Solidariedade se aprende cedo
Menina de 11 anos corta os cabelos para doar para criança com câncer
Isabella Ilaria Lopes Schumann também possui uma história de superação
Há cerca de um mês, um pedido inusitado da pequena Isabella Ilaria Lopes Schumann, 11 anos, do Bairro Marechal Deodoro, em Gravataí, surpreendeu a mãe:
- Eu quero cortar o cabelo para fazer uma peruca. Quero doar a peruca para alguém com câncer.
O desejo, de acordo com a ex-babá Fátima Elizete Ferreira Lopes, 40 anos, surgiu depois de ela ter visto uma reportagem na tevê, falando de pacientes com câncer e mostrando que eles perdiam os cabelos devido ao tratamento de quimioterapia. Isabella estava com suas melenas pela cintura e a mãe duvidou que estivesse falando sério.
Mas Fátima estava errada - Isabella falava muito sério. Ontem, ela cortou seu cabelão para fazer uma boa ação.
- Meu coração tava na ponta de língua, de tão nervosa! Adoro meu cabelo, mas não vou sentir falta. Eu sei que tem gente precisando mais do que eu - disse, após a mudança no visual.
Um pedido encantador
Para chegar até ali, a menina contou com a ajuda de muitas pessoas. Entre elas, além dos pais, que deram total apoio à madura decisão, uma foi de fundamental importância: a da pedagoga Juliana Pierdoná, do Hospital São Lucas, da Puc, em Porto Alegre. As duas se conhecem desde que Isabella nasceu, pois a garota sofre de doenças crônicas no coração e nos intestinos e trata-se no hospital em que a pedagoga trabalha. Foi Juliana quem articulou a doação do cabelo, após ser informada pela menina sobre seu desejo.
- Aquele pedido foi encantador e me encheu de orgulho. Ela é uma paciente que passou por maus bocados e que consegue superar todas as adversidades. Nunca desistiu, sempre teve muita vontade de viver. Acionei amigos e conseguimos o corte, a confecção da peruca e a escolha de uma paciente para receber o cabelo - explica Juliana.
Ontem pela manhã, o salão Visualité recebeu a menina. Sem cobrar, profissionais cortaram e escovaram o cabelo. Para mimar a pequena, ainda fizeram maquiagem e manicure nela.
De desafios, ela entende bem
A história de Isabella é cheia de desafios e de lutas. Ela nasceu com dois problemas congênitos: uma doença crônica no coração e, outra, nos intestinos (chamada de Hirschsprung). Ambos resultaram até agora em dezenas de cirurgias ao longo de sua pouco mais de uma década de vida e em longos períodos de internação hospitalar. Foi assim que conheceu a pedagoga Juliana, do serviço de recreação do Hospital São Lucas.
A relação de cumplicidade entre Juliana e a família de Isabella é tão forte que a mãe da pequena, Fátima, conta já ter recebido conselhos de amiga, ajuda de psicóloga e atenção de mãe da "tia Ju", como é conhecida.
A Isabela passou os três primeiros anos de vida no hospital. Era comum eu mal chegar em casa e já ter de voltar para lá. E muitas vezes era a tia Ju quem levava para mim bolachinhas, leite em pó, café. Uma vez, ela fez comida em casa e levou para o hospital - enumera a ex-babá, que largou o serviço de cuidadora de crianças para se dedicar somente a uma: a sua.
Quem segura as pontas financeiramente na casa de Isabella é o pai, Ivanio Volni Schumann, 34 anos. Ele é ajudante de caminhão em uma serralheria de Gravataí. Mas sempre tem mais alguém da família que se aperta e ajuda, quando existe a necessidade.
"Desse jeito, vou para Paris!"
Ontem, por volta das 9h, quando chegou ao salão, Isabella estava radiante.
- Eu botei na minha cabeça que era o que eu queria, mas meu pai e minha mãe não acreditaram. O cabelo é minha vida, mas eu posso doá-lo para alguém, pois vai crescer de novo - dizia.
O olhar elétrico, de quem está ansiosa pelo resultado, esteve presente durante todo o tempo. Depois do corte, enquanto esperava para lavar os cabelos, a pequena se deu conta da diferença.
- Nossa, minha cabeça tá mais leve. Vou gastar muito menos xampu agora - sorria.
Alguns minutos de puxa cabelo para cá e para lá, muito secador, e ela se parecia ainda mais com uma boneca: cabelos bem arrumados despertaram uma ideia.
- Desse jeito, vou para Paris! - brincava a garota.
Ao fim da maquiagem e após uma sessão de fotos de suas admiradoras - a tia Ju, a mãe e a representante da ONG que receberá os cabelos -, Isabella era pura alegria. Arrependida de cortar o cabelo?
- Capaz! Estou é muito feliz - declarou.
ONG vai selecionar paciente com câncer
A ONG Um Pequeno Desejo (www.pequenodesejo.org), sediada em Porto Alegre, foi quem se ofereceu para encaminhar as madeixas de Isabella para a confecção de uma peruca.
Inspirada em uma organização norte-americana, a entidade recebe pedidos de crianças e adolescentes que estão em tratamento de doenças crônicas e necessitam de hospitalização. Os desejos vão desde uma boneca até conhecer alguém famoso. Qualquer interessado pode ajudar.
Voluntários que atuam em quatro hospitais da Capital tratam de buscar o que querem os pequenos pacientes. Depois, uma rede de amigos e outros anônimos ajuda a realizar os pedidos. Isabella fez o caminho contrário: sem saber a quem beneficiar, decidiu fazer a doação. Agora, a ong vai procurar entre os pedidos que recebeu o de alguma criança com câncer que deseja uma peruca.
A Um Pequeno Desejo atende pacientes dos hospitais Santo Antônio, Conceição, Clínicas e São Lucas. Se você quiser ajudar, pode acessar o site ou enviar um e-mail para pequenodesejo@gmail.com.