Polícia



Investigação

Como funciona o tribunal do tráfico, que julga, condena e executa desafetos em Porto Alegre

Suspeito de comandar "júri", criminoso conhecido como  Luisinho foi preso nesta semana

19/08/2016 - 08h57min

Atualizada em: 19/08/2016 - 11h24min


Mariana Furlan
Mariana Furlan
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No breu da noite de sexta, 15 de abril deste ano, e sob a mira de pistolas. Era este o cenário de uma "sala de audiências" do tráfico de drogas na Zona Leste de Porto Alegre. Neste ambiente, os réus tiveram pouca chance de defesa. Foram interrogados, investigados, sentenciados e condenados em poucas horas. Um deles morreu, atingido por mais de dez tiros. O outro, ferido a tiros, conseguiu escapar e acabou se tornando o elo para que a polícia revelasse um verdadeiro tribunal comandado por traficantes do Beco dos Cafunchos, no Bairro Agronomia.

Nesta semana, Luís Fernando Rodrigues de Oliveira, o Luisinho, 47 anos, apontado pela 1ª DHPP como o juiz do caso, ocorrido em abril, foi preso preventivamente no Bairro Agronomia e agora a polícia investiga a possibilidade de que mais sessões de julgamento como a que vitimou Luis Felipe Novais de Souza, 22 anos, tenham ocorrido naquela região.

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– Eu nunca me deparei com um tribunal tão elaborado assim entre traficantes aqui da Região Metropolitana, com uma hierarquia clara e elementos como se fosse uma audiência realmente – afirma o delegado Rodrigo Reis, que comandou a investigação.

Era começo da noite de 15 de abril quando Luís Felipe e um amigo foram sequestrados por criminosos armados e em um carro na Vila Maria da Conceição, Bairro Partenon. Sob a ameaça de que iriam morrer por serem, supostamente, integrantes da facção dos Bala na Cara, os dois foram levados até o Beco dos Cafunchos, no Bairro Agronomia, onde foram colocados diante do homem que é apontado pela polícia como herdeiro do traficante Cristiano Souza da Fonseca, o Tereu, morto na cadeia ano passado.

Além de Luisinho, a polícia já identificou Carlos Alexandre Oliveira Lopes, o Xande Caveirinha, como outro dos julgadores do tráfico. Ele foi preso pela Brigada Militar em julho, na Vila Cruzeiro.

Luisinho, o "juiz", foi preso em ação do Departamento de Homicídios nesta semana

A sentença

Diante dos "juízes", os dois tiveram a sua defesa. De acordo com os investigadores, eles argumentaram que nunca foram integrantes dos Bala na Cara. Luís Felipe, de fato, não tinha antecedentes criminais. Seu amigo, que sobreviveu, por outro lado, tem antecedentes por tráfico, receptação e porte ilegal de arma.

– Foi neste momento que a situação se assemelhou a uma audiência. Por ordem do Luisinho, as vidas dos dois foi rapidamente investigada – conta o delegado.

Criminosos com seus celulares teriam feito o levantamento dos históricos dos seus alvos pelo Facebook e Instagram. E se chegou a um veredito: "Vocês são Bala. Vão morrer".

A decisão teria sido unânime entre os julgadores e coube, segundo a investigação, a Luisinho dar a ordem.

– Ele definiu que os dois deveriamser mortos, mas não ali. E seguiu para um local determinado. Ele participou também da execução – relata o responsável pela investigação.

Em dois carros, Luis Felipe e o amigo foram levados até um beco na Estrada Capoeira, no Bairro Lomba do Pinheiro, onde seriam fuzilados. O corpo dele só foi encontrado em um matagal no começo da noite do sábado, dia 16 de abril.

Em junho, ônibus foi incendiado na entrada do Beco dos Cafunchos

Julgamento é forma de amedrontar

A cena do julgamento descrita pelo sobrevivente, atualmente retirado da cidade por questão de proteção, para a polícia, reforça a ideia do comando de traficantes em suas comunidades pelo medo.

– Mortes com ordens diretas dos patrões, mesmo presos, não chegam a ser novidade. Temos diversos casos em que os matadores já capturaram a vítima e fazem uma ligação ao traficante para que ele autorize a execução, mas com esses detalhes de julgamento é raro encontrarmos – afirma o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Gabriel Bicca.

Segundo ele, casos como o do Beco dos Cafunchos servem para reforçar o silêncio de possíveis testemunhas pelo medo.

– Neste caso houve um sobrevivente, precisava ser protegido. Mas quando isso não acontece, dificilmente alguém se arriscaria a revelar detalhes do crime – acredita o delegado.

A 1ª DHPP investiga se a prática dos julgamentos é comum na Zona Leste.

Morte do Teréu incendiou o conflito

Luisinho era um antigo aliado de Cristiano Souza da Fonseca, o Teréu. Ambos controlavam o tráfico de drogas entre o Beco dos Cafunchos e a Vila Tamanca, no Bairro Agronomia. Com pena a cumprir até 2038, e duas condenações por tentativas de homicídios, em dezembro Luisinho foi beneficiado com a progressão de regime e não se apresentou para colocação da tornozeleira eletrônica.

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A sua volta às ruas representou a tentativa de retomada do comando dos pontos de tráfico nas duas vilas e uma guerra aberta contra a facção dos Bala na Cara, que à essa altura – desde a morte do Teréu – havia ampliado seu controle de pontos de tráfico na Vila Tamanca. Foi em meio a esse confronto que o tribunal aconteceu.

– Nós não conseguimos elementos suficientes na investigação para comprovar se, de fato, o rapaz morto naquele julgamento tinha algum envolvimento com os Bala na Cara e o conflito na Agronomia – explica o delegado Rodrigo Reis.

O MAPA DOS HOMICÍDIOS


A partir de fevereiro, uma série de mortes na região alertou os investigadores da 1ª DHPP para a disputa que acontecia na região. O incêndio de um ônibus no acesso ao Beco dos Cafunchos em junho deste ano tornou o conflito ainda mais evidente.

De acordo com o delegado, além do indiciamento pela morte de Luís Felipe Novais de Souza, Luisinho é investigado por outras mortes decorrentes do confronto com os Bala na Cara.

– Nossa apuração agora foca também nos líderes do outro lado – confirma.

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