Em busca do sorriso
Falta de dentistas causa prejuízo à saúde e autoestima
Perda de dentes por falta de atendimento nos postos de saúde pode causar exclusão de candidatos na disputa por emprego. Lugar na fila para consulta custa até R$ 15
O diretor-presidente do Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul, Flávio Borella, faz um alerta: o acesso limitado na área de atendimento odontológico da prefeitura da Capital tem consequências que vão além do prejuízo à saúde do paciente.
Na disputa por uma vaga no mercado de trabalho, por exemplo, um candidato sem dentes, devido à falta de tratamento em tempo adequado, corre o risco de ser eliminado num processo de seleção.
Na edição de ontem, o Diário Gaúcho mostrou o drama vivido por pessoas que não conseguem consulta pelo Sus nos postos. O município conta com 276 cirurgiões dentistas, quando o ideal seria 704, de acordo com a parcela da população que busca a rede de atenção básica.
Dentição completa é fator decisivo
Para Flávio, ter a dentição completa e dentes sadios não é importante apenas por uma questão fisiológica, vinculada ao ato de comer. É, sobretudo, fundamental para manter elevada a autoestima do cidadão e fator decisivo na luta por emprego.
- Hoje, se a pessoa não tem todos os dentes e aquele sorriso, ela não conseguirá um emprego - afirma.
Na Capital, existem 4.572 cirurgiões dentistas registrados no Conselho - a grande maioria atua na rede privada.
No Sarandi, lugar na fila custa R$ 15
Presença rotineira nos postos de saúde do município, o guardador de lugar na fila das consultas expandiu sua área de ação. Atravessadoras passaram a agir também em unidades de saúde administradas por hospitais na Capital. Segundo um vigilante, que pediu para não se identificar, três mulheres identificadas como Zaira, "Cabeluda", Alemoa e seu filho garantem o agendamento de consultas com dentistas no posto de saúde Nossa Senhora Aparecida, administrado pelo Hospital Conceição, na Rua José Paris, no Bairro Sarandi, Zona Norte da Capital. Na sexta-feira passada, pela terceira vez consecutiva, ele não conseguiu fazer o agendamento e ainda teve de ouvir o deboche de uma guardadora.
- Ela me disse: viu só, não quis comprar de mim. Agora não vai pegar - revelou o vigilante.
Dentista da unidade, Rejane Bezerra de Lima afirma que vai encaminhar a denúncia para o Conselho de Saúde, formado por integrantes do hospital e da comunidade. O posto distribuí, em média, 20 fichas por semana, sendo que gestantes, crianças de até quatro anos e casos de urgência têm acesso livre.
- Já tínhamos limitado à distribuição apenas para pessoas com prontuário na unidade. Agora, vamos ter de tomar outras providências-anunciou Rejane.
Boca no trombone!
Novos relatos da seção "Meu Sonho É..." confirmam o desespero dos pacientes da Capital e da Região Metropolitana que tentam, mas não conseguem atendimento na rede pública.
"Não suporto mais ver minha mãe chorando de dor na boca e nos dentes. Ela não consegue mastigar e tudo que ela come tem de ser esmagado. Não podemos pagar o tratamento, pois é muito caro."
Maria Luísa, Porto Alegre
"Tenho 35 anos e dois filhos, estou escrevendo para realizar o sonho da minha filha, que é colocar aparelho dentário. Ela tem os dentes tortos e mordida aberta e nem quer mais ir à escola, pois sente vergonha. Não tenho condições de pagar, pois preciso cuidar da minha mãe, que sofreu um AVC."
Janice, Alvorada
"Minha mãe tem alguns problemas de saúde e precisa de cuidados, mas ela tem um sonho: arrumar os dentes. Ela não tem alguns dentes na arcada inferior e precisa de clareamento. Meu pai já faleceu e eu e meu irmão não temos como bancar o tratamento."
M. C. B., São Leopoldo
"Quero realizar o sonho de minha mãe. Ela está com a dentadura gasta demais e com dificuldade de mastigar os alimentos. Não tenho condições de ajudá-la e peço que nos deem essa graça."
Juliana Freitas, Porto Alegre
"Meu marido tem 63 anos e somos casados há 32. Não suporto mais ver sua tristeza, pois ele tem uma ponta na arcada dentária superior e na inferior somente quatro dentes. Ele precisa urgentemente de tratamento."
Cenira Lemos, Porto Alegre
"Sou mãe de um adolescente que precisa muito da ajuda de vocês. Ele tem 17 anos e precisa de um tratamento odontológico urgente, incluindo aparelho dentário. Não tenho condições de pagar pois não estou trabalhando. Ele sente muita dor."
Joaquina, Porto Alegre