Guerra do tráfico
Morte da menina Laura: dois meses de mistério
Polícia ainda não identificou os envolvidos no crime o corrido na Zona Sul da Capital
A cena ainda é viva na memória da mãe, Samantha Machado. Era madrugada de 17 de abril quando um tiro de fuzil 5.56 rompeu a janela do quarto das crianças, no andar de cima de um dos sobradinhos do Condomínio Campos do Cristal, no Bairro Vila Nova, Zona Sul de Porto Alegre, e, depois de atingir de raspão o pequeno Kauan, de 11 anos, foi certeiro e fatal na cabeça da irmã dele, Laura Machado Machado, de apenas sete anos.
Ela, e todos na casa, dormiam. Nem imaginavam de onde vinha o tiro. Um mistério que hoje, dois meses depois, a polícia ainda tenta solucionar, mas, depois de ouvir dez testemunhas no inquérito, está bem distante de achar o culpado.
O diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, assegura que o crime está entre os de mais difícil solução e, por isso, é uma prioridade atual.
- Nosso desafio é encontrar a arma para chegarmos ao atirador - aponta.
Na madrugada do assassinato, foram recolhidos pelo menos cem estojos de 9mm e 5.56 nas ruas do Condomínio Campos do Cristal.
Há suspeita de que um fuzil AR-15 - compatível com munições 5.56 - apreendido uma semana depois da morte de Laura, em Viamão, possa ser a mesma arma usada no tiroteio da Zona Sul da Capital. Até agora, porém, o fuzil apreendido pela 3ª DP de Viamão segue em poder da delegacia. Segundo o titular da DP, delegado Paulo Prado, nenhum ofício solicitando o exame foi encaminhado pela 4ª DHPP até o momento.
A delegacia especializada informa que fez o pedido diretamente ao IGP, e ficou sabendo que a arma não estava no instituto. O fuzil ainda não foi encaminhado sequer para o chamado exame de funcionalidade, que é de praxe e serve para determinar se a arma tem uso ou não. Até ontem, também, a 4ª DHPP não havia enviado novo ofício, desta vez para a DP de Viamão, solicitando que a arma fosse periciada no IGP.
Para cada perícia, uma montanha de papéis
Como o Estado não conta com um banco de dados comparativo que se possa recorrer a cada munição apreendida, toda vez que uma delegacia pretende comparar projéteis com armas apreendidas por outra delegacia, precisa seguir um caminho burocrático. É necessário enviar um ofício à delegacia responsável pela apreensão da arma, fazendo o pedido de exames balísticos. Esta delegacia é que precisa encaminhar o pedido ao Departamento de Criminalística.
De acordo com o diretor do Departamento de Polícia Metropolitano, delegado Marcelo Moreira, armas apreendidas só são entregues ao IGP quando é necessário fazer exames relativos a algum outro crime que possa ter sido cometido com aquele armamento. Não era o caso da apreensão feita pelos policiais de Viamão.
Nesta terça-feira, ao tomar conhecimento do interesse do Departamento de Homicídios, o diretor prometeu encaminhar o fuzil à perícia.
Enquanto segue com o fuzil apreendido, a 3ª DP já fez solicitação à Justiça para que o armamento possa ser cedido para uso da própria delegacia.
Confronto entre quadrilhas
A polícia sabe que o crime foi resultado de um confronto entre integrantes de uma quadrilha local, ligada à facção dos Bala na Cara, e rivais da quadrilha conhecida como V7, que atua no Bairro Santa Tereza e já teria aliados em todas as comunidades vizinhas no Bairro Vila Nova.
São dois grupos conhecidos por estarem entre os melhores armados atualmente na Capital. A principal suspeita é de que o tiro fatal tenha partido de uma das armas dos invasores. Menos de uma semana depois do assassinato, os agentes cumpriram mandados de busca na Zona Sul da Capital à procura da arma do crime. Voltaram com apenas um revólver calibre 38 apreendido.
No mês passado, um homem de 24 anos, suspeito de participação em outro homicídio na Zona Sul, foi preso. Integrante da quadrilha que atuava no tráfico dentro do Condomínio Campos do Cristal, ele fugiu de lá depois do confronto, assim como boa parte do bando. Ouvido pela polícia, ele não confirmou que tenha participado do tiroteio que resultou na morte da menina.
"Eu ainda chamo pelo nome da minha filha"
Dois meses depois do crime, o clima que era de guerra aberta entre duas quadrilhas rivais, acalmou nas ruas do loteamento popular. Mas ali, não há quem não olhe para a porta, ainda fechada, da casa 287 do Acesso A, sem sentir um pouco da dor que ainda impede a família de retornar ao lar na Capital. Eles se refugiaram em Santa Maria, na Região Central, onde permanecem. Enquanto tenta acumular forças para voltar para casa, a mãe, Samantha Machado, quebrou o silêncio e conversou com o Diário Gaúcho.
Diário Gaúcho - A perda da sua filha foi resultado direto do quanto uma disputa do tráfico pode afetar a vida de inocentes. O que a senhora pensa disso?
Samantha - Me dá uma raiva imensa. As pessoas não imaginam o que a gente, que sofre com a perda, está sentindo. Tenho certeza que a minha filha não morreu na hora dela. Não foi Deus que levou ela, foram bandidos, e na porta da nossa casa.
Diário Gaúcho - Como tudo aconteceu?
Samantha - É difícil de saber, porque a gente estava dormindo e de repente parecia que estava dentro de uma guerra. A gente nunca liga as luzes quando dá tiroteio, por medo. Mas era tanto tiro que chegava a iluminar dentro de casa. Foi um desespero total quando vi meus filhos baleados.
Diário Gaúcho - Como tem sido esses dias?
Samantha - Aprendi a viver um dia por vez. E tem dias que a saudade fica bem pior. O momento que mais me dói é quando vou servir o almoço para os meus filhos e eu ainda chamo pelo nome da minha Laura. A minha menorzinha, de cinco anos, era a mais grudada nela e agora não dorme mais à noite. Chora quase todos os finais de tarde. Está muito difícil para todos nós.
Diário Gaúcho - Pensam em voltar a Porto Alegre?
Samantha - Eu preciso voltar em algum momento, mas ainda não tomei coragem. Fico pensando no momento em que tiver que subir no quarto dela e arrumar as coisinhas dela. Fico com um sentimento de que vou entrar na nossa casa e encontrar a minha filha ainda lá.
Diário Gaúcho - Tens esperança na justiça?
Samantha - Mesmo prendendo quem fez isso, eu sei que não vai ser feita justiça de verdade. Só creio na justiça divina. Quem fez isso com a minha menina merecia o mesmo castigo.