Saúde em risco
Falta de psicólogos na rede pública da Capital atrasa acompanhamento de crianças e adolescentes
Carência de recursos humanos é confirmada pela Secretaria Municipal da Saúde. Conselho Tutelar da Restinga e Extremo-Sul teme principalmente pela demora no atendimento a casos de abuso
A carência de profissionais na área de saúde mental para tratamento de crianças e adolescentes pelo Sistema Único de Saúde (Sus) é vista com extrema preocupação por conselheiros tutelares da microrregião sete, que atende bairros como Restinga e Extremo-Sul da Capital.
O problema já foi tema de audiência pública na região neste ano, envolvendo representantes do Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria Municipal da Saúde. A falta de recursos humanos, reconhecida pelo município em todas as regiões da cidade, também é alvo de ação do Ministério Público.
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Numa busca por escolas da região, a microrregião sete mapeou 2 mil crianças e adolescentes que aguardam por algum tipo de serviço na Equipe Especializada em Saúde da Criança e do Adolescente (EESCA) desde 2014.
Até agosto deste ano, conforme os conselheiros, havia apenas uma psicóloga e uma fonoaudióloga atuando, enquanto a equipe mínima deveria contar com 15 profissionais (entre eles hebiatra, assistente social, psiquiatra, entre outros). Hoje, há um psiquiatra, uma assistente social, uma fonoaudióloga, uma pediatra e uma psicóloga. A falta de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS I) também é outra reclamação.
Entre os que necessitam de psicólogo, há adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, que precisam de acompanhamento psicológico por determinação da Justiça, crianças que sofreram traumas, com problemas de socialização, entre outros casos. Mas, de acordo com o conselheiro Rafael Barros, a principal demanda que chega à micro sete são os casos de abuso sexual.
– Nossa discussão é por causa da fila. Enquanto espera, a criança continua em sofrimento, retarda o aprendizado, prejudica o convívio social, o desenvolvimento pessoal – observa Rafael.
Mãe de um menino de sete anos, a auxiliar de limpeza de 38 anos esperou quase um ano para que o garoto recebesse atendimento psicológico pelo Sus. Ele fez exames no Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (Crai), no Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, que indicou a necessidade de tratamento com psicólogo. A primeira consulta ocorreu recentemente, depois que o caso foi discutido entre a rede de proteção. A família também é acompanhada pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
– Não é um serviço que está sendo um direito de todos – observa o conselheiro.
Há dois anos, o menino ficava em uma "cuida-se", onde sofreu abuso – a micro sete diz que entre quatro e cinco casos chegam diariamente ao conselho. O comportamento agressivo, que já era uma característica do menino, teria se acentuado após a situação de abuso, de acordo com a mãe. Além do problema de relacionamento na escola, ele tem dificuldades de aprendizagem.
– A família sofre, mas principalmente ele sofre porque é excluído nas brincadeiras, da sala, porque tem esse comportamento. Ele precisa de acompanhamento – relata a mãe.
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Problema se repete em outras regiões
Na avaliação de Sérgio Fraga, coordenador-geral dos Conselhos Tutelares de Porto Alegre, a demora no atendimento psicológico é geral em todas as dez microrregiões.
– As crianças não podem esperar. O problema está na nossa porta, temos que ir à luta. A demanda vai se acumulando. O prejuízo, as sequelas, são grandes para a criança e isso não se recupera mais, pode ocasionar grandes problemas no futuro – opina o conselheiro.
Defensoria é um dos caminhos
Os responsáveis por crianças e adolescentes que precisam de atendimento na rede de saúde mental e não conseguem podem procurar a Defensoria Pública (Rua Sete de Setembro, 735, o atendimento é de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h).
O defensor Público titular da 1ª Defensoria Pública Especializada em Infância e Juventude de Porto Alegre, Tito José Rambo Osorio Torres, garante que, em 2017 será realizado um atendimento específico na Defensoria Pública para zerar esse déficit, se necessário judicializando as questões que não forem atendidas administrativamente. Há uma estrutura de atendimento diferenciada sendo montada com esta finalidade.
Inquéritos civis abertos
Conforme a promotora Inglacir Dornelles Clós Delavedova, da 7ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre, há inquéritos civis abertos para tratar a falta de psicólogos na Capital, bem como a necessidade de instalação de mais Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS I) na cidade, além da necessidade de completar as Equipes Especializadas em Saúde da Criança e do Adolescente (EESCA).
– As tratativas estão em andamento, mas certas decisões dependem do novo governo – afirma.
Em relação à instalação de CAPS I, a promotora salienta que há previsão de recurso no orçamento do município para 2017, mas destaca que a comunidade precisa se mobilizar a fim de cobrar da Câmara que não faça cortes no orçamento da saúde, sob pena de a demanda ser postergada para 2018.
De acordo com a promotora Denise Casanova Villela, da 10ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre, em se tratando de abuso sexual, todos os casos são graves, mas há situações que são consideradas emergenciais, como por exemplo quando há risco de suicídio.
A promotora conhece a dificuldade da rede no que diz respeito a recursos humanos, mas destaca que também ocorrem casos nos quais é feito o encaminhamento ao serviço, mas a família não se vincula à rede, levando à falta nos atendimentos. Denise destaca que o tratamento psicológico para a vítima de abuso é importante para fortalecer a criança, para que não sinta culpa, melhore a autoestima.
Saúde reconhece que faltam psicólogos
De acordo com a coordenadora da Atenção Especializada da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Cristiane Nunes Freitas, a secretaria ainda não dispõe em seu sistema informatizado o número de crianças e adolescentes que esperam por atendimento de saúde mental. Mas reconhece que faltam psicólogos em todas as EESCAS (são oito na Capital).
– Todas as EESCAS tem dificuldade de recursos humanos, é um déficit importante de profissionais e a demanda está crescendo – explica a coordenadora.
Até o dia 15, a secretaria deverá concluir um estudo no qual serão apontadas as necessidades de profissionais para a futura criação de cargos – o documento será entregue para o novo prefeito e, posteriormente, enviado à Câmara.
Atualmente, por conta do decreto de contenção de despesas assinado pelo prefeito, há o impedimento de criação de novos cargos. Além da EESCA, há atendimentos também no CAPS I Harmonia. Atualmente, está sendo feito chamamento público para abertura de outros CAPS em regiões, entre elas a Restinga.
A secretaria explica que a porta de entrada para o atendimento de saúde mental são as unidades de saúde. Depois do posto, o caso vai para o matriciamento, sendo encaminhado para EESCAS ou CAPS. Cada uma uma das gerências distritais (oito regiões) possui uma EESCA.
Já os CAPS existem um para cada duas ou três regionais. Há um CRAI (Centro de Referência de Atendimento Infanto-Juvenil) que atende urgências 24 horas, além de dois pronto-atendimentos, IAPI e Vila dos Comerciários.
Nos primeiros oito meses deste ano, foram feitos 415 atendimentos no Crai. Nos CAPS, mais de 16 mil atendimentos e na EESCA ultrapassamos 30 mil atendimentos, média 4 mil por mês.