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Comunidade pede retomada de obras em ginásio inacabado em Guaíba
Há quase 10 anos, prefeitura firmou termo com o governo federal para realizar a construção, que nunca foi finalizada
Em Guaíba, a falta de um ginásio tem sido motivo de reclamação da comunidade da Escola Municipal de Ensino Fundamental Inácio de Quadros, no bairro Coronel Nassuca. O local, chamado também de quadra poliesportiva coberta, permanece na etapa de ferragens. A estrutura, incompleta, está com as obras paradas há pouco mais de um ano.
A reportagem esteve na região no fim do mês passado. O esqueleto metálico do ginásio fica no terreno dos fundos da escola, separado por um muro. No espaço, já estão construídos os vestiários, com revestimento, embora ainda sem vasos e pias.
Na área para a prática dos esportes, não há paredes finalizadas, telhado, aberturas de portas ou janelas nem piso. Escola e estrutura não têm ligação direta. Apesar de aparada, a grama era o que havia de maior presença no terreno.
Moradores da região contam que faz tempo que não veem movimentações no local. Uma das vizinhas falou em cerca de oito meses. Conforme a Secretaria de Educação de Guaíba, a última medição da obra e emissão de nota fiscal datam de março de 2022. Após esse período, o canteiro estaria parado.
A escola tem 461 alunos matriculados, de acordo com dados da pasta, em turmas que vão desde a Educação Infantil até o nono ano do Ensino Fundamental. As aulas ocorrem nos turnos da manhã e da tarde.
Na Educação Física, os alunos utilizam o pátio da escola e uma quadra descoberta. O pátio fica entre os prédios das salas de aula. Já a quadra fica aos fundos, e foi reformada pela direção. Foram feitos, por exemplo, reparos do chão e pintura.
O que acontece é que, nos dois casos, o barulho das crianças e adolescentes em atividades de Educação Física prejudica a concentração dos alunos de outras disciplinas que estão nas salas, ressalta o professor de História Genismar Luiz Bordin Borges, 55 anos. Se são duas turmas na Educação Física, pátio e quadra são usados.
— Praticamente não tem nenhuma sala de aula que não tenha barulho (vindo do pátio ou da quadra) no momento em que eles têm a prática de Educação Física na rua — assinala.
Mãe de dois alunos, Ana Paula Nunes de Avila Lucas, 34 anos, que é presidente do Círculo de Pais e Mestres (CPM) da Inácio de Quadros, tem a mesma percepção. Para ela, os estudantes acabam perdendo o foco. Sem o ginásio, também falta um espaço adequado para outras atividades escolares, pontua.
— Acho que o mais pesado, na verdade, já está ali, que é toda a estrutura. Só que, se não for feito logo, eu não sei, vai ser condenado, vai ser um dinheiro que foi colocado totalmente fora por causa da ferrugem. Enfim, não tem uma manutenção, não tem nada — desabafa.
OBSERVATÓRIO SOCIAL COBROU EXPLICAÇÕES
Ex-aluna da escola, Ana Paula conta que, quando estudava no local, a área onde está a estrutura do ginásio era o antigo Clube Madureira, que emprestava o espaço para eventos escolares. O terreno hoje pertence à prefeitura, segundo a Secretaria de Educação de Guaíba.
Entre a comunidade, existem relatos de datas e informações que não batem entre si sobre o passado da obra. Mas há algo em comum: a sensação de lentidão para se colocar o ginásio em pé e a incerteza quanto ao futuro. Pairam dúvidas a respeito de o que levou a construção a parar e o que explica a demora para ser retomada.
Uma placa na frente do terreno, aliás, traz dados desatualizados sobre a obra, mencionando, por exemplo, que o início e o fim seriam em 2021.
Pedido
As informações que chegam ao CPM e aos professores costumam ser repassadas pela direção da escola. A reportagem tentou contato com a diretora para saber mais detalhes, mas não obteve retorno.
Uma entidade que tem acompanhado o andamento da obra é o Observatório Social de Guaíba, que se propõe a monitorar a transparência e a qualidade da aplicação dos recursos públicos. Em maio de 2022, a instituição enviou um ofício à Secretaria de Educação de Guaíba, aos fiscais dos contratos, aos vereadores do município e ao Ministério Público, questionando sobre a real situação do ginásio.
Em documento de junho de 2022, recebido pelo Observatório, a prefeitura afirmou que a empresa responsável pela construção estava aguardando o parecer referente à solicitação de reequilíbrio financeiro dos materiais, que apresentaram aumento de preços durante a pandemia, principalmente o aço. Trouxe, ainda, o dado de que o cronograma previa conclusão da obra em março de 2022, mas que a empresa aguardava o reequilíbrio para seguir com a construção.
Na época, o Observatório descreveu que as estruturas estavam em "franco processo de deterioração, haja vista o fato de estarem expostas às intempéries".
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CRONOLOGIA DOS REPASSES
Para realizar a obra, a prefeitura de Guaíba fez uma parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do governo federal. O termo de compromisso foi firmado em 2014.
Conforme o FNDE, a obra faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Até o momento, foram três repasses de valores do governo federal à prefeitura.
Veja o histórico:
/// O primeiro repasse ocorreu em 6 de junho de 2014, no valor de R$ 102 mil.
/// O segundo foi de R$ 117,3 mil, em 4 de fevereiro de 2019.
/// E o terceiro, de R$ 25,5 mil, foi feito no dia 23 de março de 2023.
/// Juntos, esses valores somam R$ 244,8 mil, cerca de 48% do recurso total que será repassado do FNDE à prefeitura.
/// Além da verba federal, o município, ao longo da obra, também contribuiu com valores.
/// De acordo com a Secretaria de Educação de Guaíba, a primeira empresa que assumiu a obra foi a Revita Construtora Eireli-EPP, com sede em Taquara, que assinou contrato em março de 2018.
/// A construtora foi responsável pela obra até janeiro de 2020, quando houve a rescisão do contrato. Os motivos seriam atrasos de repasses por parte do FNDE e dificuldade de comunicação com a empresa, segundo a Secretaria. A reportagem tentou contato pelo e-mail e telefone ligados ao CNPJ da Revita Construtora Eireli-EPP, mas não teve sucesso.
/// O contrato havia sido firmado no valor de R$ 703.331,54. Até a rescisão, haviam sido repassados à empresa R$ 304.261,79. Dados da Secretaria indicam que, desse valor, R$ 102 mil mais juros são provenientes do governo federal, e cerca de R$ 171,7 mil, do próprio município.
NOVA RESCISÃO
Como explica a engenheira Michele Silvania Terres, coordenadora de engenharia na prefeitura, no período entre a rescisão do contrato da primeira empresa e aprovação da segunda, a obra ficou parada. Ou seja, do início de 2020 a março de 2021.
A empresa que assumiu a construção foi, então, a Tarefa Construções LTDA, com sede em Guaíba. O contrato foi firmado em R$ 647.954,62 e, em novembro de 2021, teve um aditivo de R$ 89.336,45, totalizando R$ 737.291,07.
Ao todo, foram repassados R$ 220.307,11 para a Tarefa Construções. Desse valor, pelo menos R$ 120,5 mil vieram do FNDE, e o restante, do município. Em março de 2023, empresa e prefeitura rescindiram o contrato.
A decisão pela rescisão começou com um pedido da empresa por reajuste de valores, relembra o auxiliar de apoio administrativo da Secretaria Lucas Gottlieb Verginio. Isso foi feito com base no aumento dos preços de alguns materiais, como o aço. A prefeitura analisou o pedido e não concordou com os ajustes solicitados.
— A empresa estava vendo que não daria conta do valor que deveria ser investido. Então, em comum acordo, empresa e prefeitura encerraram esse contrato — relembra a secretária de Educação do município, Magda Ramos.
A reportagem procurou a Tarefa Construções e deu espaço para que se manifestasse, mas, até o fechamento desta reportagem, não recebeu retorno.
E AGORA? FUTURO DA OBRA AINDA É DE EXPECTATIVA
Somando os investimentos para as duas empresas, a obra já custou pouco mais de R$ 524,5 mil. Nas duas rescisões, conforme a Secretaria de Educação, as empresas não sofreram qualquer tipo de penalidade.
De acordo com o engenheiro da pasta Alex Felipe Chwal, em torno de 64% da construção está feita. Ele explica que a equipe está montando um laudo do que já foi construído para que as planilhas de preços sejam atualizadas. Esse processo está previsto para terminar no fim deste mês.
— Sobre a parte técnica, não é só pegar o que não foi feito e reajustar, porque tem que ver o que se deteriorou, o estado de preservação, para que seja colocada a recuperação dessa estrutura ou substituição de alguma peça que, porventura, não possa ser recuperada — completa a engenheira Michele.
Está sendo avaliado, por exemplo, se a estrutura metálica feita em 2018 teve alguma deterioração. Mas, segundo Alex, talvez sejam necessários somente "ajustes pequenos" por corrosão.
Fim do ano
Terminada esta etapa, a secretária Magda ressalta que será iniciado o processo licitatório, quando as empresas interessadas na construção poderão se candidatar.
A expectativa é de que isso leve até quatro meses, prazo que pode mudar no decorrer do processo. Portanto, a previsão é de que, por volta de novembro, se tenha uma empresa vencedora, a que irá retomar a construção.
"Vontade"
Quanto aos planos futuros, a secretária destaca que envolvem atender a demanda da escola e também do entorno, de atividades do bairro. A intenção do município, afirma, é entregar a obra:
— Existe muita vontade em terminar, sim, essa obra. Então já se veio até aqui e nós precisamos continuar esse processo para que se entregue esse ginásio, que vai ser de grande utilidade para a escola e para a comunidade.
Para a presidente do CPM, Ana Paula, fica a expectativa pela conclusão. Ela vê os filhos ansiosos sobre o que virá. E, para o professor Genismar, a relação do local com o antigo Clube Madureira mostra justamente a importância de que, além dos estudantes, a comunidade também possa, futuramente, utilizar o ginásio.
Produção: Isadora Garcia