Casa própria
Imóveis populares vêm com fissuras de brinde
A convite do Diário Gaúcho, três engenheiros visitaram quatro empreendimentos - em Viamão, Gravataí e Porto Alegre, que apresentaram esse problema
Já pensou em receber as chaves de sua casa novinha, pronta para morar e, em poucos meses, perceber que fissuras passaram a fazer parte da decoração do ambiente? Pois o problema é mais comum do que se imagina, principalmente nos condomínios populares. A convite do Diário Gaúcho, três engenheiros visitaram quatro empreendimentos - em Viamão, Gravataí e Porto Alegre -, que apresentaram esse problema. A análise confirmou as falhas, mas trouxe uma boa notícia aos moradores: embora comprometam a estética das residências, os problemas não afetam as estruturas.
Condomínio Olinda l, em Gravataí
No dia 21 de maio, o Diário Gaúcho mostrou o drama dos moradores do Condomínio Olinda l, na Rua Guilherme Schmitz, no Bairro Parque Olinda, em Gravataí, que faz parte do Programa de Arrendamento Residencial (Par). O edifício, entregue aos moradores há cerca de cinco anos, estava com rachaduras que acompanhavam o marco da porta, entre o chão e a parede, nos blocos 3A e 3B.
O engenheiro civil Bernardo Tutikian examinou o edifício e afirmou que não há risco. Segundo ele, as juntas foram malfeitas e acabaram abrindo.
- Os apartamentos foram feitos de alvenaria estrutural e a escada, de concreto armado. Na junção, o material colocado foi muito rígido. E, como toda a estrutura trabalha (cede um pouco), abriu a brecha - acrescenta o especialista.
Na sexta-feira, a construtora estava trabalhando no local para resolver a situação. Uma espuma de vedação de poliuretano expansiva foi colocada entre as rachaduras, o que, para Bernardo, resolve o problema.
Residencial Nova Chocolatão
Lauro Comasseto, 42 anos, era uma das cerca de 700 pessoas que moravam na Vila Chocolatão, na região central de Porto Alegre, em condições insalubres. No dia 12 de maio, quando o Demhab transferiu todas as famílias para o loteamento do Residencial Nova Chocolatão, na Avenida Protásio Alves, no Morro Santana, achou que os problemas ficariam para trás.
Mas fissuras, problemas nas janelas e no corrimão, além de goteiras, não estavam previstos.
- Se meu filho, que é especial, chegar perto da escada, cai - desabafa a dona de casa Tainá Mattos de Moura, 30 anos, mulher de Lauro, mãe de Bruno, dez anos, afirmando que o problema existe desde que se mudaram para o local.
- Faltou reboco, diz engenheiro
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A fissura existente entre a sala e a cozinha, segundo o engenheiro do Demhab Flávio Lima, não é motivo de preocupação.
- A marca vertical na parede é devido à quantidade de reboco que foi um pouco menos do que o usual. Assim, um cano que passa no local ficou próximo e, por isso, trincou a parede. Não se trata de problema estrutural, mas estético - afirma Flávio, confirmando que o Demhab passará massa corrida e pintará a parede novamente.
O departamento irá providenciar também os demais consertos necessários.
Vila Fellice, em Viamão
- Isso aqui é Minha Casa, Meu Desgosto.
O desabafo é de Geneci Parodes Rodrigues, 61 anos. Moradora há um ano do Condomínio Vila Fellice, na Rua Visconde do Rio Branco, na Vila Gaúcha, em Viamão, a aposentada achou que, quando adquirisse o seu imóvel, teria sossego.
- Eu pagava aluguel antes de vir para cá. Me iludi, achei que as minhas dores de cabeça terminariam - afirma Geneci, apontando para as fissuras que insistem em aparecer na parede do segundo andar do imóvel.
Material não é adequado
Ela faz parte do programa Minha Casa, Minha Vida e pagará R$ 38 mil do total de R$ 55 mil, já que teve o subsídio de R$ 17 mil. A previsão é de que a residência seja quitada em 21 de dezembro de 2030.
O engenheiro Bernardo examinou o condomínio. De acordo com ele, na junção de dois materiais distintos, como a laje e a alvenaria, é preciso que seja colocado um terceiro material mais flexível, o que não aconteceu no edifício. Como é um custo maior na obra, as construtoras optam por outro tipo, mais rígido.
- Nessa condição, irá abrir sempre, mas em situações como essas, não há risco algum de queda - explica Bernardo, que apontou as fissuras na altura da escada, no interior das residências, como um serviço malfeito.
Bernardo afirma ainda que o sistema usado na construção das residências é o mais simples. Mesmo assim, se o material usado fosse o adequado para a junção, não teria problema.
Nova Vila Dique
O colorido das peças da casa de Roseli Teresinha Rodrigues dos Santos, 53 anos, perde a beleza em função das fissuras que cortam as paredes. Moradora da Nova Vila Dique, na Avenida Bernardino Silveira Amorim, no Bairro Rubem Berta, a dona de casa está entre as primeiras famílias contempladas com a moradia, em 2009.
- Sou uma das mais antigas e olha o jeito que está a minha casa - diz Roseli, apontando para a porta do banheiro.
Ela garante, que a porta só fecha com o auxílio de um arame. Basta caminhar pelas ruas do loteamento para notar os problemas. As marcas na altura da janela do segundo andar, que atormentam Roseli, também estão em muitas outras casas do condomínio. A massa corrida para tapar as fissuras destoa da pintura.
- Entre um quarto e outro, no chão, está abrindo. E se cair ?- questiona a moradora.
O engenheiro do Demhab, Luís Ferrari Borba, afirma que todas as fissuras que apareceram não comprometem o edifício. São as juntas de assentamento da alvenaria.
Materiais serão trocados
Sobre as fissuras nas janelas, o caso está em discussão entre o Demhab e a construtora. Porém, depois de constatado o problema, alguns materiais, como a argamassa, foram trocados para a construção das novas residências. No entanto, ainda não há uma conclusão do laudo técnico, o que impede o conserto.
- Nenhum material é de segunda linha. Nas construções populares, se economiza no acabamento e não na estrutura - ressalta Luís.
As residências foram construídas pela empresa Dan Hebert, de Brasília, e o reassentamento das 1.476 famílias começou há quatro anos.
O que dizem os responsáveis:
Demhab
O secretário do Demhab, Jorge Luís Vani Dusso, afirma, sobre a Nova Chocolatão, que as obras são do Pac, com a contratação da Cef e são empreendimentos rigorosamente fiscalizados. Os problemas que apareceram foram todos reparados. O Diário Gaúcho entrou em contato com a Construtora Conterra, que declarou não ter recebido denúncias sobre o problema.
Quanto ao Porto Novo, afirma que todos consertos necessários estão sendo realizados.
- Deixo claro que ainda há uma comissão de obras da vila. Se os moradores tiverem problemas, devem avisar a associação de moradores ou a equipe do Demhab - orienta Jorge.
O engenheiro Ayrton de Cerqueira Lima, da empresa Dan Hebert, afirma que dois laudos foram feitos, um da construtora e o outro do Demhab, quanto ao problema nas fissuras. Ambos afirmam que não há nenhum risco estrutural.
Vila Fellice
A Caixa Econômica Federal afirma que as fissuras, causadas por movimentações térmicas, foram consertadas pela construtora e avaliadas como pequenas imperfeições, normais em qualquer construção.
A empresa Tanajura Associados, que realizou as obras, informa que presta serviço de manutenção ao condomínio.
Residencial Olinda l
A Caixa afirma que os problemas citados foram verificados em vistoria realizada por engenheiro credenciado. O documento apontou fissuras, brechas e rachaduras em algumas unidades, bem como infiltrações e problemas no esgoto. O laudo está em análise e será encaminhado à construtora Lomando Aita.
A construtora diz que entre os blocos residenciais existem juntas de dilatação. Elas foram analisadas por um especialista e consideradas normais. Afirma que os materiais empregados são todos de boa qualidade.