fotos e qualquer item metálico que possa ter algum valor. 

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Não fossem os furtos na parte externa, um problema grande por si só, o rompimento das sepulturas e a retirada ilegal das ossadas também acontece. Por ser um cemitério histórico, com túmulos de mais de cem anos, muitos espaços já não recebem mais visitas. Quando violados, ficam sem qualquer assistência familiar. Nesta celeuma, a administração pública também protela o reparo. É o caso de um túmulo violado em janeiro deste ano, como contam moradores do entorno. Mais de uma ossada se encontrava no espaço. Uma foi roubada, mas outro caixão ainda permanece, parcialmente exposto, com parte coberta pelos escombros da tampa de concreto quebrada. Provisoriamente, dois funcionários que trabalham no local cobriram o túmulo com lonas e pedras, mas o material não resiste a maiores intempéries.

Condições

Recentemente, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) veio a público manifestar a insegurança que os servidores que trabalham no local enfrentam. Os furtos constantes também atingem o pequeno prédio de dois pavimentos onde fica a capela mortuária e o que deveria ser a parte administrativa do cemitério. Segundo o sindicato, até um micro-ondas que os trabalhadores usavam para aquecer suas refeições foi levado. Assim como um botijão de gás de um velho fogão do local. Sem contar a péssima infraestrutura do prédio, que sofre com goteiras e rachaduras, entre outros problemas, pontua o Simpa. 

Moradora da rua lindeira ao cemitério, a servidora pública aposentada Bernadete Dufech, 65 anos, tem os finados sogros enterrados no local. A sepultura do casal teve furtada todas as letras, assim como a foto do sogro, que tinha uma moldura de metal.

— Eles levam toda e qualquer coisa que possa render algum dinheiro. É assustador, pulam os muros durante a noite e cometem os crimes — conta Bernadete.

Os próprios moradores chegaram a improvisar cercas-vivas com espinhos em partes do cemitério para evitar as invasões. Porém, o muro rente à Rua Dr. Vergara é baixo, facilitando o acesso dos invasores. Além disso, o terreno íngreme tem acessos forçados pela mata, o que torna o problema difícil de ser solucionado sem um maior investimento do poder público. 

Religião

Alguns moradores pontuam que são os constantes rituais de religiões de matriz africana realizados no espaço os causadores dos problemas. As oferendas deixadas nas sepulturas, principalmente de animais sacrificados, tornam difícil para os servidores manterem tudo limpo e organizado. Durante a visita da reportagem, na manhã da última quinta-feira (6), pipoca, bebidas, velas derretidas e também uma galinha morta foram encontrados no espaço.

— É difícil o dia que não tem algum ritual aqui. Por vezes, se estende durante toda a noite — conta a dona de casa Vera Lúcia Lima Robattini, 64 anos, também vizinha do local. 

A comunidade também pontua que a iluminação do local é precária à noite, com apenas um refletor iluminando parcialmente a entrada do espaço. Enquanto não há um trabalho definitivo de reforma com ampliação dos muros ou até mesmo a presença mais ostensiva de forças como a Guarda Municipal (GM), responsável pelo zelo com o patrimônio público, descansar em paz fica difícil no cemitério municipal do Belém Velho. 

Reformas dificultadas pelo aspecto histórico

Responsável pela administração dos três cemitérios municipais de Porto Alegre (dos bairros Belém Velho e Tristeza, na Zona Sul, e do bairro São João, na Zona Norte), Alexsandro Silva da Costa diz que a responsabilidade da prefeitura é com o entorno das sepulturas. Já os túmulos, são de responsabilidade das famílias de quem está ali enterrado. Entretanto, ele reconhece que os constantes furtos prejudicam o trabalho dos servidores.

— Só neste ano, já registrei duas ocorrências de furto no local, na parte onde ficam a administração e a capela — conta Alexsandro.

Segundo o administrador, existem estudos de editais para reforma do pequeno prédio de dois pavimentos e também do entorno do local. Mas o que dificulta o processo é o aspecto histórico do cemitério:

— Temos diversas regras a seguir para qualquer alteração a ser feita no local, isso estende ainda mais qualquer processo.

A reportagem também procurou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus). A pasta afirmou que os locais danificados "tratam-se de sepulturas muito antigas, em sua maioria". E que "as manutenções periódicas necessárias não têm sido realizadas com a frequência desejável pelos responsáveis dos jazigos, o que pode ocasionar aspecto de abandono". A pasta também negou que tenha ocorrido furto recente de ossada, dizendo que, "ao menos, nos últimos 10 anos, não há registro de ossadas furtadas". E afirmou também que a segurança dos próprios municipais compete à Guarda Municipal.

A secretaria informou que "os termos de referência para contratação de empresa terceirizada para limpeza, manutenção, conservação das áreas comuns, portaria, sepultamento e segurança estão em fase de elaboração". Mas não deu prazo para que estas novas equipes assumam o local.

Ocorrências

A Smamus reforçou que "não é permitido o acesso para realização de práticas religiosas nos cemitérios". E que, quando isso ocorre, "é realizada a limpeza e remoção dos materiais utilizados, inclusive com recolhimento de animais, sendo realizado o registro de boletim policial e as famílias dos túmulos depredados sendo informadas das ocorrências". O órgão da prefeitura explicou que foi realizada a implantação de alarme para inibir a atuação de vândalos, mas "até mesmo o alarme foi danificado nestas ocorrências". A secretaria disse que a "a reforma do prédio administrativo está em fase de adesão ao registo de preço" dos itens que precisarão ser comprados.

Sobre a altura do muro, a pasta diz que foi iniciada uma obra para elevação do muro, que precisou ser suspensa porque o cemitério é tombado. E para que para mitigar os acessos irregulares, foram plantadas vegetações. A administração pública reiterou que a taxa paga por pessoas que têm entes enterrados no local "corresponde aos serviços de limpeza e conservação das áreas comuns do cemitério". E que "a limpeza, manutenção e conversação dos jazigos está sob responsabilidade dos proprietários".

Violação de túmulos não é parte do batuque

Uma das principais vozes do batuque do Rio Grande do Sul, pai Ricardo de Oxum Yecari, explica que realmente fazem parte das religiões de matriz africana cultuadas no Estado as oferendas comumente vistas em encruzilhadas e nos chamados cruzeiros. Assim como também em cemitérios. Segundo o pai de santo, este movimento costuma se intensificar no período próximo à Sexta-Feira Santa. Entretanto, o líder religioso reforça que a depredação dos locais, invasão de túmulos e também roubo das ossadas não deve ser parte dos rituais:

— Invadir um túmulo, quebrá-lo ou fazer qualquer tipo de vandalismo neste espaço não é associado a nenhuma religião de matriz africana. 

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