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Vida de drag queen: um tema global

Assunto recorrente em novelas, a performance desses profissionais vai além da ficção

22/10/2017 - 13h02min

Atualizada em: 22/10/2017 - 13h02min


Elana Mazon
Elana Mazon
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André Feltes / Especial
Rebeca Rebu é o personagem do morador de Porto Alegre Jean Netto

Elas são personagens. Mas, muitas vezes, se confundem com a personalidade de seus criadores. Experts em maquiagem e em produções extravagantes, brilham em performances artísticas e para expressar um discurso crítico, transformador. São drag queens. 

Duas novelas da Globo, neste ano, abordaram o tema. Em Pega Pega, trama das sete, Rúbia (Gabriel Sanches) e suas colegas da boate Strass são um respiro de alegria na trama policial. Em A Força do Querer, que teve seu último capítulo na sexta (20), Elis Miranda, a versão feminina de Nonato (Silvero Pereira), foi a deixa para falar sobre diversidade sexual, quebra de tabus e a diferenciação entre o assunto e a trama de Ivan (Carol Duarte), um transexual.

Trazendo o tema para a vida real, em Porto Alegre, o DG conta a história de um estudante de Dança que vive de suas apresentações como Rebeca Rebu. E, em um conteúdo especial, a reportagem se debruça sobre o mundo colorido e alegre das drag queens, confronta realidade e ficção, tira dúvidas e reafirma: a discussão é o melhor caminho contra o preconceito.

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André Feltes / Especial
Em casa, o preparo

Muito prazer, Rebeca Rebu

Passava Malhação, da RBS TV, quando a reportagem chegou à casa de Jean Netto, 24 anos, na Cidade Baixa, no dia 4 de outubro. Às 18h10min, o estudante do oitavo semestre de Dança na UFRGS sentou-se diante de uma penteadeira com espelho cercado de lâmpadas, na sala do apartamento onde ele mora com o namorado, o dentista Luan Lopes, 25 anos. Vestia regata, calça de moletom e chinelos. Naquele momento, começaria a preparação para se apresentar, naquela noite, como Rebeca Rebu.

A bancada da penteadeira se parece com a de Elis, na novela A Força do Querer: tem maquiagens, pincéis, produtos de beleza e acessórios. Na estação de trabalho de Jean, porém, ao invés de uma infinidade de figurinos e perucas, os produtos se misturam com outra rotina: lembretes para fazer planos de aula. 

O primeiro passo: usar cola em bastão nas sobrancelhas. O processo faz os pelos grudarem na pele.

– Transformo meu rosto numa tela em branco. Escondo as sobrancelhas e a barba, pra começar do zero – diz ele.

É o início de um processo que dura em torno de duas horas e meia. No final, Jean dará espaço para sua versão drag queen, assim como Flávio (Gabriel Sanches), da novela das sete, vira Rúbia.

– Criei a Rebeca há uns dois anos e meio. Eu fazia parte de um grupo de alunos que organizava um evento da faculdade. Pedi para ser o apresentador e propus fazer isso como drag queen. Todo mundo abraçou a ideia – conta Jean.

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O despertar

Mas o interesse por este universo vem de antes. Na adolescência, quando vivia em Charqueadas, Jean fazia teatro e já se interessava por figurinos mais caricatos. A inspiração mais forte aconteceu já na Capital: 

– Foi assistindo a RuPaul’s Drag Race (reality norte-americano comandado pela drag queen Ru Paul, que busca talentos na área) que me interessei por drags. Algum tempo depois, uma das participantes, a Milky, veio a Porto Alegre e eu fui assistir. Quando vi a potência daquilo, pensei: “Quero fazer isso também”.

O tema da apresentação daquela noite era musicais, uma versão de Tracy Turnblad, de Hairspray, clássico dos anos 1960. A inspiração da produção era o pop art, que desconstrói imagens culturais. Mas, sendo o rosto uma tela, pode receber qualquer coisa:

– Ando querendo fugir um pouco da make mais clássica, estilo garotinha.

Depois de fazer sua tela em branco, o trabalho segue com uma base forte, que esconde por completo as sobrancelhas e os traços do rosto. A esta altura, já passa Tempo de Amar, novela das seis, na televisão. 

O sobreviver

Depois do evento que marcou o “nascimento” de Rebeca, foram surgindo convites para apresentações. Hoje, a personagem faz dois shows por mês no Work Room, bar na Cidade Baixa que abre espaço para drags, além de atuar como DJ e em eventos particulares. Em média, são quatro ou cinco apresentações mensais. O que quer dizer que, pelo menos uma vez por semana, Jean vira Rebeca. O valor dos cachês varia conforme o local e o tipo de evento, mas uma coisa é certa: viver como drag não é fácil financeiramente:

– Minha renda chega a cair pela metade de um mês para o outro, conforme a agenda. Além de drag, dou aulas de dança. Consigo me sustentar porque divido as contas de casa. Se morasse sozinho, talvez, não desse.

A quantidade de roupas e figurinos não é só coisa de novela: as produções dificilmente se repetem.

– Já devo ter feito umas 50 montagens. Quase sempre mudo alguma roupa ou maquiagem. Ainda não faço as minhas roupas, compro prontas ou peço ajuda para amigos. Mas pretendo aprender também – conta.

Três horas de preparo, 30 minutos de palco

André Feltes / Especial
No palco, o artista

No bar, Rebeca é recebida com festa e cumprimenta a todos. O Work Room parece um grande camarim: decorado em rosa e com espelhos cercados de lâmpadas pelas paredes. Nas TVs, reprises de RuPaul’s Drag Race. O pequeno palco tem, no fundo, uma cortina de veludo preto. As noites das drag queens sempre têm duas artistas. Quem abriu o palco no dia 4 foi Sasha Lacrey. Assim que as luzes se apagam, o público (bastante variado) prepara os celulares. Depois da primeira performance de Sasha, é a vez de Rebeca, que dubla Good Morning Baltimore. 

Depois de um intervalo, ela volta ao palco para mais uma música, interage com o público e, em mais ou menos meia hora, seu trabalho acaba. 

Dividindo-se entre a faculdade, a Rebeca Rebu e aulas de dança para idosos e para turmas de Ensino Médio, Jean pouco acompanha as novelas. Mas valoriza:

– As pessoas olham estas personagens e começam uma discussão. E este é o primeiro passo contra o preconceito. Talvez, quem assiste questiona o que é uma drag, vai querer saber mais. A gente tem que ter essa voz ou nunca avançaremos.

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