Polícia



Tráfico de drogas

Moradores da Rua Neves, em Porto Alegre, vivem na trincheira do medo

Rua localizada na Vila Cruzeiro, Bairro Santa Tereza, é palco da guerra entre os V7 e os Pantanal

19/12/2014 - 07h02min

Atualizada em: 19/12/2014 - 07h02min


Luiz Armando Vaz / Agencia RBS
Rua Neves, Vila Cruzeiro, Bairro Santa Tereza

Quando ouviu o barulho, a moradora de 62 anos saltou. Correu até a rua, gritando, desesperada. Queria proteger as crianças. Só foi contida quando o marido a agarrou e, com calma, explicou que, ao menos daquela vez, não se tratava de mais um tiroteio em plena luz do dia. Transtornada, a mulher, que mora na Rua Neves, Vila Cruzeiro, no Bairro Santa Tereza, precisou ser medicada em uma unidade de atendimento psiquiátrico.

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O caso, ocorrido há algumas semanas, é só mais uma face do horror que se tornou ser morador da rua considerada uma fronteira do medo entre dois grupos de traficantes rivais: os V7 (Vila 27) e os Pantanal. Cruzar esse "limite" pode significar a morte. O trauma da violência, literalmente, adoece a população.
Só nas redondezas, pelo menos outras duas moradoras só conseguem pregar o olho à noite abaixo de medicação. Desde o começo do mês passado, os tiroteios se tornaram quase diários. Nesse período, quatro já morreram. O temor dela se confirmou uma semana atrás, quando um menino de 14 anos foi atingido no peito por uma bala perdida a poucos metros da sua casa.

Número de mortes só aumenta

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Desde o começo do ano, dez pessoas já teriam sido assassinadas no conflito. No final da noite de quarta, a estatística aumentou. Rogério Santos de Souza, 28 anos, morador da Rua Neves, foi morto a tiros de pistola 9mm quando circulava de moto, por volta das 23h, pela Rua José Lino Avallone. Os matadores estavam em um Punto. Maranhense, Rogério morava havia bastante tempo em Porto Alegre e tinha antecedentes por porte ilegal de arma e tráfico. A polícia investiga se ele tinha relação com alguma gangue.

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A rua é de quem?

No final da tarde do dia 11, atiradores executaram Tiago Melo Escodells, 31 anos, na casa dele, na Rua Neves. A suspeita da polícia é de que ele tinha ligação com a Vila Pantanal. Teria sido alvo dos rivais, da Vila 27. O ataque deixou um efeito colateral: no momento dos tiros, um menino de 14 anos buscava pão e foi atingido por uma bala. Ele segue hospitalizado, aguardando cirurgia para a retirada do projétil do pulmão.

Ousadia é exibida nas redes sociais

A rivalidade entre os dois bandos não se limita a tiros e ameaças pelas ruas. Nas redes sociais, cada grupo trata de exibir poder de fogo com fotos e frases de desafio. A ousadia não se limita aos rivais. Até a polícia já foi alvo. A gangue dos V7 já teria ameaçado PMs que atuam no Território da Paz do Bairro Santa Tereza. Também já danificaram uma viatura da Polícia Civil na vila.
- São em sua maioria jovens e inconsequentes. Querem demarcar um território e reproduzem uma rivalidade que vai além do tráfico - afirma o comandante do Território da Paz do Bairro Santa Tereza, major José Carlos Pacheco.
O responsável pelo policiamento do 1º BPM na região admite que houve aumento da violência entre os grupos.
- No final do ano, sempre há aumento de consumo de drogas e a perspectiva de benefícios como indultos e saídas temporárias da prisão. Isso sempre movimenta as quadrilhas - diz o oficial.
Se até a metade desse ano, a maior parte dos ataques eram atribuídos aos V7 - inclusive com tiros em moradores da Vila Pantanal que não tinham qualquer relação com o tráfico -, no último mês, a ofensiva é dos criminosos da Pantanal.

Policiamento afrouxou, tiroteios voltaram

De acordo com os moradores, houve recrudescimento nos confrontos logo depois das eleições. Atribuem isso à ausência do micro-ônibus da Brigada. Durante mais de um mês, sempre que anoitecia, ele ficava estacionado em uma praça da Rua Caixa Econômica. Havia policiais em patrulhamento até a madrugada.
O major Pacheco nega qualquer relação entre a retirada do veículo com o resultado da eleição.
De acordo com o oficial, o policiamento foi reforçado na região com o Pelotão de Operações Especiais (Poe) do 1º BPM. Ele garante que a medida será mantida. Não há previsão de retorno do micro-ônibus.

A comunidade que resiste

Em meio ao medo da população, a Associação dos Moradores da Vila Tronco (Amavtron) é um foco de resistência. Por isso, a direção da entidade garante: amanhã, haverá a tradicional festinha de Natal para as crianças na Rua Caixa Econômica.
- Nós não podemos fechar, pois aqui é um porto seguro para as crianças. Se a gente desiste, vamos deixar eles nas ruas? - desabafa o coordenador Luciano Cardoso.
No dia 12, a formatura de uma turma da creche foi cancelada em virtude da bala perdida que atingiu o adolescente na Rua Neves. Ele é atendido por um dos programas da associação, como boa parte dos moradores das duas vilas.  A única restrição feita pela Amavtron é em relação ao horário. A festinha será das 10h às 15h. A Brigada Militar garante a segurança no local.


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