Papo Reto
Manoel Soares e a conexão com os filhos
Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados
Muitas pessoas me perguntam como é ter filhos autistas. É como se eu fosse um herói por não ter abandonado minha família diante dessa realidade, mas não tem nada de heroico. Fico com minha família porque amo e não existe nenhum esforço ou sacrifício nisso. Ter filhos autistas é ter a oportunidade de ver a vida com uma lupa em câmera lenta. Posso ver com cuidado cada etapa vivida pelos seres que tive a alegria de ser anfitrião nesse planeta.
Uma criança atípica é maravilhosa, mas alguns detalhes se perdem sem que percebamos. A alegria com que hoje vejo meu pequeno comer o arroz que eu faço é algo mágico. Ele não comia nada além de macarrão e batata frita, porque tem seletividade alimentar, uma característica comum em autistas. Ser a pessoa que faz o arroz que ele gosta me faz esperar com ansiedade o momento que vou para cozinha e, juntos, planejamos o corte da cebola e esperamos a água ferver.
Ter um filho autista é como fazer uma viagem a pé e com calma. Temos a oportunidade de olhar a paisagem, sentir o cheiro das flores que em breve darão frutos. É como sentar na grama e poder olhar uma joaninha que está subindo na barra da minha calça. Quando estamos correndo demais não vemos esses detalhes. Assim é viver com pessoas autistas. Temos que desacelerar, olhar com calma, entender os detalhes, olhares, cheiros e sons.
Evoluir
Mergulhar no universo do autismo é perceber as sutilezas de cada minuto da vida. Precisamos nos desconectar das coisas que nos fazem mal, das invejas, das fofocas, das picuinhas e entrar no mundo deles. Muitas pessoas acreditam que a sacada é tentar trazer os autistas para nosso mundo. Mas a verdade é que se entrarmos na pureza do mundo deles vamos entender o que de fato faz sentido.
Eu aprendi que boa parte do meu dia era ocupado com assuntos e situações que não valiam a pena. Encontrar a jabuticaba mais doce do pé é mais importante que ficar olhando o feed do Instagram. Fazer pipoca achocolatada é mais importante que debater Big Brother no grupo da família. Aprender a sequência rápida de cabeça, ombro joelho e pé pode exigir de mim um condicionamento físico que não tinha há anos. Se conectar com autista é estar disposto e disponível, é exercitar a humildade de espírito e se entregar a uma relação pura. Não é todo mundo que consegue essa conexão. É preciso evoluir como pessoa para chegar ao nível deles.