Papo Reto
Manoel Soares: "O porquê da cobra"
Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados
Esta semana, em uma visita a Belém do Pará, tive a oportunidade de conversar com uma líder indígena que me contou a seguinte história: um guerreiro indígena foi alimentar uma cobra que estava presa em uma armadilha. Quando conseguiu soltá-la, foi picado. Sem entender o que aconteceu, ele se perguntava: “Por que aquela cobra que salvei me picou?”.
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Consumido por esta pergunta, ele não foi até o pajé buscar o antídoto. Ao invés disso, foi atrás da cobra para saber a resposta do que lhe parecia doer tanto quanto a picada. Ela seguiu seu caminho mata adentro, ele foi cada vez mais fundo chamando ela, que ignorava seus gritos em meio à escuridão. Algumas horas depois, exausto e com o veneno correndo em suas veias, ele se deu conta de que sua busca não fazia sentido. Independentemente do motivo de ter sido picado, ele perdeu tempo de encontrar a cura correndo atrás da razão de uma cobra picar quem tentou lhe ajudar.
Nesse momento, já não fazia mais sentido a resposta, pois o veneno havia tomado seu organismo. Para sua surpresa, a cobra aparece nos seus últimos minutos de vida. Ele pergunta o porquê da picada, e ela reponde: “Fiquei presa na armadilha por descuido, você me salvou por bondade, te piquei porque esse é meu instinto e você não buscou cura porque foi idiota”.
Não preciso nem dizer que, na vida, agimos como esse indígena, não é? Saímos querendo saber por que essas cobras que, às vezes, chamamos de amigos ou parentes nos picam, mas a pergunta que deve ser feita é: por que corremos atrás dessas cobras, ao invés de nos distanciar e buscar a cura?