Violência
Por que adolescentes estão matando e roubando cada vez mais
Em dez anos, aumentou 34% o número de adolescentes internados na Fase por crimes como roubo, homicídio e latrocínio
Filho de um dos expoentes de uma das principais facções da Região Metropolitana, aos 15 anos ele já tem fama de líder e impõe o medo em Porto Alegre. Moradores contam que o guri chegou a fazer um colar com dois dedos de um homem torturado por contrariar os interesses da quadrilha. O histórico de violência iniciou quando o pai já estava na cadeia. Ele tinha 12 anos e foi apreendido por ameaça e disparo de arma de fogo. Daí, seguiram-se casos de porte de arma, tráfico de drogas, formação de quadrilha, cárcere privado, lesão corporal, roubo e, agora, está internado sob suspeita de dois homicídios.
Leia mais
Escola e postos de saúde fecham as portas após incêndio de ônibus no Beco dos Cafunchos
Preso por assaltos na Capital é reconhecido como responsável por assassinato de universitário
Porto Alegre registra um assalto a cada 15 minutos
O caso, que pode parecer extremo, não é uma exceção. Em dez anos, as internações de adolescentes por crimes violentos aumentaram 34%. O número de internos por tentativa de homicídio subiu 70%, por homicídio, 55%, por roubo cresceu 27% e por latrocínio, 2%.
– Hoje é raro termos um inquérito de homicídio que não tenha a participação de um adolescente – observa o delegado Rodrigo Pohlmann, da 4ª DHPP, que investiga homicídios na Capital.
Ele conta que, nos últimos dez dias, metade de seus inquéritos remetidos à Justiça apontam menores de 18 anos entre os autores.
Por quê?
Por que eles estão roubando e matando mais? Para a diretora do Deca, delegada Adriana Regina da Costa, o problema vai além da segurança pública.
– É consequência de uma desestrutura familiar e social generalizada. Quando apreendemos esses adolescentes, ligamos para os pais. Muitas vezes eles não aparecem porque querem, visivelmente, fugir do problema.
Segundo ela, os depoimentos dos adolescentes revelam que suas referências estão no mundo do crime.
– É o traficante ou o assaltante que oferece uma oportunidade de ganhar dinheiro mais facilmente e rapidamente – observa.
E isso acontece cada vez mais cedo:
– Estamos apreendendo adolescentes com 14 ou 15 anos por crimes violentos. Com as prisões dos adultos, eles veem naquele espaço a oportunidade de crescer e serem reconhecidos nesses ambientes – destaca a delegada.
Ultrapassou a marca dos mil
Pela primeira vez em dez anos, o número de internos por crimes violentos ultrapassou a marca dos mil.
Historicamente, os roubos encabeçam as internações e, neste ano, também pela primeira vez, chegaram à marca dos 706. Cinco anos atrás, eram 310. Em relação a 2015, cresceram 31%.
Para o promotor da Infância e Juventude, Júlio Almeida, os números retratam a sua maior preocupação:
– Sem dúvida, os adolescentes hoje estão entrando na Fase por infrações mais violentas. Eles refletem a violência generalizada que vivemos. A falta de qualquer controle do Estado torna muito fácil para qualquer um sair à rua com uma arma. O adolescente, pela sua urgência, é mais inconsequente e cada vez mais toma a frente nas ações violentas – observa.
Mesmo que nos últimos anos o índice por latrocínio (roubo com morte) se mantenha estável, junho mostrou uma tendência perigosa: eram menores os autores da morte do estudante Rodrigo Maciel Gonçalves, 17, na tentativa de levar o seu celular na Capital, e da funcionária do aeroporto, Mineia Machado, 39 anos, levada junto com o carro roubado do aeroporto.
Por dentro da Fase
O pátio e as salas de aula vazias indicam que há algo diferente na rotina do Centro de Internação Provisória Carlos Santos, da Fase. Um conflito no Beco dos Cafunchos, na Zona Leste da Capital, com tiroteio e ônibus incendiado aumentou a hostilidade.
– A semana foi um pouco tensa. Se desenhou um confronto entre duas alas – explicou um funcionário.
Destinada a adolescentes que estão chegando, a Carlos Santos tem capacidade para 86 internos e está com 117. Em todas as unidades, a carência chega a 496.
Apesar de eventuais tensões e da superlotação, o presidente, Robson Zinn, garante que a instituição mantém o controle sobre a massa de internos.
– Não dividimos por facções, como fazem nos presídios, pois acabaríamos fortalecendo esses grupos. Mantemos a ordem pelo diálogo – afirma.
O orgulho de pertencimento a grupos organizados que agem dentro e fora do sistema penitenciário, porém, é facilmente perceptível. Pelas grades dos alojamentos das alas, os internos fazem gestos que os identificam com as facções. Um deles chega a exibir um cartaz com uma provocação ao grupo rival – logo recolhido.