Eles só querem sorrir
Faltam dentistas nos postos de saúde municipais
A rede conta com 173 postos de Estratégia de Saúde da Família (ESF), mas somente 58 têm equipes especializadas em tratamento dentário
A falta de profissionais na área de saúde bucal do Sus na Capital, revelada há dois anos pelo Ministério da Saúde, continua sendo um problema sem solução na Porto Alegre de 2012. A prefeitura admite e tenta reduzir a carência, mas a distância que separa o paciente dos consultórios da rede de atenção básica é grande. O ato de sorrir deixou de ser um sonho. Virou pesadelo.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um dentista para cada grupo de 1,5 mil habitantes. Na época do estudo (2010), pelo cálculo do número estimado de usuários do Sus (75% da população), a Capital deveria ter 750 dentistas, mas contava com 172. Hoje, tem 276 profissionais, quando o ideal seria 704.
Em Curitiba, a prefeitura tem mais de 500 dentistas.
- Diretor do Conselho critica a situação
O quadro reduzido, a baixa oferta de consultas e a falta de informatização obriga os usuários a madrugarem na fila para fazer o agendamento. Para o diretor-presidente do Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul, Flávio Borella, é um absurdo:
- As pessoas não podem esperar 15 ou 30 dias para serem atendidos. Um adolescente com cárie pode vir a perder um dente em razão da falta de atendimento no tempo adequado.
- Rede privada é alternativa
No Centro de Saúde da Vila dos Comerciários, no Morro Santa Teresa, que conta com três dentistas, são distribuídas 110 consultas, em média, a cada 30 dias. A marcação ocorre sempre na primeira segunda-feira do mês, o que gera longas filas.
Vizinhas da unidade na Vila Cruzeiro, as donas de casa Romilda Ferreira, 52 anos, Marizia Canez, 32 anos, e Aneliese Santos dos Santos, 36 anos, desistiram de buscar atendimento porque não conseguem as senhas.
- Romilda gastou R$ 120
Para Romilda e Marizia, a saída foi procurar a rede privada.
- Gastei R$ 120 por duas consultas em uma clínica particular para extrair dois dentes -revelou Romilda, que só pôde fazer o procedimento com a ajuda dos filhos.
Marizia também desistiu por causa da demora.
- Como a empresa de meu marido tem convênio com uma clínica dentária, paguei R$ 20 por duas consultas para meu filho - explicou.
Prefeitura admite deficiência
O coordenador da área técnica de saúde bucal da prefeitura, Fernando Ritter, questiona o índice preconizado pela OMS. Segundo ele, ao contrário do órgão internacional, o Ministério da Saúde sugere um dentista para cada grupo de 7 mil habitantes. Fernando, porém, admite que o quadro de dentistas é inferior ao necessário.
- Estou satisfeito com o atendimento prestado, mas não é o ideal ainda - afirmou.
Na época da pesquisa do MS, Porto Alegre foi considerada a sexta pior nesta área entre as capitais.
- Eles consideraram apenas quatro indicadores, dentre vários: o número de equipes, de extrações, ações coletivas de escovação e o número de pessoas que acessaram os serviços. Tínhamos 16 equipes de PSF. Hoje, dois anos depois, são 58 - justifica.
O coordenador anuncia que esse número vai aumentar. Em breve, outra sete equipes começarão a trabalhar.
O quadro hoje
A rede conta com 173 postos de Estratégia de Saúde da Família (ESF), mas somente 58 têm equipes especializadas em tratamento dentário. Em 2010, eram 16. E, das 58 equipes, 20 estão dentro de hospitais ou são administradas por eles. Nas 53 unidades básicas, onde deveriam atuar 218 profissionais, apenas 194 estão trabalhando (18 dentistas estão em licença e outros seis lotados na área administrativa).
Compare com outras capitais
Curitiba: 1.764.541 milhões de habitantes e 535 dentistas (um dentista para cada grupo de 3.298 habitantes)
Florianópolis: 427.298 mil habitantes e 110 dentistas (um dentista para cada grupo de 3.884 habitantes)
Porto Alegre: 1.413.094 milhões de habitantes e 276 dentistas (um dentista para cada grupo de 5.119 habitantes) Nenhuma capital atinge o índice preconizado pela OMS (um dentista para cada grupo de 1,5mil habitantes)
Na seção "Meu Sonho É...", do Diário Gaúcho, pedidos de tratamento dentário são constantes, não só na Capital como na Região Metropolitana
"Minha mãe tem 59 anos. Não temos condições de pagar um tratamento dentário. Ela não sorri mais, não vai a restaurantes, a festas. Se alguém puder ajudá-la, agradeço de coração."
Carla Martins, Porto Alegre
"Tenho 34 anos, sou casada, tenho dois filhos. Sempre sonhei arrumar meus dentes. Eles estão caindo e sinto muita dor. Estou enlouquecendo de sofrimento."
Paula K. Mayer, Porto Alegre
"Desejo muito realizar o sonho da minha nora. Ela tem má formação na arcada dentária, seu rosto está ficando deformado. Ela precisa de cirurgia. É batalhadora, mas não temos condições de pagar."
Maria Denise Dorneles Pacheco, Porto Alegre
"Sou casada há dois anos. Meu relacionamento está ruim, por causa da falta de saúde bucal. O problema é meu marido: ele precisa urgente de um tratamento. Nunca teve condições de cuidar. Tenho medo que ele entre em depressão e ache que eu não o amo mais."
Maria, Alvorada
"Eu pago R$ 600 de aluguel e não consigo arrumar os meus dentes. Não sobra dinheiro. Se alguém puder me ajudar, agradeço. Que Deus abençoe vocês."
Maria Flores Jacks, Cachoeirinha
"Tenho 28 anos e o meu sonho é poder sorrir. Preciso de prótese dentária. Meus dentes estragaram e a maioria está quebrada. Vivo com este problema há nove anos, e tenho dificuldade para arrumar emprego. Não tenho dinheiro e, por isso, quase nem converso com as pessoas de vergonha."
Daiane Mariano, Porto Alegre
"Tenho 47 anos e sou casada. Estou precisando arrumar os meus dentes da frente e não tenho como pagar um dentista. Meu esposo está doente e não temos renda. Os nossos quatro filhos nos ajudam, mas não é o suficiente."
Iara, Alvorada
"Sou confeiteiro e, atualmente, estou afastado com depressão profunda. Peço a ajuda de um dentista de bom coração. Estou sem forças para continuar a viver. "
Flávio da Silva, Gravataí
"Tenho 51 anos e gostaria muito de colocar prótese dentária, pois por conta de dois tumores cancerígenos, estou temporariamente encostada. Tenho vergonha de sair de casa, além de não conseguir comer adequadamente."
Maria Aparecida, Alvorada
"Gostaria de arrumar meus dentes, mas não tenho condições financeiras. Estou perdendo os poucos que me restaram, pois estão frouxos."
Valdenir, Viamão
"Eu não aguento mais viver sem dentes, tenho muita vergonha de sair... Por favor, se tiver alguém que possa me ajudar, sou encostado do INSS e meu salário só paga minha alimentação."
Rubimar, Porto Alegre
"Gostaria de realizar o sonho de meu pai, ele precisa colocar uma prótese dentária e fazer uma revisão bucal e no momento não tem condições. O dinheiro só é suficiente para as despesas."
Aline, Porto Alegre
"Sou leitora do Diário Gaúcho desde o início e agora estou precisando com urgência de um tratamento dentário. Meu marido ganha pouco e não tenho condições de gastar."
Mara Rejane, Cachoeirinha