Caderno PrOA



O jovem e o crime

Por que especialistas em direito consideram a diminuição da maioridade penal uma péssima ideia

Professor da PUCRS e especialista em Direito Penal apresenta uma terceira via na discussão do que fazer com o menor infrator no Brasil

06/06/2015 - 15h01min

Atualizada em: 06/06/2015 - 15h01min


Diorgenes Pandini / Agencia RBS
Jovem em unidade de internação para adolescentes infratores

* Advogado criminalista, professor da PUCRS e doutor em Direito Penal. Autor de Tratado de Direito Penal, entre mais de 30 obras.

O direito brasileiro considera o menor penalmente irresponsável por qualquer crime; considera-o, contudo, "responsável" por ato infracional correspondente a crimes, independentemente de sua capacidade de entendimento. Ou seja, muda-se a terminologia: crime, para o menor, é ato infracional, e pena chama-se medida socioeducativa, sendo a mais grave a privação de liberdade (internação). Em outros termos, muda-se o rótulo, mas a essência continua a mesma: privação de liberdade (prisão) tanto para o adulto quanto para o menor que praticar fatos definidos como crimes. Há, não se pode negar, responsabilidade juvenil, que é penal, porém não sujeita o menor a penas criminais e, sim, a medidas socioeducativas (inclusive privativas de liberdade), que também são sanções estatais, porém, com prevalente carga pedagógica (no programa a ser executado), o que não lhes retira o caráter retributivo, inerente a qualquer sanção estatal.

A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, que já adotava essa orientação, justificava afirmando: "Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal".

Por isso, a "responsabilidade penal" do menor é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê atos infracionais e aplica medidas privativas de liberdade (entre outras), e não pelo Código Penal (CP), que define crimes e aplica pena de prisão para o maior. A prisão do menor chama-se medida socioeducativa.

Nessa faixa etária os menores precisam, como seres em formação, mais de educação, de orientação, de formação (de políticas públicas), e não de prisão ou de encarceramento em estabelecimentos onde é impossível alguém se reabilitar.

Reiteradamente se tem dito que o problema da prisão é a própria prisão. Ela representa um trágico equívoco histórico, constituindo a expressão mais característica do vigente sistema de justiça criminal. Validamente, só é possível pleitear que ela seja reservada para os casos em que não há outra solução. No Brasil, como em outros países, a prisão corrompe, avilta, desmoraliza, denigre e embrutece a pessoa do condenado. Michel Foucault, em sua magnífica obra Vigiar e Punir, denunciava o drama da prisão, e perguntava se a pena de prisão fracassara. Ele mesmo respondia, afirmando que ela não fracassou, pois cumpriu o objetivo a que se propunha, qual seja, o de estigmatizar, de segregar e separar os condenados. Nessa linha, a Exposição de Motivos do Projeto Alternativo de Código Penal alemão destacava que "a prisão é uma amarga necessidade de uma sociedade de seres imperfeitos, como são os homens". Por isso, esse projeto propunha drástica redução nas penas carcerárias, e a substituição das penas curtas por penas alternativas.

A prisão não recupera ninguém porque não nasceu para recuperar alguém, mas para manter a estrutura de poder e assegurar a comodidade das classes dominantes. A prisão, a rigor, é uma fábrica de delinquentes, de onde é impossível alguém sair melhor do que entrou. Qualquer menor preso como simples batedor de carteiras, em pouco tempo sairá de lá altamente especializado, como um grande criminoso e integrante de uma facção criminosa. A prisão é a universidade do crime, com pós-graduação em barbárie da violência, e, com certeza, a criminalidade violenta aumentará muito mais com a redução da maioridade penal e a experiência adquirida no cárcere.

Por essa razão, todos os grandes especialistas na área são radicalmente contrários à redução da maioridade penal. Assim, será muito mais produtivo aperfeiçoar o ECA, aumentando o tempo de privação de liberdade, respeitando o texto constitucional e deixando inalterada a idade de imputabilidade penal.

Admitimos, no entanto, de lege ferenda, a possibilidade de uma terceira via, para amainar a fúria punitiva da sociedade e de seus representantes políticos: nem a imputabilidade do Código Penal, nem as restritas medidas socioeducativas do ECA, mas a elevação da restrição de liberdade, adotando uma espécie sui generis de semi-imputabilidade, com consequências diferenciadas para os infratores jovens, a serem cumpridas em estabelecimentos exclusivos para jovens (patronato para menores infratores, por exemplo), com tratamento adequado, enfim, um tratamento especial, isto é, um tratamento (res)socializador mínimo, com a participação obrigatória e permanente de psicólogos, psiquiatras, terapeutas e assistentes sociais.

Seria possível, por exemplo, criar faixas da privação de liberdade para menores, alterando o ECA: para 12 a 14, até 3 anos de internação; 14 a 16, até 5 anos; 16 a 18 (incompletos), até 7 anos. Ademais, o menor deverá cumprir toda a privação de liberdade aplicada independentemente de completar os 18 anos. Altera-se, assim, somente o ECA, que não exige quorum qualificado, respeitando-se o texto constitucional.


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