Piquetchê do DG
VÍDEO: abertura do Rodeio Internacional de Vacaria terá laçador com apenas um dos braços e narrador mirim
Cancelado em 2022 por conta da pandemia, evento volta a acontecer depois de quatro anos
A vontade de aprender une os dois personagens principais da abertura de um dos maiores rodeios do país. Com início em 3 de fevereiro, o 35º Rodeio Internacional de Vacaria vai abrir a programação campeira com o verdureiro Leonardo Carvalho, 24 anos, laçando só com um dos braços. Natural de Tupanciretã, no noroeste do Estado, o laçador perdeu o membro superior direito quando criança, e há três anos começou a laçar.
Na cabine, para narrar a participação de Carvalho, estará Felipe Alves, um menino de oito anos que, no amigo secreto do último Natal, ao invés de ganhar brinquedos, foi presentado com microfone e caixa de som. Aluno do 3º ano do Ensino Fundamental, ele sonha em ser narrador de rodeio.
O convite para ambos foi feito pela organização do evento conhecido por atrair milhares de competidores e tradicionalistas no que é considerado a "Copa do Mundo dos Rodeios". A dupla, que nunca esteve em Vacaria, apresenta suas habilidades às 11h do sábado (3) no Parque Nicanor Kramer da Luz.
Felipe e os treinos narrados
O interesse por transmitir ao público a emoção do que acontece na cancha começou no primeiro ano de vida de Felipe. Em frente à televisão, o pequeno já vibrava com as narrações e imitava com os braços o movimento de laçar. O pai, laçador experiente, treinava no pátio de casa quando incentivou que o filho o narrasse. Para orgulho de Jucemar Alves, 35, começava então o que viria a se tornar um dos principais hobbies do filho, já apaixonado pela tradição gaúcha.
— Ele me narrava (o pai) e eu narrava ele, aí começou a gravar vídeos e mandou pro Rogério da Vacaria (narrador profissional) que disse que eu fui bem — conta o garoto.
A primeira narração, a convite de Rogério, foi em Caxias do Sul. Para orgulho do pai, Felipe já participou de rodeios fora da cidade e tem convite para se apresentar em Flores da Cunha.
— A gente fez ao natural, até que ele teve a oportunidade. O que eu sempre digo é que quando não quiser mais, não precisa ir, tem que fazer porque gosta. E ele ama, nasceu nesse meio e quando bebê já se animava ouvindo as narrações — lembra Jucemar.
Referência para o menino, o narrador Rogério Soares Feliciano, 54, vê em Felipe um expoente do tradicionalismo. Com 21 anos de carreira, Soares começou na brincadeira e aprendeu em meio à lida. Para o pequeno amigo, ao qual abriu as portas das cabines de transmissão, o veterano projeta carreira que pode ser forjada desde guri:
— O guri é bem gaúcho, o pai dele é um homem do campo, então a raiz está nele. Com o tempo vai se aprimorando. No meu tempo era dom e aprendia na estrada, hoje ele pode ter acompanhamento com fonoaudióloga, por exemplo, e treinar assistindo na internet. Ele vai ser uma fera — acredita Soares.
E Felipe precisa saber que é necessário se preparar antes de cada evento. Caso queira seguir os passos de Rogério, terá de estudar:
— Tem que se preparar, são eventos que têm premiações altas. Eu estudo a região onde o rodeio acontece pra chegar na hora e ter argumento. É preciso conhecer a história campeira — recomenda.
Desafiado a laçar
Padeiro, cozinheiro e verdureiro. Leonardo Carvalho, 24, nunca deixou de realizar nenhuma tarefa por conta da sua condição física. Com sete anos, perdeu o braço direito em um acidente enquanto se arriscava ao brincar nos trilhos do trem que cruzam sua cidade natal, Tupanciretã.
Sempre envolvido em rodeios, entretanto, não imaginava que um dia subiria a cavalo para laçar boi. Há cerca de três anos foi incentivado por um amigo a tentar. O desafio foi cavalgar sem sela para que o animal entendesse a direção para onde as pernas o mandavam. Dominada a tarefa, passou a cavalgar com o laço na mão esquerda e pôde então se inscrever nas provas de tiro de laço.
— Eu ia pra olhar (as provas). Tinha pra mim que nunca iria conseguir e meu amigo disse "nós vamos mudar isso ai, vamos treinar". Então ele recuperou uma égua e nos demos muito bem, é minha xodó que se acostumou muito bem comigo — diz.
Carvalho não esconde que foram incontáveis tombos até conquistar a prática de cavalgar e laçar ao mesmo tempo só com um dos braços. Os treinos são diários e acontecem logo depois da venda dos pães e pastéis que o ajudam a pagar as inscrições dos rodeios:
— Aprendi a lançar faz pouco, se soubesse de criança que era tão bom estar nesse meio estaria já há muito tempo. O que eu precisar de ajuda sempre tem quem me ajude. Quando me convidaram pra ir pra Vacaria, quase me mataram do coração. Jamais imaginei que poderia chegar num rodeio grande assim como o de Vacaria.
Rodeio da inclusão
O laçador de um braço só se juntará a outro tradicionalista para dar exemplo de inclusão no Rodeio de Vacaria. Autista diagnosticado com o grau 1, Eliezer Mendes, 12, tem levado a bandeira da conscientização por onde passa.
O garoto também foi convidado pelo CTG Porteira do Rio Grande, organizador do evento, a participar da abertura. De Criciúma (SC), Mendes tem relação estreita com Vacaria. A primeira vez que esteve por lá foi em 2012.
— Meus pais são de Vacaria, compramos toda a pilcha dele ainda bebê no rodeio de Vacaria. Antes da pandemia, no último rodeio, compramos um pônei porque entendi que a equoterapia seria importante para o desenvolvimento dele — conta a mãe Simone Mendes Maciel.
O pônei foi trocado por uma égua que agora é a companheira de Elieser nas armadas de laço por onde leva a bandeira da conscientização sobre o autismo.
— Ele foi embaixador na Inclusão de Ouro, em Esteio. Gostávamos de rodeio, mas ninguém da nossa família laçava, foi ele que trouxe essa paixão para Criciúma, quando começou na vaca parada e despertou a paixão brincando — disse.