Órfãos do estádio
"Vamos sentir saudade do Olímpico"
Comerciantes e moradores do entorno do estádio projetam o futuro sem o rugido da torcida nos dias de jogos e a vibração do público nos grandes shows
Quando toca o hino do Grêmio, o corretor de imóveis Alberto Cândido da Silva, 48 anos, e o comerciário Carlos Renaux Bueno, 50 anos, se arrepiam e cantam a plenos pulmões, mas a letra de Lupicínio Rodrigues não faz muito sentido pra eles, que moram a dez passos do Estádio Olímpico, na Azenha.
Com a inauguração da Arena, no Bairro Humaitá, distante 12km dos apartamentos de Betinho e Carlinhos, o Até a pé nós iremos ganhará a sua real dimensão.
Último capítulo será eletrizante
No meio do caminho, tem o clássico Gre-Nal. Eletrizante. O último capítulo de uma relação iniciada com a inauguração do estádio, em 19 de setembro de 1954. Para esses dois tricolores fanáticos, a despedida do estádio neste domingo reserva emoções, lembranças e histórias.
- Vamos sentir saudade. Quando não vou ao estádio, venho para o terraço. Aqui é meu camarote - afirma Betinho, que mora num edifício ao lado do pórtico de entrada do estádio.
Paixão vista do terraço
Carlinhos contribuiu na campanha de arrecadação de recursos para conclusão do anel superior do Olímpico. Domingo, ele vestirá o manto azul e subirá no terraço da cobertura para se despedir do palco que lhe deu muitas alegrias. Dali, vê os treinos no campo suplementar e ouve o rugido da Geral, como se estivesse na arquibancada.
- Meu filho faz aniversário no dia da inauguração do Olímpico. Quando implodirem, vai ficar uma lacuna - diz.
Faísca quer abrir filial no Humaitá
Edenílson Davi, 40 anos, é o dono do Bar Preliminar, na esquina das ruas Dona Cecília com José de Alencar, em frente ao pórtico de entrada do estádio. O Bar do Faísca, como é conhecido, é uma referência dos torcedores. Nas paredes, não há mais espaço para flâmulas, faixas ou bandeiras. Mas o destaque é uma foto da equipe e da comissão técnica do Grêmio em 1973 no gramado do estádio ainda sem o anel superior. Imagem rara, presente de um colorado.
- Este nem o museu do Grêmio tem - confessa Faísca.
Ele não pensa em fechar o bar, mas já pensa em abrir uma filial pertinho da Arena.
Shows também farão falta
Além da vista privilegiada, a proximidade do estádio proporciona a Betinho e Carlinhos a audição de grandes shows sem sair de casa. Foi assim com Lenny Kravitz e Roger Waters e será, também, com a diva Madonna, em 9 de dezembro, um dia após a abertura da nova casa dos tricolores.
Segundo os dois tricolores, é como se estivessem na fila do gargarejo.
- A gente reúne os amigos e fica curtindo, ouvimos tudo como se estivéssemos lá dentro - diz Betinho.
Petiskão será repaginado
Acostumado com a avalanche de torcedores no bar, o dono do Petiskão, André Luiz do Amaral, 35 anos, projeta a mudança do perfil do estabelecimento. Em dias normais, o comerciante conta com dois funcionários, vende 60 a la minutas e 80 lanches. Em dias de jogos, tem a ajuda de oito atendentes, serve 200 a la minutas, 600 lanches e vende cerca de 70 caixas de cerveja (1.440 garrafas). A receita do dia salta de R$ 2,5 mil para R$ 15 mil nestas ocasiões.
- É uma loucura, não dá nem pra respirar - fala André.
Com o fim do Olímpico, o bar mudará. O novo projeto prevê reforma e ampliação dos ambientes. O investimento será de R$ 130 mil. O proprietário está de olho na nova vizinhança, que surgirá no lugar do velho estádio.
- Com a construção de shopping e de torres residenciais, a circulação de carros e o fluxo de pessoas até aumentará - avalia.